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terça-feira, 3 de abril de 2012

2122 - vulcões, terremotos e ervinhas

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3922 Data: 02 de abril de 2012

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76ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

Minha conversa com Maria Graham sobre o seu interesse científico prosseguiu.

-Ficou registrado na “Brasiliana da Biblioteca Nacional”, o seu desapontamento com os comerciantes ingleses, na Bahia, porque o horizonte deles não ultrapassava os negócios com açúcar e algodão.

-Uma lástima! Nenhum sabia o nome das plantas que cercam a própria porta; nenhum conhecia a terra dez léguas além de Salvador; nenhum sequer sabia me informar onde ficava a bela argila vermelha da qual se faz a única indústria aqui existente: a cerâmica. Fiquei, enfim, inteiramente desesperada com esses fazedores de dinheiro destituídos de curiosidade.

-Dessa bela argila vermelha fez-se, no meio do povo, obras com valor artístico.

-Sim, mas meus conterrâneos do comércio estavam alheios a tudo que não fosse dinheiro. - reclamou.

-A música de Haydn e de Mozart eles desconheciam, então, completamente. - deduzi.

-Eram surdos a ela, aliás, uma agradável surpresa que encontrei na corte brasileira foi o cultivo da música. O próprio imperador arriscou algumas composições. O padre José Maurício, um negro admirável, compôs belas obras sob a influência de Haydn. Suas obras seriam aplaudidas na Europa, caso a tocassem por lá.

-Viveu por aqui, durante um tempo, o compositor e pianista de Salzburgo, Sigismund von Neukomm.

-Eu o conheci e desfrutei do seu talento, na corte.

-Falamos de Goethe, que era poeta, mas definiu a flor como folha modificada, o que é cientificamente aceito. Você via as plantas também cientificamente?

-Creio que sim. Escrevi um trecho de que me lembro ainda.

E passou a reproduzi-lo de memória:

-“Todas as vezes que passo por um bosque, no Brasil, vejo plantas e flores novas e uma riqueza de vegetação que parece inexaurível. Hoje, vi flores de maracujá de cores que dantes nunca observara: verdes, róseas, escarlates, azuis, ananases selvagens de belo carmesim e púrpura; chá selvagem, ainda mais belo do que o elegante arbusto chinês, palmeiras de brejo e inúmeras plantas aquáticas novas para mim. Em cada lagoazinha, patos selvagens, frangos d’água e variedades de marrecos, nadam por ali com orgulho gracioso”.

-Muitos viajantes não viram o Brasil com os seus olhos, Maria Graham.

-Eu adorava a riqueza natural do Brasil.

-Então, morre, em 1826, o rei D. João VI de Portugal, o que provoca um abalo sísmico na sua vida, imagino.

-Com a morte do rei D. João VI, o imperador D. Pedro I herdou o trono, mas ele abdicou em favor da filha de seis anos de idade, Dona Maria da Glória. Assim, perdi meu emprego e voltei para a Inglaterra, Londres, precisamente.

-Adeus à natureza luxuriante. Mas você estaria agora entre pessoas que cultivavam o conhecimento.

-Sim, pois passei a residir em Kensington Gravel Pits, ao sul de Notting Hill, numa confraria de artistas: pintores, músicos, escultores. Aceitaram-me porque eu era escritora e ilustradora um pouco conhecida.

-Foi lá que você conheceu o seu segundo marido?

-Conheci o pintor da Academia Real Inglesa Augustus Wall Callcott, apaixonâmo-nos e, aos 48 anos de idade, tornei-me Maria Callcott.

-Para nós, você continua Maria Graham.

-Partimos em lua-de-mel pela Itália, Alemanha, Áustria e Bohemia. Depois de um ano, fizemos de novo as malas.

-Maria Graham, não acredito que uma pessoa tão dinâmica como você tenha ficado tanto tempo sem trabalhar.

-Não fiquei, quando aportei do Brasil, meu editor me pediu para escrever um livro sobre a viagem do HMS Blonde às ilhas Sandwich.

-Ilhas Sandwich?!... Ah, sim, o antigo nome do Havaí.

Depois de eu interrompê-la, ela prosseguiu.

-O rei Kamehameha II e a rainha Kamamalu das ilhas Sandwich visitaram Londres, em 1824 e contraíram sarampo. Os dois morreram. O Governo Britânico designou o HMS Blonde para trasladar os corpos para as ilhas em que reinaram e um primo do poeta Byron foi o comandante do navio.

-Deram-lhe a função de escrever sobre essa viagem?

-Meu texto tinha de tratar da história do exótico casal e da sua infausta visita a Londres, além de descrever as ilhas Sandwich e a viagem do HMS Blonde.

-Um trabalho que não era fácil. - reconheci.

-Recorri a documentos oficiais e a jornais guardados pelo naturalista Andrew Bloxam.

-E vieram outros livros?

-Em 1828, quando retornei da lua-de-mel, escrevi “Uma Curta História da Espanha”. Em 1831, viajando pela Itália, sofri um aneurisma e fiquei inválida.

-Inválida! - exclamei, penalizado.

-Eu não podia mais participa de viagens longas, mas podia ainda escrever.

-E escreveu. - mostrei-me animado.

-Durante a minha convalescença, lancei dois livros: “Descrição da Capela do dell' Arena de Annuziata; ou a Capela de Giotto, em Pádua” e a “História do Pequeno Arthur da Inglaterra”. Este, um livro para crianças.

-Seu livro para crianças alcançou grande repercussão?

-Sim, houve várias reedições. Eu já havia morrido, e “História do Pequeno Arthur da Inglaterra” continuou a receber traduções e a ser reeditado. Escrevi, em 1836, a versão francesa do “Pequeno Arthur” foi a “Histoire de France du Petit Louis”.

-E as incursões pelo mundo da ciência, Maria Graham?

-Lá pelo ano 1835, a minha descrição do terremoto do Chile, em 1822, provocou acirrados debates na Sociedade de Geologia de Londres.

-Como foi isso?

-O geólogo Charles Lyell, para provar sua teoria que as montanhas se formam pela ação dos vulcões e terremotos, recorreu às minhas observações sobre uma grande porção de terra que emergiu do mar. O presidente da Sociedade de Geologia, discordando de Charles Lyell, ridicularizou publicamente as minhas observações.

-E você?

-Meu marido e meu irmão se ofereceram para bater-se em duelo com ele, representando-me, mas eu disse aos dois que era capaz de lutar as minhas batalhas. Defendi-me, em público, e recebi o apoio de Charles Darwin que, viajando no Beagle, observou os surgimentos das mesmas porções de terra durante o terremoto do Chile, em 1835.

-Charles Darwin!... - mostrei-me encantado.

-Transcorreu o tempo, meu marido se tornou Cavaleiro, eu, Lady. Minha saúde, porém, me deixava. Morri, em 1842, aos 57 anos de idade, tive ainda tempo para terminar o meu livro “A Scripture Herbal”, uma coleção ilustrada sobre árvores e plantas, mencionadas na Bíblia.

Em seguida, desfez-se no ar levando um olhar de admiração.

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