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segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

2071 - caluda Kalu

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3871 Data: 28 de dezembro de 2011

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SABADOIDO DE NATAL

PARTE III

-Cláudio, qual o ano do “Sunset Boulevard” do Billy Wilder?

-1950. - respondeu-me prontamente.

-Então, o “Monsieur Verdoux”, de 1947, é o primeiro personagem morto do cinema a contar a sua história, como o Brás Cubas do Machado de Assis. - declarei.

-O filme começa mostrando o túmulo dele. - lembrou meu irmão.

-Muitos que reclamam do sentimentalismo nos filmes do Charles Chaplin, não têm do que reclamar no “Monsieur Verdoux”; além disso, o enredo é muito bem amarrado, não sobra nada.

-Orson Welles entrou na justiça contra o Charles Chaplin e ganhou...

-Sim, Claudio, mas ele só deu a ideia do Monsieur Verdoux, não escreveu o roteiro, tanto que a película tem, nos créditos: “Baseado numa ideia de Orson Welles.”

Luca nos interrompeu com um pacote na mão.

-Carlinhos, a Rosa lhe enviou um presente de Natal.

-A Rosa não deveria se incomodar... - reagi, enquanto arrancava cuidadosamente um papel requintado que embrulhava um livro.

-"Os Hipocondríacos.”

Enquanto citava o título, varria com a vista os nomes dos que justificaram essa obra: Marcel Proust, Charles Darwin, Glenn Gould, Florence Nightingale...

-Estou em boa companhia. - frisei.

Cláudio trouxe da cozinha dois copos com uma bebida clara, que me pareceu destilada, enquando o Vagner pedia um copo d' água.

-Vocês leram, no Globo de domingo, a surpresa da Dona Mora, quando visitou a China e ouviu uma chinesinha, que só conhecia a língua mandarim?... A menina cantou “Kalu” sem errar uma palavra da canção.

-Falando em chinesa... - interrompeu-me o Luca, que não lera essa reportagem.

-A Dona Mora tinha ido a China com o Ulysses Guimarães, e ela foi de tal maneira surpreendida, quando visitou uma escola chinesa, que se emocionou com o marido. - prossegui.

-Você sabia que “Kalu” é do Humberto Teixeira, letra e música? - perguntou o Cláudio enfaticamente.

E acrescentou com indignação:

-Humberto Teixeira é um dos nossos melhores compositores, mas só falam no nome do Luís Gonzaga, esquecendo o do parceiro.

É o que acontece com os parceiros do Noel Rosa, do Chico Buarque. - pensei, mas não consegui me manifestar, pois o Luca tinha também assuntos chins para expor.

-Vi um pianista brasileiro falando do número absurdo de chinesas que tocam piano. Arnaldo...

-Arnaldo Cohen.

-Isso, Carlinhos; eu não sabia que ele era tão conceituado.

-Arnaldo Cohen possui uma carreira internacional.

Recordava-me de uma entrevista sua, quando contou que, no início da profissão, encontrou apenas duas senhoras na plateia. Elas sugeriram o cancelamento do concerto, mas ele manteve a programação e tocou para as duas.

Luca prosseguiu:

-Arnaldo Cohen calculou um milhão de pianistas na China. Todos tocando Mendelssohn e que, pelo menos, umas cem ... Como é o nome dela?... Marta...

-Marta Argerich. Ela é argentina e amicíssima do Nélson Freire.

-Nélson Freire é poderoso, Carlinhos. - enfatizou o Luca, que foi em frente.

-Arnaldo Cohen disse que deve brotar desse milhão umas cem Marta Argerich, na China.

Não sei se o meu ceticismo ficou estampado na minha cara.

-A Sarah Chang já é famosa...

-Sarah Chang é coreana, violinista...

-Parece, Carlinhos, que ela nasceu americana. - disse-me o Cláudio.

-Também a população da China... Um bilhão e trezentos milhões de habitantes.

Vagner discordou do Luca, subtraindo o número de chineses em alguns milhões.

-Você se recorda, Luca, daquele vídeo da internet em que uma chinesa toca “O Voo do Bezouro”?

-Impressionante, Carlinhos.

-Há, também, entre os chineses, muito malabarismo que se confunde com virtuosismo. As composições de Franz Liszt para piano requerem muito mais agilidade nos dedos do que as de Chopin, mas este era bem mais criativo. O piano de Debussy, então, era de poucas notas, mas as corretas.

E sem que fosse necessária a intervenção de outro orador, eu me calei, pois corria o risco de ir além dos meus conhecimentos musicais.

Luca sacou de um envelope mais uma crônica do Ruy Castro, que a Rosa Grieco datou com caneta esferográfica, 21.12.2011, e leu:

-”Nélson Rodrigues ficaria jururu, justamente agora que o complexo de vira-lata do brasileiro, denunciado por ele, parecia sepultado e a acachapante derrota do Santos para o Barcelona nos devolveu à vira-latice ululante.”

Lembrei-me, então, da advertência da Rainha Elizabeth I, no filme “Shakespeare Apaixonado”, quando ouviu o Master of Revels citá-la:

-”Não use demais o meu nome porque pode gastá-lo”.

Com a excelente biografia que Ruy Castro elaborou sobre Nélson Rodrigues, deveria ser mais cuidadoso ao citar seu nome.

-O brasileiro teve recaída, no que diz respeito ao complexo de vira-lata, há alguns anos, desde que o nosso futebol passou a imitar o europeu com muita correria e pancada. O Barcelona, sim, joga no estilo do velho futebol do Brasil. O próprio técnico Guardiola citou o futebol brasileiro que os avós e os pais dele viram como modelo do Barcelona. - intervim.

Luca fez uma e outra crítica ao técnico do Santos, Muricy Ramalho, que, encolhido de frio, mais parecia um urso prestes a hibernar, e voltou a ler. Ruy Castro citava, agora, os grandes times do passado: a seleção húngara de Puskas, o Real Madrid de Di Stéfano, o Ajax de Cruyff, o Santos de Pelé, e o Flamengo de Zico...

-O Flamengo de 1981?!... O José Roberto Wright expulsou meio time do Atlético Mineiro!... - exaltou-se meu irmão, reportando-se à decisão do melhor do nosso país.

-O coração rubro-negro do Ruy Castro falou mais alto. O Barcelona disputou dezenove títulos e ganhou dezesseis; e não estou incluindo a Copa do Mundo de 2010, quando a seleção da Espanha era o Barcelona desfalcado.

-Eram sete jogadores do Barcelona na seleção. - aparteou-me o Cláudio.

-Não podemos nem falar do Santos do Pelé, pois na formação do escrete titular campeão e bicampeão do mundo, só apareciam o Zito e o Pelé. Nem mesmo podemos citar o time do Botafogo de 1961, quando foram titulares, na Copa do Chile, Nílton Santos, Garrincha, Didi, Amarildo e Zagalo. Como disse o Gérson, o cérebro da seleção de 1970: o Botafogo e o Santos tinham Garrincha e Pelé que desequilibravam as partidas.

E concluí:

-Time mesmo, no sentido de conjunto, com a participação de todos os onze jogadores, é o Barcelona.

Nesse instante, fomos interrompidos pelo Luquinha, sobrinho-neto da Gina, que atravessou a sessão do Sabadoido com a velocidade do Usain Bolt gritando pelo Daniel.

Porém, a sessão natalina do Sababoido não se encerrou sem que o Luca cantasse “Kalu”, do Humberto Teixeira.

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