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terça-feira, 3 de janeiro de 2012

2073 - fotos e fotógrafos

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3873 Data: 30 de dezembro de 2011

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O POLÊMICO PAPARAZZO

No nosso trabalho de fiscalização de portos e terminais marítimos, temos de tirar fotografias de cais, defensas, sinalizadores, guindastes etc, para juntá-las ao nosso relatório. Não bastam apenas as nossas palavras, impõe-se aquele truísmo: uma imagem vale mais do que mil palavras.

Assim sendo, de uma equipe de três fiscalizadores, um fica encarregado de fotografar. Um colega, que desponta nessa atividade, recebeu de mim o apelido de “Paparazzo”; ele fotografou até a casa do Barão de Mauá, por onde se chegava por pontes levadiças e se tinha uma visão privilegiada da baía de Guanabara, quando vistoriou, em 2007, o terminal do Estaleiro Mauá.

Como “Paparazzo” era um cognome muito genérico, passei a chamá-lo de Ron Galella.

-Quem é Ron Galella?- indagou-me.

Não contente com a minha resposta, sugeri que assistisse ao documentário biográfico “Smash His Camera”.

A missão da vida do Ron Galella era fotografar celebridades. O público, de uma maneira geral, tem uma curiosidade insaciável, às vezes, mórbida em ver os famosos, mesmo que seja nos seus momentos mais frívolos. Sabendo disso melhor do que ninguém, Ronald Galella colocou a sua máquina fotográfica como intermediária entre os fãs e os afamados.

Certa vez, Ron Galella soube que o recluso Marlon Brando participaria do Dick Cavett Show. Preparou, então, a sua câmera como um soldado prepara a sua metralhadora e levantou todas as informações sobre a programação do ator em Nova York. Ele chegaria de helicóptero e, depois da entrevista no Dick Cavett Show, rumaria para um restaurante.

Mal Marlon Brando colocou o corpo fora do helicóptero e o paparazzo começou a fotografá-lo. No programa, contrastando com o sorriso esculpido no rosto de Dick Cavett, Marlon Brando mostrava um semblante sério; isso não o impediu de fazer uma piada com unhas cortadas que nos remetia ao filme “O Último Tango em Paris”. Na plateia, Ron Galella acionava a sua máquina.

Na ida do artista ao restaurante, iniciou-se a perseguição. Os conhecedores do método de trabalho do “paparazzo” disseram que ele, ao volante de um carro, atrás de uma celebridade, se esquecia de todas as leis de trânsito: imprimia uma velocidade vertiginosa e não respeitava as sinalizações.

Assim, ele chegou ao restaurante antes do Marlon Brando, e acercou-se do artista logo que saltou do carro. Recorrendo ao seu talento de ator, diante daquele assédio, Marlon Brando, de rabo de cavalo e óculos escuros, tornou a sua expressão inalterada. Isso não impediu que os flashes espocassem sem parar.

-Você não se cansa de tirar a mesma fotografia? - perguntou-lhe o ator do “Poderoso Chefão”.

-Tira os óculos, Brando.

Esse pedido soou nos ouvidos do assediado como um insulto gravíssimo à sua genitora.

Possesso, Marlon Brando desferiu um soco na boca de Ron Galella que resultou em cinco dentes quebrados e num maxilar fraturado. Ele telefonou imediatamente para a mulher para colher dados que o levassem a localizar um advogado.

-Você não acha que, antes de falar com o advogado, você não deveria ir ao hospital? -indagou ela.

Foi proposta uma indenização de 40 mil dólares. No julgamento, segundo Ron Galella, Marlon Brando voltou a agir como ator: falava tão baixo que ninguém escutava nada. Em certo momento, o fotógrafo olhou para a escrivã, para saber o que o réu dizia, mas ela também não conseguia nada ouvir.

Resumindo: o agressor pagou 40 mil dólares, mas Ron Galella só ficou com 27 mil dólares, abocanhando o advogado um terço do total da indenização.

-Gastei os 27 mil com coroas de jaquetas. - declarou o paparazzo.

Quando Ron Galella voltou a se defrontar com Marlon Brando, com uma câmera fotográfica na mão, usava um capacete de jogador de futebol americano que protegia a sua dentição até dos murros do George Foreman. Era obsessivo, mas cultivava o bom humor.

Jacqueline Kennedy, na época em que se tornou Jacqueline Onassis, se tornou a ideia fixa de Ron Galella. Ele se transformou na sua sombra, nos Estados Unidos. Como perseguia também os rebentos juvenis da ex-primeira dama para fotografá-los e rondava a sua casa, ela entrou com uma representação na justiça. Ronald Galella foi condenado a guardar uma distância de 45 metros da queixosa e 91 metros do prédio dela.

A fama do paparazzo se espalhou, evidentemente. Quando Grace Kelly visitou os Estados Unidos, disseram para ela, numa entrevista, que Ron Galella, passaria a persegui-la. A princesa de Mônaco riu gostosamente.

Ele tirou outras fotografias, mas a esposa do Aristóteles Onassis virara a sua musa. No ano em que se ela ficou viúva pela segunda vez, 1975, ele recorreu da sentença. Conseguiu uma diminuição considerável na distância: 8 metros em vez de 45.

Com o senso de humor aflorado, estica uma trena com uma das mãos e com a máquina fotográfica na outra, volta a retratar o seu modelo preferido.

Um dia, descobriu que ela sairia para ir a um cinema de Nova York, que colocara em cartaz “Morte em Veneza”. Sim, ela cultivava um gosto requintado; a oposição ao jovem casal, que assumiu o poder dos Estados Unidos em 1960, lançava dúvidas sobre a intelectualidade dos dois, quando promoviam concertos ou recitais na Casa Branca, mas não era pose, pelo menos da parte de Jacqueline Kennedy.

Agora, viúva do armador grego, ela saía pelas ruas de Nova York, em busca de um táxi para assistir ao filme que Luchino Visconti dirigiu com base no romance de Thomas Mann. Jacqueline Onassis atrás de um táxi e Ron Galella atrás dela. Ele conseguiu, então, uma das suas melhores fotos: o vento torna o seu penteado mais bonito e ela, meio de lado, esboça um sorriso de quem sabe que está no foco do seu mais fanático perseguidor e dá um sorriso que é um misto de conformidade e de orgulho.

Quando Jacqueline morreu, ela não a fotografou: estava de luto.

O polêmico paparazzo tirou mais de 3 milhões de fotos, e algumas delas foram expostas ao público. O documentário “Smash His Camera” exibe uma dessas exposições em que aparece uma jovem americana de uns 20 anos tentando identificar as personalidades retratadas. A grande maioria delas era desconhecida para essa jovem.

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