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sexta-feira, 27 de abril de 2012

2136 - sueco tropicalista


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3936                                         Data: 22 de abril de 2012
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MAJORARAM O TAXÍMETRO

Pensava em Ingmar Bergman.
Fiquei por mais de vinte anos sem assistir aos seus filmes. Agora, o canal a cabo Telecine Cult anunciava um festival com as obras do celebrado cineasta sueco. Será que os seus filmes envelheceram? - perguntei-me. Só vendo, para obter uma resposta e não era só isso: eu estou bem mais escarmentado, hoje, para analisar do que no início dos anos 70.
Assim, revi “Persona” e “Sétimo Selo” e fiquei encantado. Obras que se aprofundam na natureza humana nunca ficam datadas, haja vista as peças de Shakespeare, que sempre estão em cartaz.
Quando o Telecine Cult anunciou “Gritos e Sussurros”, a minha reação foi indecisa: passo por essa experiência de novo, ou não?... Explico-me: lá pelo ano 1972/1973, a fita foi para a tela do extinto cinema Para Todos, no Méier. Sabendo que eu vira o filme, minha irmã, que pretendia ir com meu cunhado ao cinema, pediu a minha opinião sobre a fita do Para Todos.  Ora, eu não me desfazia da minha pose de intelectual nem quando tomava banho e, por isso, afirmei que “Gritos e Sussurros” não deviam ser perdidos por ninguém. Dias depois, eu me arrependia da minha sugestão ouvindo os seus comentários:
-Enquanto ela sofria com a dor do câncer, urrando desesperadamente, eu arranhava os braços do Julinho de agonia.
-São cenas fortes. - limitei-me a dizer.
Minha irmã prosseguiu:
-Eu pedia ao Julinho para sair no meio do filme, mas ele dizia que, quando paga por alguma coisa, só sai no fim. Saiu, mas todo arranhado.
Eu não me mostrei frágil, mas em “Gritos e Sussurros” se encontra, para mim, uma das cenas mais fortes da história do cinema, aquela em que uma das três irmãs, Karin, não suportando as mentiras do seu relacionamento conjugal, enfia na vagina um caco de uma taça de vinho, que se estilhaçara no jantar, e aguarda o marido para mais uma relação sexual. Eu não tinha, no cinema, ninguém para arranhar, nesse momento, mas quase despreguei a cadeira  do chão,  com o impacto da cena.
Agora, com o Telecine Cult programando “Gritos e Sussurros”, titubeei, mas decidi revê-lo por causa da “Mazurca opus 17 n° 4, de Chopin”. Não sei se era a fotografia espetacular do filme, o clima angustiante das três irmãs, Agnes, Maria e Karin, e a generosidade da criada Anna, que fazia com que essa joia de Chopin, nos dedos de Vladimir Horowitz, brilhasse com um fulgor inesquecível.
Depois de revisitar essa fita de Bergman, constatei que estivera diante de uma obra cuja intensidade só foi alcançada pelos grandes nomes da arte universal.
Por que pensei isso tudo? - Porque o motorista do táxi em que entrei, um desconhecido, só falou uma coisa: o preço da corrida.
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No dia subsequente, a corrida para a minha casa ocorrei no táxi do Flamenguista.
-E o metrô? Pego uns passageiros que reclamam muito das viagens do metrô.
-Eu antecipo em uma hora ida e volta do trabalho, para evitar a espremedura desumana nos vagões, que eles chamam de carro, mas, às vezes, inutilmente; basta o intervalo entre um trem e outro subir de quatro para oito minutos para os passageiros virarem sardinha em lata.
-Então, está a mesma coisa. - concluiu.
-A mesma coisa, não; por exemplo, ouvia-se música clássica nas estações, hoje, não se escuta mais nada. É verdade que, durante meses, tocava-se apenas trechos da Sinfonia de Mahler, creio que era o único disco deles.
-Além dos cabos de cobre, roubaram o disco. - comentou com uma risada o Flamenguista.
-Antes, mal a composição do metrô parava numa estação concorrida, como a da Carioca, o maquinista tocava a sirene de fechamento das portas, provocando atropelos no fluxo de entrada e saída de passageiros dos vagões.
-Um total desrespeito. - meneou a cabeça negativamente.
-Transportavam seres humanos como se fossem gado. Parece que essa página negra da história do metrô foi definitivamente virada.
-Eles prometem trens novos vindos da China que nunca chegam. - interveio.
-Desde 2010, que escuto que vai melhorar porque vêm os trens chineses e nada. Noticiaram, esta semana, que chegaram dezenove trens no porto do Rio de Janeiro.
-Chegaram mesmo? - duvidou.
-Quando desembarcaram o trem coreano para a SuperVia, em 2007, um colega meu, de trabalho, pegou o waiver dessa carga.
Antes de ele me pedir explicações, fui didático:
-Existe obrigatoriedade de embarcações de bandeira brasileira no transporte dessas cargas, mas como não há, muitas vezes, navios nacionais em posição, pede-se waiver, permissão para o embarque em outra bandeira, Nesse caso do trem coreano da SuperVia, falei com o meu amigo para liberar logo, pois a torcida do Botafogo precisava ir ao Engenhão.
-Quando os trens chineses rodarão no metrô?
-Em agosto.
-Em agosto de 2013. - entremeou as suas palavras com uma gargalhada, enquanto me deixava na Rua Modigliani.
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-Vou para Ipanema. - anunciou o 118 aos seus colegas, quando percebeu que eu entraria no seu táxi.
Pensamentos passaram celeremente pela minha cabeça. Será que ele é abusado?... Certa vez, passou o braço pelo meu ombro, quando eu ainda estava atravessando a Rua Domingo de Magalhães e me perguntou se o meu bolso estava abarrotado de dinheiro. Eu tinha de estar com muito dinheiro, segundo ele, porque o táxi aumentou. Soube, depois, que majoraram o taxímetro em alguns centavos.
Agora, mal ele acionou a primeira marcha, eu anunciei:
-Barão da Torre.
A gargalhada que ele soltou mostrou que o espírito dele era de galhofeiro, não de debochado. Assim, a corrida transcorreu saudavelmente.
-Você viu o cartaz no portão daquela casa lá de trás?
-Não; tenho de atualizar meu exame de vista.
-Dizia o cartaz: “Esqueça o cão, cuidado com a dona.” Nessa casa, mora minha ex-mulher.
E soltou uma gargalhada de provocar abalos na barriga de 9 graus na escala Richter.
-Sua ex-mulher mora ali, mesmo?- perguntei angelicamente.
-Não, é uma piada do José Simão. Eu costumo escutar o programa da Jovem Pan, quando ele comenta o nosso dia a dia.
-Você não acha que a frase ficaria melhor assim: “Esqueça o Pit Bull, cuidado com a dona.” - propus.
-Então, a dona tem de ser a Dilma.
E soltou outra estrondosa gargalhada.



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