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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3936 Data:
22 de abril de 2012
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MAJORARAM O TAXÍMETRO
Pensava em Ingmar Bergman.
Fiquei por mais de vinte anos sem
assistir aos seus filmes. Agora, o canal a cabo Telecine Cult anunciava um
festival com as obras do celebrado cineasta sueco. Será que os seus filmes envelheceram?
- perguntei-me. Só vendo, para obter uma resposta e não era só isso: eu estou
bem mais escarmentado, hoje, para analisar do que no início dos anos 70.
Assim, revi “Persona” e “Sétimo Selo” e
fiquei encantado. Obras que se aprofundam na natureza humana nunca ficam
datadas, haja vista as peças de Shakespeare, que sempre estão em cartaz.
Quando o Telecine Cult anunciou “Gritos
e Sussurros”, a minha reação foi indecisa: passo por essa experiência de novo,
ou não?... Explico-me: lá pelo ano 1972/1973, a fita foi para a tela do extinto
cinema Para Todos, no Méier. Sabendo que eu vira o filme, minha irmã, que
pretendia ir com meu cunhado ao cinema, pediu a minha opinião sobre a fita do
Para Todos. Ora, eu não me desfazia da
minha pose de intelectual nem quando tomava banho e, por isso, afirmei que
“Gritos e Sussurros” não deviam ser perdidos por ninguém. Dias depois, eu me
arrependia da minha sugestão ouvindo os seus comentários:
-Enquanto ela sofria com a dor do
câncer, urrando desesperadamente, eu arranhava os braços do Julinho de agonia.
-São cenas fortes. - limitei-me a dizer.
Minha irmã prosseguiu:
-Eu pedia ao Julinho para sair no meio
do filme, mas ele dizia que, quando paga por alguma coisa, só sai no fim. Saiu,
mas todo arranhado.
Eu não me mostrei frágil, mas em “Gritos
e Sussurros” se encontra, para mim, uma das cenas mais fortes da história do
cinema, aquela em que uma das três irmãs, Karin, não suportando as mentiras do
seu relacionamento conjugal, enfia na vagina um caco de uma taça de vinho, que
se estilhaçara no jantar, e aguarda o marido para mais uma relação sexual. Eu
não tinha, no cinema, ninguém para arranhar, nesse momento, mas quase
despreguei a cadeira do chão, com o impacto da cena.
Agora, com o Telecine Cult programando “Gritos
e Sussurros”, titubeei, mas decidi revê-lo por causa da “Mazurca opus 17 n° 4,
de Chopin”. Não sei se era a fotografia espetacular do filme, o clima
angustiante das três irmãs, Agnes, Maria e Karin, e a generosidade da criada
Anna, que fazia com que essa joia de Chopin, nos dedos de Vladimir Horowitz,
brilhasse com um fulgor inesquecível.
Depois de revisitar essa fita de
Bergman, constatei que estivera diante de uma obra cuja intensidade só foi
alcançada pelos grandes nomes da arte universal.
Por que pensei isso tudo? - Porque o
motorista do táxi em que entrei, um desconhecido, só falou uma coisa: o preço
da corrida.
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No dia subsequente, a corrida para a
minha casa ocorrei no táxi do Flamenguista.
-E o metrô? Pego uns passageiros que
reclamam muito das viagens do metrô.
-Eu antecipo em uma hora ida e volta do
trabalho, para evitar a espremedura desumana nos vagões, que eles chamam de
carro, mas, às vezes, inutilmente; basta o intervalo entre um trem e outro subir
de quatro para oito minutos para os passageiros virarem sardinha em lata.
-Então, está a mesma coisa. - concluiu.
-A mesma coisa, não; por exemplo,
ouvia-se música clássica nas estações, hoje, não se escuta mais nada. É verdade
que, durante meses, tocava-se apenas trechos da Sinfonia de Mahler, creio que
era o único disco deles.
-Além dos cabos de cobre, roubaram o disco.
- comentou com uma risada o Flamenguista.
-Antes, mal a composição do metrô parava
numa estação concorrida, como a da Carioca, o maquinista tocava a sirene de
fechamento das portas, provocando atropelos no fluxo de entrada e saída de
passageiros dos vagões.
-Um total desrespeito. - meneou a cabeça
negativamente.
-Transportavam seres humanos como se
fossem gado. Parece que essa página negra da história do metrô foi
definitivamente virada.
-Eles prometem trens novos vindos da
China que nunca chegam. - interveio.
-Desde 2010, que escuto que vai melhorar
porque vêm os trens chineses e nada. Noticiaram, esta semana, que chegaram
dezenove trens no porto do Rio de Janeiro.
-Chegaram mesmo? - duvidou.
-Quando desembarcaram o trem coreano
para a SuperVia, em 2007, um colega meu, de trabalho, pegou o waiver
dessa carga.
Antes de ele me pedir explicações, fui
didático:
-Existe obrigatoriedade de embarcações
de bandeira brasileira no transporte dessas cargas, mas como não há, muitas
vezes, navios nacionais em posição, pede-se waiver, permissão para o
embarque em outra bandeira, Nesse caso do trem coreano da SuperVia, falei com o
meu amigo para liberar logo, pois a torcida do Botafogo precisava ir ao
Engenhão.
-Quando os trens chineses rodarão no
metrô?
-Em agosto.
-Em agosto de 2013. - entremeou as suas
palavras com uma gargalhada, enquanto me deixava na Rua Modigliani.
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-Vou para Ipanema. - anunciou o 118 aos
seus colegas, quando percebeu que eu entraria no seu táxi.
Pensamentos passaram celeremente pela
minha cabeça. Será que ele é abusado?... Certa vez, passou o braço pelo meu
ombro, quando eu ainda estava atravessando a Rua Domingo de Magalhães e me
perguntou se o meu bolso estava abarrotado de dinheiro. Eu tinha de estar com
muito dinheiro, segundo ele, porque o táxi aumentou. Soube, depois, que
majoraram o taxímetro em alguns centavos.
Agora, mal ele acionou a primeira
marcha, eu anunciei:
-Barão da Torre.
A gargalhada que ele soltou mostrou que
o espírito dele era de galhofeiro, não de debochado. Assim, a corrida
transcorreu saudavelmente.
-Você viu o cartaz no portão daquela
casa lá de trás?
-Não; tenho de atualizar meu exame de
vista.
-Dizia o cartaz: “Esqueça o cão, cuidado
com a dona.” Nessa casa, mora minha ex-mulher.
E soltou uma gargalhada de provocar
abalos na barriga de 9 graus na escala Richter.
-Sua ex-mulher mora ali, mesmo?-
perguntei angelicamente.
-Não, é uma piada do José Simão. Eu
costumo escutar o programa da Jovem Pan, quando ele comenta o nosso dia a dia.
-Você não acha que a frase ficaria
melhor assim: “Esqueça o Pit Bull, cuidado com a dona.” - propus.
-Então, a dona tem de ser a Dilma.
E soltou outra estrondosa gargalhada.
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