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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3887 Data: 23 de janeiro de 2012
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UM SABADOIDO COM TEMAS VARIADOS
Eu ainda não tinha atravessado a Rua Cachambi, quando uma maltrapilha, de idade indefinida (variava de
-Não tenho trocado. - aprendi a dar essa resposta desde garoto, quando via minha mãe se desvencilhando dos mendigos.
Acelerei as passadas, enquanto imaginava, pela cara de vício que vislumbrei, se ela gastaria o dinheiro com álcool ou com crack.
Quando parei no portão para chamar pelo Cláudio, surpreendi-me com ela ao meu lado de mão espalmada.
Gritei pelo meu irmão, enquanto ela insistia.
-Não adianta. - disse-lhe.
Chamo pelo meu irmão uma vez apenas, sei o quanto ele se irrita com os chamados de curtas pausas do Vagner, mas, dessa vez, pressionado, gritei o seu nome pela segunda vez.
-Espero que ele não repita aquele craqueiro grudento que desceu três rampas da estação do metrô de Maria da Graça me pedindo 50 centavos. - pensei, sem nada falar.
Para o meu alívio, o sinal da Suburbana com a Rua Chaves Pinheiro fechou e ela se dirigiu ao motorista de um táxi. Meu sobrinho apareceu para abrir o portão, enquanto o taxista afastou o carro para evitá-la.
-E, então, Daniel, viu o vídeo parodiando a situação atual do Flamengo?
-Carlão, o desespero do Hitler com a saída do Tiago Neves é hilário. - riu.
-Eu me referia, ontem à noite, pelo telefone, a outro vídeo do youtube, que o Elio Fischberg me enviou. - surpreendi-me.
-Eu assisti àquele do filme da queda do nazismo.
-Mas não fizeram tantas paródias com essa cena, Daniel, que foi proibido...
-Carlão, a internet é um território livre.
Estávamos, agora, na cozinha, onde, o Cláudio lia o Globo.
-Daqui a pouco, eu lhe mostro o vídeo que recebi e você mostra o do Hitler.
Daniel rumou para o quarto, de onde vinha a voz da Gina ao telefone.
-Tudo bem?- perguntou o Cláudio.
-Ontem, na Rádio MEC, o Sérvio Túlio colocou o “Two by Two” do Richard Rodgers, mas não suportei ouvir quinze minutos; desliguei o rádio. Há, no entanto, um programa do Tim Rescala, com crianças, sobre música, muito interessante.
-Tim Rescala é muito bom. - enfatizou meu irmão.
-Ele perguntou o que é melodia e um garoto respondeu que é uma sequência de sons agradáveis ao ouvido. Tim Rescala disse que, grosso modo, a melodia é uma sequência de sons e silêncio que têm relação de concordância entre si. Depois, perguntou o que é harmonia.
-Deram a mesma resposta de melodia. - disse.
-A grande maioria dos ouvintes não sabem diferenciar uma da outra, mas uma das crianças respondeu que harmonia é o acompanhamento. Tim Rescala declarou que a harmonia não é só o acompanhamento. Para demonstrar o que dizia, colocou para tocar “O cisne” de Saint-Saens, primeiramente com a orquestra e, depois, apenas o solo do violoncelo.
-Ele diferenciou, assim, a melodia da harmonia?
-Tim Rescala mostrou que, mesmo no solo do violoncelo, há harpejos, acordes que constituem a harmonia.
-Se a música satisfizer os meus ouvidos, eu estou satisfeito. - atalhou o meu irmão.
-A coisa complicou quando o Tim Rescala colocou o prelúdio da ópera “Tristão e Isolda”, quando Vagner mexeu com os alicerces da música, fixados por Bach. A criançada que havia dito que a harmonia volta, não sabia agora o que dizer. O centro tonal some na música Tristão e Isolda – diz o Tim Rescala; e um garoto retruca, em tom de piada: “E os dois morrem de tanto procurar o centro tonal.”
-E ainda tem contraponto, polifonia, ritmo... A música clássica é bem complicada.
-Não seria tanto assim, Cláudio, se as escolas continuassem com o ensino de Canto Orfeônico, que o Villa Lobos conseguiu no ministério do Gustavo Capanema e a Lei de Diretrizes e Bases acabou em 1962. Eu só estudei Canto Orfeônico no 1º ano ginasial. Felizmente, a Rádio MEC atendeu ao pedido do maior educador deste país, o Roquete Pinto e não enveredou para a política.
-O Roquete Pinto, além de trazer o rádio para o Brasil, doou a estação para o governo federal. - frisou meu irmão.
-Ele doou duas estações de rádio, a outra foi bagunçada pelo Lacerda e pelo Brizola, porém, poucos anos atrás, o Arthur da Távola, secretário das Culturas, deu uma melhoradinha na Rádio Roquete Pinto. - acrescentei.
-Carlão, venha ver o Hitler. - chamou-me o Daniel de dentro da casa.
-Daniel, não há nada melhor para eu ver: o Freddy Krueger, o Charles Manson, o Coronel PM Djalma Beltrame apitando a final de 2007 entre o Botafogo e Flamengo?...
Enquanto eu falava, adentrava o seu quarto, onde ele e a Gina se achavam diante do computador.
-Senta, Carlinhos. - ofereceu-me ela um pedaço da cama do filho, enquanto ele, com dedos muito mais ágeis do que sobre o teclado musical, acionou o vídeo da paródia do youtube.
Vi e sorri, considerando, em silêncio, que o “meu filmezinho” agradaria mais.
-Muito bom. Agora, Daniel, coloque no Yahoo.
Ele me obedeceu e quando entrou direto na relação dos meus e-mails, observou:
-O meu computador já guardou a sua senha.
-Nem precisava, pois você memoriza todas as minhas senhas. - retruquei.
Quando surgiu o vídeo galhofando à atual situação financeira do Flamengo, meu sobrinho se mostrou desapontado.
-Esse?!... - reagiu.
Gina esclareceu:
-É um programa europeu com vítimas de barbeiragens médicas. Pessoas que foram operar a garganta e ficaram com um fio de voz, quase inaudível.
-Você nunca tinha visto?
-Não, Daniel, fiquei tão envolvido com as piadas que não notei que usaram a desgraça alheia.
Depois da interrupção, Gina prosseguiu:
-O apresentador do programa dá de rir quando as vítimas falam, tenta se controlar e não consegue.
-O diabo, Gina, é que o riso é contagioso.
-Ah, sim, a gente não quer, mas acaba rindo também. Repara que há pessoas quase perdendo as estribeiras com esse apresentador.
-Eu me lembro que a Lilian Witte Fibe perdeu o emprego da Globo por causa de um acesso de riso incontrolável com a notícia de um casal de velhinhos e uma carga de Viagra e Ecstasy. Para mim, ela era melhor do que Fátima Bernardes, Patrícia Poeta...
-Carlão, eu tenho entrevista dela no Jô Soares sobre isso. - animou-se o Daniel.
Em poucos segundos, estávamos todos espiando a Lilian Witte Fibe. Em seguida, coloquei, no monitor de vídeo, as fotos que fiz da janela da minha casa da procissão de São Sebastião que, no dia anterior, ocupou a metade da Rua Modigliani.
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