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quarta-feira, 18 de abril de 2012

2131 - de volta

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3931 Data: 16 de abril de 2012

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77ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Alexandre Dumas Pai... - exclamei, surpreendido.

-Auguste Maquet. - trovejou.

E prosseguiu:

-Pode trocar o sexo, mas não troque os nomes.

Ah, sim... Você é o escritor francês Auguste Maquet.

-Minhas obras o acompanharam desde a adolescência, mas o meu nome, não.

-Realmente, desde garoto, eu lia os romances de Alexandre Dumas Pai. Enquanto as pessoas da minha idade, na maioria, liam os livros de Monteiro Lobato, eu dedicava a minha leitura a “Os Três Mosqueteiros”, “Vinte Anos Depois”, “Os “Quarenta e Cinco”, “A Tulipa Negra”, “O Visconde de Bragelonne”, “O Conde de Monte Cristo”, “A Boca do Inferno”...

-Algumas dessas obras que você citou foram escritas por mim.

Continuei, desconsiderando o aparte feito pela minha visita do além.

-Meu pai, que devia o seu nome Amaury ao título de um romance de Alexandre Dumas, era um admirador fanático dele. Trazia-me as obras do escritor e me enaltecia sempre “Memórias de um Médico”, que sumiram da estante do seu sogro.

-Eu também participei da elaboração das “Memórias de um Médico.” - enfatizou Auguste Maquet.

-Li, Auguste Maquet, na mesma época, quase a obra completa de capa e espada de Michel Zevaco, mas percebia ao lê-la, uma anemia literária, que não encontrava em Alexandre Dumas Pai.

-O seu pai nunca lhe disse que Alexandre Dumas contou comigo para realizar a sua imensa bibliografia?

-Não; como eu lhe disse: ele era o seu ídolo da literatura.

-E você nunca soube?...

-Soube quando li “Quando Eu Era Vivo” de Medeiros e Albuquerque. Escreveu o memoralista que era um devorador das obras de Alexandre Dumas, até que se decepcionou ao ficar a par que, muitas delas, ele entrara apenas com a assinatura, que outros a redigiram.

-E você?

-Eu fruía os textos, propriamente ditos, importando-me mais com eles do que com o autor. Mais tarde, quando me chegaram às mãos Shakespeare, Thomas Mann, James Joyce, Proust, Victor Hugo, Machado de Assis, mudei de ideia, passei a atentar para os criadores.

-Conheci Dumas Pai, quando eu tinha 25 anos, em 1838. O poeta Gérard de Nerval nos apresentou.

-Você era muito novo, poderia ser discípulo do Alexandre Dumas que, em 1838, estava com 36 anos.

-Eu, com 18 anos de idade, já era professor-substituto. Estudei no Liceu Charlemagne, em Paris e tive como companheiros de classe Gérard de Nerval e Théophile Gautier. A minha vocação literária me obrigou a abandonar o magistério na Universidade de Paris.

-Você já escrevia?

-Publiquei umas poesias que foram bem aceitas. Usando o pseudônimo irlandês “Augustus Mac-Keat”, redigi para jornais e revistas poemas e ensaios. Conheci, então, Alexandre Dumas Pai e passei a colaborar com ele.

-Que já era um autor consagrado. - acrescentei.

-Mas as grandes obras estavam ainda por vir. - devolveu.

-Os romances, naquele período do século XIX, eram folhetins, o autor enviava diariamente um capítulo para os jornais e os leitores aguardavam avidamente o jornal do dia seguinte para acompanhar a trama.

-Assim, eu e o Dumas escrevemos muito para o “Siècle”, um jornal com uma tiragem astronômica.

-Você esboçava o folhetim, Alexandre Dumas escoimava palavras e, se fosse o caso, frases, deixando o texto enxuto e o enviava para publicação no jornal? Faço esta pergunta porque muitos escritores, já endinheirados porque são autores de best-sellers, formam equipeS de colaboradores que trabalham num livro, enquanto ele entra para dar o acabamento final.

-Vou citar de cor o que Eugène de Mirecourt, um pesquisador literário do tempo em que eu era vivo, falou.

E reproduziu de cor como prometera:

-O autor de “Os Três Mosqueteiros”, querendo provar com evidências que seu impressor não acrescentava nem uma sílaba e não retirava nem uma letra do trabalho primitivo, compôs, imediatamente, sob os olhos de uma meia dúzia de íntimos, uma frase estranha, uma frase bárbara, uma frase de cinco linhas na qual estava repetida a palavra QUE dezesseis vezes, este eterno desespero do escritor, este calhau que uma língua ingrata faz rolar constantemente sob nossa pena...

-Mesmo Camões, exagerou, às vezes, no QUE. - interrompi.

Auguste Maquet desprezou a minha intervenção e prosseguiu:

-”Os íntimos se agitaram: - Dumas excluirá uns dois ou três! - Eu aposto que sete. - Ainda sobrarão nove, é um número bastante razoável de QUE! Monsieur Dumas – enfatizou Eugène de Mirecourt - não excluiu nada. No dia seguinte, pôde-se ver todo esse formigueiro de QUE circulando dentro do folhetim do “Siécle”.

Retomei a palavra:

-Durante um longo tempo, o público europeu era ávido pelas óperas de Rossini e os editores ficavam loucos para embolsar mais dinheiro; o que fez, então, o compositor para conseguir uma produção industrial de óperas? Contratou um músico e outro para tratarem das partes dos recitativos, aquelas que não requerem inspiração, apenas suor, enquanto a ele cabiam as partes mais engenhosas da ópera. - argumentei.

Auguste Maquet retomou a palavra:

-Houve um cidadão chamado Frenand Chaffiol-Debillemont, que afirmou que Dumas tinha concebido sozinho o plano, desenhado os personagens; resumindo, havia arquitetado o edifício em que eu era apenas o pedreiro. E a página uma vez composta, recebia dele, Dumas, retoques definitivos que vivificavam a minha prosa lânguida com verve, brilho e espírito.

-E isso é verdade?

-Editei livros com o meu nome, apenas, que podem ser lidos e, assim, responder a sua pergunta.

-E como colaborador de Dumas, você não ganhou nada?

-A esposa abandonada por ele entrou na justiça e ganhou a questão, viu-se ele obrigado a vender o Castelo de Monte Cristo para ressarci-la. Eu também lutei pelos meus direitos e entrei com uma causa indenizatória contra Dumas, em 1858, e fui considerado credor da soma de 145.200 francos pagáveis em onze anos. Mas, na verdade, saí derrotado, pois perdi o fruto do meu inestimável trabalho quando renunciei o direito de colocar o meu nome ao lado do dele nos livros que redigimos conjuntamente.

Lançaram, recentemente, na França, e já chegou ao Brasil, o filme “L' Autre Dumas” (O outro Dumas).

-O outro Dumas é, certamente, eu?

-Sim, Auguste Maquet. A fita gerou polêmica na França.

-Por que? Ainda duvidam da minha participação na feitura dos romances?- indignou-se.

Não é isso. Alexandre Dumas era filho de um general francês e de uma caribenha, o seu avô foi um ex-escravo do Haiti. Assim, Alexandre Dumas era mestiço.

-Sim, ele era bem moreno. Mas qual foi a celeuma? - impacientou-se.

-Escureceram a pele do ator Gerard Depardieu para viver Dumas, e os atores negros protestaram com o argumento que o papel não deveria ser dado a um branco de olhos claros.

E eu?- perguntou Auguste Maquet.

-Você está mal na fita; colocaram-no como um escritor que usa o nome Alexandre Dumas para conquistar uma linda jovem de 22 anos.

-Só voltando para o além. - indignou-se, enquanto volatizava-se à minha frente.

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