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quinta-feira, 12 de abril de 2012

2127 - helenos e helenas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3927 Data: 8 de abril de 2012

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HELENO DE FREITAS NO SABADOIDO

-Eu querendo lembrar o nome do filme a que assisti e não me lembrava. Pedi ajuda à Glória, que também se esquecera.

-Logo a Glória, Luca, que foi a única a se lembrar do dia certo do aniversário do Elio Fischberg!... Mesmo o Dieckmann, que estudou com o Elio desde os 12 anos de idade, trocou o dia 4 por 3 de abril. - manifestei-me. (*)

Luca prosseguiu com a sua narrativa.

-Enquanto eu e a Glória puxávamos pela memória, a Kiara se fixava no computador com os fones nos dois ouvidos.

E voltou à pergunta:

Qual era o filme?...

-Heleno de Freitas?...- arrisquei.

-Assisti ao Heleno de Freitas, mas não era esse.

-Eu também assisti ao Heleno de Freitas. - afirmou o Cláudio.

-O cinema estava cheio? - perguntei.

-Sim. - respondeu enfaticamente o Luca.

-O comentarista de cinema da Rádio CBN, Marco Petrucceli, informou que viu o filme com apenas cinco pessoas na plateia, contando com ele.

-O filme deixa a sensação, no final, de que faltou alguma coisa.

-Tive essa mesma sensação, Claudiomiro. - concordou o Luca.

Percebendo que estávamos no tema “Heleno de Freitas”, Luca se apressou:

-De repente, a Kiara tira os fones dos ouvidos e diz o nome certo do filme, depois, colocou-os de volta nos ouvidos. Não me importo que ela capte essas coisas, mas me preocupo porque ela também absorve coisas que não deve.

Antes que a Gina, como psicóloga, falasse que as crianças são esponjas, que captam tudo o que acontece ao redor, perguntei:

-Por que você não se entusiasmou com o filme, Cláudio?

-Por exemplo: há uma cena em que o Heleno de Freitas aponta um revólver para o técnico do Vasco. O filme não diz que técnico foi esse. Acredito que fosse o Flávio Costa.

-O filme não diz mesmo o nome do técnico. - reforçou o Luca a crítica do Cláudio.

-O técnico foi o Flávio Costa, mas, pelo que li, há anos, não houve revólver na história. - intervim.

-O documentário parte do princípio que a pessoa já saiba de quem se trata. - entrou no diálogo a Gina.

-Não é um documentário, é um filme. - bradou o Cláudio.

-Ora, trata de uma pessoa que existiu. - argumentou ela.

-Amadeus é um documentário?- perguntou-me o Luca.

-Gina, o documentário é fundamentalmente jornalístico. - falei.

-Heleno de Freitas é um filme biográfico com muita coisa de ficção. Ele é retratado como um homem que bate em mulher e estuprador. - ralhou meu irmão.

-Ele tinha um caso com uma cantora e, no filme, ela canta um bolero e eu não quis saber: cantei junto com ela no cinema.

-Qual era o bolero, Luca?- fiquei curioso.

-É muito famoso, mas não me recordo agora. - lamentou.

Meu irmão tomou a palavra:

-Ela não quis ter relações sexuais com o Heleno de Freitas, ele mete a porrada nela e, em seguida, a estupra.

-Mas ela gostava de apanhar, Cláudio? Lançaram um livro sobre uma paciente histérica do Freud que ele passou para o Jung. O discípulo favorito do Pai da Psicanálise, na época, a curou com porrada e sexo.

-Depois falam do Nélson Rodrigues. - reagiu o Luca às minhas palavras.

-O início do filme lembra o Amadeus, mostra um hospício com aqueles doentes assustadores... - disse o Cláudio, enquanto a Gina rumava para dentro de casa.

-Heleno de Freitas ficou caquético, precisava que alguém levasse o cigarro até a sua boca.

-Também era alimentado, Carlinhos, como se fosse um bebê, no hospício. - acrescentou.

-Ele fumava muito e também bebia muito, almoçava com um copo de uísque do lado. - frisou o Luca.

-O doutor Jerônimo – citei um psiquiatra das nossas relações – disse-me, um dia, que Heleno de Freitas sofreu de sífilis nervosa.

-Deve ser.

Luca expressou alguma dúvida, mas eu tinha certeza, pois uma doença mental numa celebridade do porte de Heleno de Freitas tinha de constar na literatura psiquiátrica.

-O filme mostra quando as torcidas adversárias do Botafogo o chamam de Gilda?- indaguei.

Como os leitores do Biscoito Molhado conhecem sobejamente, a personagem vivida nas telas dos cinemas lotados pela Rita Hayworth (**) despertou na mente maliciosa do torcedor de futebol, pelo seu estrelismo, semelhanças com Heleno de Freitas.

-Quem começa a chamar o Heleno de Freitas de Gilda é a torcida do Fluminense. - disse o Cláudio.

-Disse o papai que a social do Vasco, em São Januário, em peso, chamava o Heleno de Freitas de Gilda e ele reagia balançando a genitália. - lembrei.

-Meu pai também dizia que ele jogava com o revólver na cintura, mas era lenda, pois não dá para jogar com uma arma no calção. - interveio o Luca.

-Ele era muito elegante, bonito, inteligente...

-Carlinhos, ele era advogado e falava mais de dois idiomas.

-Inglês, eu sei que ele falava, Luca.

-Carlinhos, o Heleno de Freitas estava muito acima da média intelectual dos jogadores. - afirmou o Cláudio.

-Ele cobrava muito dos jogadores do time dele, ficava louco quando passavam mal a bola para ele. Mas também se cobrava muito. - disse o Luca.

-E aquele pênalti que ele perdeu deixando o Botafogo, por isso, de ser campeão carioca?

-Sim, Claudiomiro; ele subiu, matou a bola no peito e levou um rapa por baixo; se ele faz o gol, o Botafogo empata em 2 a 2 com o Fluminense e seria campeão carioca. Ele, então, perde.

-Isso aconteceu em 1946, quando Gentil Cardoso, ao ser chamado para ser técnico do Fluminense, disse uma frase que se tornou célebre: “Deem-me Ademir e eu lhes darei o campeonato.” - reportei-me à história dos campeonatos cariocas.

-Com a perda do pênalti e do campeonato, Heleno socava a parede, flagelava-se. - frisou o Luca.

-Apesar da paixão pelo Botafogo, foi vendido, mais tarde, para o Boca Júnior. - assinalou o Cláudio.

-O Botafogo tinha sido tetravicecampeão (***). No primeiro jogo do Botafogo, no campeonato de 1948, a partida foi contra o São Cristóvão, e Heleno está presente, a paisana, pois já tinha sido vendido. O Botafogo perde de 4 a 0 e toda torcida do Botafogo, sabedora da presença dele no estádio, grita pelo nome do Heleno, que chora de emoção. O filme mostra essas cenas?

-Não.

-Foi a única derrota do Botafogo naquele ano em que, finalmente, se consagra campeão carioca. - concluí.

-O Heleno apareceu para treinar no Boca Júnior de sobretudo, quando os argentinos reclamaram, ele disse que, com aquele frio, não dava para jogar sem agasalho.- riu o Luca.

-Ele dá a maior bronca no Carlito Rocha, presidente do Botafogo, quando tenta retornar para o Botafogo. Disse o Carlito Rocha que o elenco estava fechado, sem ele.

Às palavras do Cláudio, seguiram-se a do Luca sobre o filme.

-O sonho dele era o Maracanã, mas jogou lá pelo América, já decadente.

-Ele queria participar da Copa do Mundo de 1950, era jogador mais clássico do que o Ademir, mas o “desgraçado daquele técnico maldito (Flávio Costa) não me convocou”. - manifestou-se o Cláudio.

Depois, os elogios foram unânimes à atuação do Rodrigo Santoro como Heleno de Freitas.

(*) – Não! Troquei o 4 de abril pelo 6 de abril! – disse o Dieckmann ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO, explicando que estava procurando estabelecer uma comparação entre a idade do Elio e a do CMRJ, hoje com quase 103 anos de idade. Elio seria, na visão equivocada no tempo e no calendário do Dieckmann, 1 mês mais velho do que a centenária instituição de ensino.

(**) Impossível não mencionar a crônica de hoje do Luís Fernando Veríssimo, no concorrente O GLOBO, sobre o strip-tease braçal da Rita Hayworth no filme Gilda. Segue a crônica:

As Luvas Pretas da Gilda

por Luis Fernando Veríssimo

O Heleno de Freitas era chamado de "Gilda" — pelos adversários, claro — porque era bonito e temperamental como uma diva. E a diva em evidência na época era a Rita Hayworth no papel de Gilda, num filme que causava escândalo porque tinha uma cena de strip-tease.

"Nunca houve uma mulher como Gilda" era a frase promocional do filme e até hoje tem gente que diz que nunca houve uma mulher como a Rita Hayworth fazendo Gilda, e que sua primeira aparição no filme é um dos momentos luminosos da história do cinema.

Sobre o strip-tease que escandalizava. Não me recordo se o Millôr incluiu no seu livro de expressões em português vertidas hilariantemente para o inglês ("The cow went to the swamp") o nome para vestidos que só o busto da mulher e a providência divina mantêm no lugar: "tomara que caia". Em inglês seria hope it falls?

De qualquer maneira, é um tomara que caia preto e longas luvas negras que a Gilda veste quando se levanta da mesa da boate, onde esteve bebendo demais, e começa a cantar "Put the blame on Mame" e a dançar. E começa, lentamente, a tirar uma das luvas pretas, que depois gira no ar e atira para a plateia de mulheres indignadas e homens babosos.

E começa a tirar a segunda luva preta, expondo, pouco a pouco, o outro braço nu. Neste ponto o marido — ou Glenn Ford, o amante, não me lembro mais — intervém e a tira do palco, mas não a tempo de evitar que o filme fosse proibido até 18 anos no Brasil.

O strip-tease era só isto, duas luvas sendo despidas, com a pressuposição de que a etapa seguinte seria o zíper sendo aberto para que o tomara que caia caísse. O cinema americano levou alguns anos até abrir o zíper e desnudar os seios de uma atriz, completando o que Gilda começara em 1946.

Mas mesmo incompleto o strip-tease da Gilda causou sensação. De certa maneira, o strip-tease implícito era mais excitante do que um impensável — na época — strip-tease de verdade.

O filme foi proibido para menores de 18 anos não pelo que mostrava, mas pelo que sugeria. Compare-se o apenas sugerido em "Gilda" com o que é visto no cinema hoje em dia e se terá uma ilustração perfeita do que o tempo faz com a moral e os costumes. Em algum lugar devem estar expostas as luvas pretas da Gilda como relíquias daquela nossa pré-história.

Pré-história pessoal: nós passávamos uma temporada em Caxambu, onde o único cinema da cidade estava exibindo "Gilda". Não havia fiscalização, entrava todo mundo, até os muito menores de 18 como eu. Meu primeiro filme proibido. Não vou dizer que as luvas pretas da Gilda rondaram os meus sonhos, depois de ver o filme. Mas que perturbaram, perturbaram.

(***) quem diria, o cetro do Vasco já foi do Botafogo. Nada como O BISCOITO MOLHADO para atualizar a sua manhã, caro assinante.

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