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quinta-feira, 19 de abril de 2012

2132 - Schummi, o taxista

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3932 Data: 17 de abril de 2012

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DISPNEIA NAS LADEIRAS

-Certo dia, o piloto de Fórmula 1, Michael Schumacher saiu de casa atrasado para ir ao aeroporto e pediu ao taxista para dirigir seu táxi. Ele concordou e o Schumacher não perdeu o avião.

-Isso é verdadeiro?- expressou o Paizão o seu ceticismo.

-Foi notícia nos jornais; aconteceu nesse intervalo em que ele largou e retornou ao circuito da Fórmula 1.

-Se fosse o meu táxi, eu não emprestaria.

Embora a dispneia do carro do Paizão surja nas ladeiras mais íngremes de Maria da Graça, explorei aquela hipótese absurda.

-O senhor não emprestaria?... Parece que ele deu uma polpuda gorjeta para o taxista que compreendeu o problema dele de atraso.

-Dizem que o Schumacher é unha de fome, que, quando esteve no Brasil, pagou umas despesas com dinheiro que não tinha mais valor.

-Ah, lembro-me disso!... Ele, angelicamente, pensou que o Brasil fosse a Alemanha, no início dos anos 90; como ainda tinha dinheiro do Brasil, guardado, usou-o no ano seguinte e viu que a nossa moeda mudara, que aquilo perdeu o valor.

-E não é sovina?- insistiu o Paizão.

-Quando houve um tsunami num país asiático, a contribuição monetária do Schumacher foi tão alta que muitos países reconsideraram a ajuda que deram, pois uma pessoa física os superara.

-Confesso que não sabia disso.

-O brasileiro, por causa da rivalidade que havia entre ele e o Aírton Senna, nutria uma terrível má vontade contra ele, destacavam até o fato de ele só dar 18 euros de mesadas para os filhos.

-Com 18 euros, eu levo um passageiro até o Centro da cidade, é muito pouco.

-O alemão sabe que o dinheiro deve ser conseguido com o suor, não quer estragar os filhos com dinheiro fácil. - argumentei.

A chegada à Rua Modigliani encerrou com a conversa. No dia subsequente, o carro que me aguardava no ponto da Domingo de Magalhães era o do Paizão.

-Que coincidência! - reagiu ele, enquanto eu me ajustava no cinto de segurança.

-Há tempo que não pego o táxi do Gaguinho, mas já aconteceu de eu viajar três dias seguidos com ele.

-Você não viajou no carro novo dele?

-Ele mudou de carro?- devolvi a pergunta.

Não tem mais aquele Santana, agora ele trabalha com um Palio. - informou-me.

-Certa vez, eu me referi a ele como Gaguinho a um amigo e ele fez confusão com outro taxista gago, que ele conhecia porque vinha do Unibanco, de noite, no metrô, e fazia como eu...

-Aquele taxista era o Messias, que já morreu. O que trocou de carro é o Cláudio.

E prosseguiu animado:

-Certa vez, ele telefonou para dar um recardo: - “Es...tou...tou,,, tele...fo...fo...nando...” - “É o Messias?” - “Co...co mo vo...vo... cês soube... beram?

-Já me contaram esse caso. - disse, enquanto ele ria com a lembrança.

-Então, o Gaguinho se chama Cláudio?

-O irmão do Cláudio também tem um táxi na praça.

Disse o Paizão o seu nome e números, que não foram captados por mim.

-O pai deles também tem um táxi, mas dirige por poucas horas, embora tenha menos idade do que eu.

-Há um rapaz dessa cooperativa, que herdou os passageiros do pai... Eu não sei precisar bem... Pouquíssimas vezes eu o vejo, ele me disse que costuma levar passageiros que trabalham em outras cidades do Rio de Janeiro, como Cantagalo.

Paizão liquidou imediatamente a charada:

-É o Felipe.

Chama-se Felipe, o rapaz de trejeitos delicados. - pensei sem me manifestar.

-Rua Modigliani. - avisou.

Saltei do carro dizendo para mim mesmo que a família que dirige unida permanece unida, reportando-me à frase “A família que reza unida permanece unida” do líder religioso Billy Graham que, segundo denúncia do Brizola, era agente da CIA.

Na quarta-feira, a corrida se deu no veículo do 017, que apelidei, sem que ele soubesse, é claro, de Dedão do Arqueiro Inglês. Ele, que sintonizara a estação do rádio numa música popular brasileira, cantava-a na sua voz baixa e rascante. Deixei-o fruir aquele momento de relaxamento e me pus a olhar os poucos transeuntes nas ruas.

-Você é funcionário público?- puxou conversa.

-Sou, mas gosto de trabalhar. - respondi sem entender porque a minha resposta não fora monossilábica.

-Você pode se aposentar e voltar para o trabalho?

-Com 70 anos, o funcionário público é compulsoriamente aposentado. Com os celetistas, isso não acontece: trabalham até o tempo que pretenderem e a saúde permitir.

-Eu falo de um funcionário público conseguir a aposentadoria e, em seguida, retornar ao serviço. Pode?

-Sim, pode. Um amigo meu, por exemplo, se aposentou no Departamento de Marinha Mercante e, como recebeu a oferta de uma gratificação para ir para outro lugar no Serviço Público, foi. O cargo dele estava, naturalmente, sujeito à política. A administração mudou, retiraram-lhe a gratificação e ele pediu o boné.

-Então é só uma gratificação? - mostrou-se o 017 aliviado.

-Existiam umas regalias entre os estatutários com que eu nunca concordei, embora fosse beneficiado. Eu nunca tirei, por exemplo, as três licenças-prêmios a que tenho direito.

-Mas elas contam em dobro para quem não as desfrutou.

-Tenho quase tempo para me aposentar, mas não farei isso.

Sem tomar fôlego, acrescentei.

-O número de estatutários é bem menor do que o de celetistas, no entanto, os gastos que eles provocam nas contas públicas são bem maiores.

Saltei do táxi, desejando-lhe um bom serviço, quando ouvi uma buzinada que acordou minha memória.

-Esqueci de pagar.

-Foi a conversa. - mostrou-se ele compreensivo.

-Nada; estou como a Previdência Social estará daqui a 30 anos: sem dinheiro para pagar.

No outro dia, o 109 me conduzia para casa.

-Você caminha cedo, não é? - mostrou-se curioso.

-Sim, ainda no escuro, mas vou para a cama com as galinhas, como se dizia antigamente. Só não durmo tão cedo quanto o 081 que, pelo que ele me falou, dorme às 7 horas da noite.

-Dorme nada; ele ainda trabalha a essa hora.

-Falam que ele é proprietário de mais de vinte imóveis.

-Ainda assim, não para de trabalhar. - frisou o 109.

-Quando me reportei ao fato de vê-lo rodando no táxi no carnaval, ele me disse: “Você não come todos os dias?”

-Temos direito ao lazer, mas o 081 não quer saber disso. - disse o 109.

-Ele trabalha como um chinês.

-Ele trabalha como um português, mesmo. - aludiu à nacionalidade do 081.

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