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sexta-feira, 20 de abril de 2012

2133 - carta rosa, manga rosa


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3933                                            Data: 18 de abril de 2014
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CARTAS DA LEITORA

“Dadivoso mancebo,
 Agradeço penhorada, sensibilizada e desvanecida o atualíssimo Eça, depois de saboreá-lo, repassei-o a um amigo lusófilo, vidrado em Guerra Junqueiro e que, para me dar parabéns no 4 de março, me sapecou um texto de Castilho, cheio de flores menos murchas que a aniversariante. Aguardarei o Herculano (passou um gato na mesa, nesta em que o papá escrevia e eu me atrevo a algaraviar) trazendo a reboque Hermengarda e Eurico. (1)
Não sei em que ano Joe Louis esteve na pátria amada, teve uma “ficança” com a Hebe, ela ainda não era abastada proprietária de esmeraldas e rubis. De onde surgiu esse boxeador? (2)
De seus Bms, estive relendo afanosamente a coletânea dos ultrajes do tempo. Tem sido prazeroso conviver com sabadoidivanos e louvo a vossa gratificante argúcia sob vários ângulos e alguns postes. Concordo que não sois o Manequinho, rivalizais com a Fonte de Trevi ou com a ainda mais formosa Fonte dos Quatro Rios na Praça Navona (3)
Sempre fui gregária, mas a longevidade acarreta acachapante solidão (reporto-me às velas do Cavafly) e dificulta congregar novas amizades. Não tem sido fácil esquentar a vida numa tebaida, sem vocação de eremita e sem rota de fuga, até a Saraiva não corresponde às expectativas e estou à míngua de livros. (4)
Tudo indica que não convidaram Carabosse para o meu batizado... Auguro uma boa Páscoa e ótimas bacalhoadas a todos vocês, gregos e troianos.(5)  Ósculos.
R. “

BM: Vamos por parágrafos.
(1) O aniversário da Flor do 86 passa, e nós, seus admiradores, não somos informados; lamentável. Culpa do Luca que faz bem o intercâmbio cultural, como os árabes de outrora, mas não o intercâmbio social. Em 2013, eu, Dieckmann, Fischberg não esqueceremos o dia 4 de março, mostraremos uma memória de causar inveja ao Maluf.
Falando em Guerra Junqueiro, encontrei num sebão, lá pelos anos 1980, um livro seu de versos sobre o famoso conquistador espanhol Don Juan. O poeta português, num longo prefácio, avisa que retirou todo o encanto do famoso personagem das letras e da música, jogando-o doente na miséria, sifilítico, se a memória não me trai. Chamou a sua obra de “A Morte de Dom João”. Apesar da sua má vontade com o herói de Tirso de Molina, Molière e Mozart, não me esqueço dos versos alexandrinos que iniciam o poema:
“Eu era mudo e só na rocha de granito.
Por sobre a minha fronte a sombra do infinito.
Em volta a solidão, escuridão sem fim,
Negra como o terror, triste como Caim.”
O livro foi editado em Portugal lá pela década de 30, se eu tinha de segurá-lo com cuidado, porque pencas de páginas ameaçavam despencar. Um dia, um amigo da Chaves Pinheiro, chamado Vicente,  soube da existência desse poema na minha estante e me pediu emprestado. Entreguei-lhe o livro de cerca de 200 páginas na noite de sexta-feira e o recebi na manhã do dia seguinte.
-Maravilhoso!... Se ele fosse um presente para mim...”
Fiz-me de surdo. Considerei suspeita aquela rapidez de leitura; não era poema para se engolir.
  (2) Pressinto que a Rosa Grieco incorreu num equívoco (fato raríssimo): Joe Louis nunca esteve no Brasil. Talvez a nossa erudita amiga esteja confundindo o campeão mundial dos pesos-pesados com o campeão dos meio-pesados: Archie Moore. É bem capaz de a Hebe Camargo ter sentido um peso um pouco mais leve... Falando nisso, lutando no Brasil, Archie Moore não demoliu o brasileiro Luisão, exibindo só um pouco o poder dos seus temíveis socos. Talvez, porque passou, antes da luta, pelo “sofá da Hebe”, quem sabe?...
(3) Talvez, as minhas constantes idas ao banheiro, no meio das sessões do Sabadoido, levaram a remetente a aludir ao Manequinho. Considerando que a água da estátua botafoguense não sai num jato, como se o menino sofresse de hiperplasia benigna da próstata, a comparação até seria cabível; Rosa Grieco, no entanto, passeia por Roma, passa pela fonte onde Marcelo Mastroianni e Anita Ekberg se banharam jovens e velhos, sob a direção de Fellini, e se detém na Piazza  Navona para me deixar encharcado de elogios.
Ela economizou o sei italiano e aportuguesou tudo, influenciada, quem sabe, pelos clássicos do primeiro parágrafo. Nós chamaremos a Fonte dos Quatro Rios e Praça Navona de Fontana de Quattro Fiumi e Piazza Navona.
A Piazza Navona teve sua origem no império de Tito Flávio Domiciano, de 81 a 96, que ordenou a construção de um estádio para corridas e jogos de competição, tudo bem sanguinolento. Por volta de 1500, transformou-se na celebrada Piazza Navona, mas preservando a forma de estádio.
Em 1645, a Piazza alcançou a culminância do seu desenvolvimento quando o Papa Inocêncio X, convocou o grande artista barroco Gian Lorenzo Bernini para remodelá-la. Bernini restaurou as fontes instaladas por ordem de Gregório III e construiu no centro da praça a deslumbrante Fontana de Quattro Fiumi.
Gian Lorenzo Bernini projetou quatro estátuas que representam os rios dos quatro continentes: o Nilo, o Danúbio, o rio da Prata e o Ganges. Como coube a um artista inimigo de Bernini, Francesco Borromini, construir a igreja de Santa Agnese in Agone nas proximidades, mas Bernini se vingou: a estátua que retrata o rio Nilo está com a cabeça coberta por um véu para não olhar a igreja de Borromini, e a que representa o rio da Prata tem a mão erguida para se proteger de um possível desabamento da igreja de Santa Agnese in Agone. Rixa de artistas geniais e geniosos.

(4 ) Lamentando a “acachapante solidão”, Rosa diz que se reporta às velas do poeta grego Constantine P. Cavafy.  Vamos, então, reproduzir o poema para ter uma ideia do isolamento que aflige a nossa amiga:

“Os dias do nosso futuro estão a nossa frente
como uma fileira de pequenas velas acesas-
pequenas velas douradas, quentes e vívidas.

Os dias passados permanecem atrás de nós,
uma fileira desolada de velas queimadas;
as mais próximas ainda estão fumegando,
velas frias, derretidas e curvadas.

Eu não quero olhar para elas; suas formas me entristecem,
e me entristece relembrar suas primeiras luzes.
Eu olho para frente, para as minhas velas acesas.

Eu não quero me virar para trás, temendo ver e estremecer-
a rapidez com que a linha sombria se alonga
a rapidez com que as velas queimadas se multiplicam.”

(5) Não convidaram Carabosse para o batizado da Rosa. Tenho minhas dúvidas se captei o sentido das suas palavras, embora tenha saído em busca da figura citada.
Carabosse é um personagem anterior às histórias para crianças de Charles Perrault. A sua aparição remonta ao século XIII, na canção “Les Prouesses et faitz du noble Huon de Bordeaux”.  Obéron, o rei dos Elfos, explica a Huon que deve seu aspecto a uma feiticeira colérica que o enfetiçou no dia do seu batizado.
No desenho de animação de longa-metragem de 1959, dos estúdios Disney, “A Bela Adormecida no Bosque”, Carabosse recebeu o nome de Malévola.





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