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sexta-feira, 13 de abril de 2012

2129 - cartas napoleônicas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3929 Data: 12 de abril de 2012

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CARTAS DOS LEITORES

-Você e o Elio Fischberg deixaram Paris antes da eleição de 1848, e me deixou sem saber o que aconteceu depois. Escrevo para reclamar. Castilho

BM: Com uma popularidade espetacular, adquirida pelos feitos do seu tio, Napoleão Bonaparte, no fim do século XVIII e início do XIX, Luís Napoleão se elegeu com mais de 75% dos votos. Em 1852, o seu poder chegaria ao fim, pois a Constituição da Segunda República, promulgada em 12 de novembro de 1848, determinava que o mandato fosse de 4 anos sem direito a reeleição.

No Brasil, quase 150 anos depois, o presidente Fernando Henrique Cardoso, com o Itamar Franco nos seus calcanhares, pretendendo mais 4 anos no cargo, falou em “rumor das ruas” e conseguiu mudar a Constituição-Cidadã (segundo o Ulisses Guimarães). Luís Napoleão, no entanto, agiu de maneira um tanto semelhante à do Hugo Chaves, na Venezuela: deu um golpe de Estado. Pretendeu ele ser como o tio, que acabou com a Primeira República e instalou o império francês. Luís Napoleão estabeleceu, assim, o Segundo Império.

Na época, Karl Marx e Hegel disseram que fatos e personagens na história do mundo ocorrem por duas vezes, a primeira como tragédia, a segunda, como farsa. Os 18 anos que durou o Segundo Império tornaram a França o país da opereta e a popularíssima música de Offenbach, que desperdiçou seu talento, foi a que melhor retratou essa época. Em 1870, depois da acachapante derrota da França diante da Prússia de Bismarck, quando os franceses sitiados em Paris comeram até ratos, o império do sobrinho terminava.

Quando Luís Napoleão tomara o poder, Victor Hugo, que admirava profundamente Napoleão Bonaparte, denominou o seu parente ambicioso de “Le Petit” e amargou um longo período de exílio, na Inglaterra.

-Nas suas aventuras com o Elio Fischberg pela Revolução de 1848, que os mais sonhadores chamaram de “A Primavera dos Povos”, o Biscoito Molhado falou da famosa pintura de Eugène Delacroix e do menino que inspirou o personagem Gavroche de “Os Miseráveis” de Victor Hugo. Eu gostaria de saber mais sobre isso. Píndaro

BM: Caro Píndaro, se você prestasse mais atenção nas cartas da Rosa Grieco e nas nossas respostas, já saberia muita coisa sobre esse tema. A nossa erudita leitora nos escreveu uma missiva sobre um antigo namorado, que ela trata de “inesquecível”, cujo nome ela esqueceu, deu-lhe um presente que envereda pelos versos de Vivtor Hugo. Tratamos disso no BM 1822 de 23 de novembro de 2010 que, pelo jeito, se apagou da sua mente. Segue a reprodução ipsis litteris do que foi escrito nessa edição:

“O inesquecível me deu um LP com o Nat King Cole cantando em inglês; não sei onde anda o homem, e o disco se foi com o resto; o vento levou tudo. Segue uma cançoneta filosófica, garanto que a tradução é simples:

“On est laid à Nanterre,

C´est la faute à Voltaire,

Et bête à Palaiseau,

C´est la faute à Rousseau.

Je ne suis pas notaire,

C´est la faute à Voltaire,

Je suis petit oiseau,

C´est la faute à Rousseau.

Joie est mon caractère,

C´est la faute à Voltaire,

Misère est mon trousseau,

C' est la faute à Rousseau.

Je suis tombé par terre,

C´est la faute à Voltaire,

Le nez dans le ruisseau,

C' est la faute à Rousseau.

Rosa, como é conhecedora emérita das obras de Victor Hugo, me surpreendeu, reproduzindo a “cançoneta filosófica”, ao não identificar nas mesmas as coplas ditas pelo menino Gavroche num dos momentos mais emocionantes de “Os Miseráveis”: a sua morte nas barricadas de Paris em junho de 1832.

Quando li a mais celebrada obra do escritor francês, eu julgava que Delacroix, quando pintou o garoto com uma pistola na mão, ao lado da liberdade, simbolizada por uma mulher com um seio desnudo, se inspirara no Gavroche do Victor Hugo, quando o contrário era a verdade. O célebre quadro “A Liberdade guia o povo” é anterior a “Os Miseráveis”.

Aqui vão alguns trechos da cena da sua morte:

“As pontarias sobre ele eram incessantes, mas erravam-no sempre. A cada descarga respondia com uma copla (as três primeiras quadras acima). Os guardas nacionais e os soldados de linha já se riam apontando-lhes a espingarda. O gaiato saltava, levantava-se, metia-se no vão de uma porta, depois saltava, desaparecia, tornava a aparecer, fugia, voltava, respondia à metralha como pied de nez, sem nunca deixar de roubar os cartuchos, despejando as patronas e enchendo o cesto. Os insurgentes seguiam-no com a vista, cheios de aflição. A barricada tremia, ele cantava.

[...] Todavia uma bala, mais certeira ou mais traiçoeira do que as outras, alcançou por fim o rapaz. Gavroche cambaleou e dobrou os joelhos. A barricada soltou um grito; mas o pigmeu tinha o que quer que fosse de Anteu; Gavroche não caíra senão para se levantar de novo, mas ficou sentado, e largo filete de sangue lhe listrava o rosto; ergueu os braços, olhou para o lado de onde viera o tiro, e pôs-se a cantar:

Je suis tombé par terre,

C´est la faute à Voltaire,

Le nez dans le ruisseau,

C' est la faute à ...

Não concluiu o verso. Segunda bala do mesmo atirador fê-lo calar subitamente. Então, caiu de bruços e não tornou a se mover. Aquela pequena grande alma acabava de alçar voo.”

Aqui vai a nossa tradução das coplas; se algum erro houver, a culpa é de Voltaire, se não agradar ao leitor, a culpa é de Rousseau:

“Somos feios em Nanterre,

A culpa é de Voltaire,

E bestas em Palaiseau

A culpa é de Rousseau.

Eu não sou meirinho,

A culpa é de Voltaire,

Sou um passarinho,

A culpa é de Rousseau.

Alegria é o meu personagem,

A culpa é de Voltaire,

Miséria é a minha roupagem,

A culpa é de Rousseau.

Eu caí por terra,

A culpa é de Voltaire,

O nariz ensanguentou.

A culpa é de ...”

Revivido este BM que caiu no esquecimento de alguns, vamos em frente com esta nossa Carta dos Leitores.

-Na visita que Maria Graham lhe fez, você disse que Sigismund von Neukomm tocou na corte de Dom Perdro I. Quem era ele? Pinheiro

BM: Sigismund von Neukomm foi o aluno preferido de Haydn. Quem foi Haydn? Foi o compositor que criou o quarteto de cordas, estabeleceu a forma de sonata de composição, iniciada por um filho de Bach, e ficou também conhecido como o pai da sinfonia. Era, portanto, o músico mais influente da sua época. Napoleão Bonaparte quando invadiu a Áustria, colocou soldados para guardar a casa do compositor doente, como forma de homenageá-lo. Por que, então, seu discípulo predileto veio ao Brasil? - perguntarão. Acredito que ele veio para agradar a Casa Habsburgo, que enviava um dos seus membros mais prendados, a Arquiduquesa Maria Leopoldina, para este fim de mundo.

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