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terça-feira, 31 de janeiro de 2012

2090 - bacalhau de verão

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3890 Data: 26 de janeiro 2012

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NO OÁSIS DO ADEGÃO

Apesar de o Elio Fischberg soltar a voz quando canta clássicos da MPB, agiu como o João Gilberto no almoço aprazado em meados de 2011, no Alentejano. Escarmentado, enviei na manhã daquela quarta-feira para ele uma mensagem eletrônica e ainda deixei o meu número do celular: “Qualquer imprevisto quanto ao almoço de hoje, no Adegão, avise”.

Quem me telefonou logo foi o Luca; viria me buscar de carro às 12h 30min. Eu teria tempo de terminar um número do Biscoito Molhado e de assistir a final de juvenis entre Fluminense e Corinthians, caso a partida não fosse insossa.

Elio Fischberg, por sua vez, ligou por volta das 11 horas; teria de pagar uma conta que vencia naquele dia e se atrasaria uns 15 minutos. Luca ligou em seguida e informou que trajaria bermudas, pois o calor estava insuportável.

-Como esse traje é permitido, também irei, tal e qual. - disse.

-O Elio, que não está de férias e nem é aposentado, como eu, penará com o calor.

Luca adiantou-se 10 minutos e, às 12h 20min, já buzinava onde a Rosa Grieco afirma que eu moro: “2º Poste da rua Modigliani”.

-Já que você disse que o Elio vai se atrasar, vamos devagar. - falou, enquanto dirigia pela Avenida Suburbana.

-Rapaz, o asfalto chega a fumegar.

-Nem fala, Carlinhos. - acalorou-se o Luca ainda mais, apesar do ar condicionado do carro.

No viaduto de Del Castilho, por onde eu não passava há algum tempo, divisei dois espigões do lado esquerdo; duas construções horrorosas que não me animaram a tecer quaisquer comentários.

-Como temos tempo, vou passar no Zé Espanhol.- informou.

-Não vejo o Zé Espanhol desde a feste dos seus 60 anos, Luca. Antes disso, não o via há uns 20 anos.

-Almoçamos outro dia, eu e a Glória, com ele, no Adegão.

-Nos seus 60 anos, ele trouxe retratos do nosso tempo de garoto na rua Chaves Pinheiro.

-O pai do Zé Espanhol, Seu Pepe, morreu agora, na Espanha, com 104 anos de idade.

-Viveu bastante.- comentei.

-Carlinhos, aquele, parado na porta do Adegão, não é o Elio?

-Pela cabeleira grisalha, parece.

-Não me leve a mal, mas vou fazer uma pequena bandalha.

-Não é o Elio.- concluiu.

-Nunca o vi de crachá.- acrescentei.

Luca aproveitou a manobra com o carro e apontou uma padaria, avisando-me que pertencia ao Zé Espanhol. Parou, no entanto, diante de outra panificadora e buzinou. Um funcionário veio lá de dentro.

-Aqui é o médico do Zé Espanhol, poderia chamá-lo? - disse o Luca.

O rapaz foi e voltou:

-Ele saiu, mas volta daqui a pouco.

-Ele está bebendo? - indagou o Luca.

-Não.

Nesse instante, meu celular tocou.

-Luca, o Elio já nos aguarda dentro do Adegão.

-Olha que carro! - entusiasmou-se o Luca diante do restaurante.

Parei para contemplar um Mini Cooper, enquanto o Luca entregava a chave do seu FIAT ao manobrista.

-Vim com o doutor Carlinhos e procuro o doutor Elio.

Enquanto dizia as palavras acima a um dos garçons, vi o nosso amigo, numa mesa próxima, lendo o menu com a atenção que a Rosa Grieco dedica aos livros de Stendhal.

-Cá está ele.- notou-o o Luca.

Depois dos abraços efusivos, sentamo-nos os três, quando o Elio indicou discretamente a Rosa Magalhães. Ela, que passara pela nossa mesa, retornou.

-Oi, Rosa.- saudou-a o Luca.

Ela, simpaticamente, sorriu, em troca e procurou com o seu corpo baixo e adiposo, se encaixar numa mesa ao lado. Sentou-se, sem antes abalar a cadeira onde eu me acomodara. Em voz baixa, Elio Fischberg se reportou à fama do pai dela como homem de letras.

-Ele, Raimundo Magalhães Júnior, traduziu a peça do Tennessee Williams com o nome “Gata em Teto de Zinco Quente”. O gato no teto desafiava a Lei da Gravidade – sussurrei.

-Carlinhos é terrível.- observou o Luca com a aquiescência do Elio.

-Terrível é o Millor Fernandes, que desenhou a gata andando no teto...- devolvi.

-Falando em brigas de gente famosa, não posso esquecer a do Millor com o Chico Buarque. - assinalou o Luca.

-Há uma polêmica entre o Luca e a Rosa Grieco.- comuniquei o Elio, enquanto o Luca avisava o garçom que tomaria um vinho tinto.

-E o senhor? - indagou o garçom.

-Eu também quero um vinho, mas branco.

Dieckmann, se cá estivesse, aplaudiria o seu colega de Colégio Militar, que pede vinho branco para acompanhar peixe.- pensei, sem me manifestar.

-Eu quero chope, mas, por enquanto deixe a água mineral aqui.- instruí o garçom.

Eu pensava na manifestação do sol, ao beber, embora o ar refrigerado do Adegão nos fizesse esquecer do calor senegalesco lá de fora.

Quando a minha bebida chegou, Luca a olhou meio arrependido com a sua pedida:

-Esse chope na pressão... Está uma beleza.

-Olha o Dedé.- indicou o Elio, calmamente, outra celebridade.

-O Dedé do Vasco?

-Ele mesmo, Luca.- respondeu o Elio.

-Grande jogador, o nosso Beckenbauer, embora falte muito... Sobe ao ataque com muito perigo para as defesas adversárias.- falei voltado para o Elio.

-Não gosto de jogador de futebol. - desdenhou o Luca, enquanto o craque do Vasco, na companhia de dois amigos, adentrou uma parte do restaurante que escapava da nossa visão.

-Ele se vestia com simplicidade, talvez viesse de um treino em São Januário. - aparteei o Luca, que retomou a palavra.

-Considero o futebol uma arte menor, amigo Elio. Os jogadores ganham fortunas e muitos deles não jogam nada. Os irmãos do Carlinhos, Lopo e Claudio, para lhe dar dois exemplos, jogaram mais bola do que a grande maioria dessa gente que pede rios de dinheiro para entrar em campo.

-Eram bons mesmo? - expressou o Elio surpresa e ceticismo.

-Eram.- enfatizou o Luca.

Como se voltou para mim, dei o meu parecer.

-O meu irmão mais novo, o Lopo, driblava tanto pra direita quanto pra esquerda. Ao marcá-lo, eu ficava doido.

-E o Carlos?

-Carlinhos era um beque vigoroso, difícil de ser ultrapassado...

-Nada, Luca.

Não tive tempo de dizer que eu me enquadrava na frase do Nélson Rodrigues - “Todo perna de pau é um abnegado “ - porque o Luca se reportara aos seus duzentos irmãos no colégio interno.

-Elio, o Luca jogou bola com o Itamar, aquele beque do Flamengo, que jogou os dois pés no peito do Ladeira, na decisão com o Bangu, em 1966.

-Você estudou com aquele Itamar?

A surpresa do Elio correspondeu a outra do Luca:

-Você soube daquele jogo?

-Claro; eu acompanho futebol desde pequeno.

-O Elio não é o Dieckmann, que cortou (*) o nome do Lorico do Vasco, quando o citei no Biscoito Molhado, dia desses. Ele pensa que conhece os jogadores do passado, mas quem conhece é o Elio. O negócio do Dieckmann são os carros de antigamente.- manifestei-me com alguma veemência.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO procurou o indigitado Dieckmann e questionou-o sobre sua faceta tesoura de nomes. Calmamente, o holandês colecionador rebateu esclarecendo que fizera apenas um álbum de figurinhas de jogadores de futebol, tinha ido ao Maracanã umas 10 vezes e que, para ele, tanto fazia o cidadão ser alcunhado de Lorico, Olorico, ou Dorico, ou Odorico. Não procede, portanto, tal afirmação, que deve ser debitada, sim, aos escassos asteriscos notados pelo redator nas últimas edições. Factóide, sim, senhor.


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