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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

2082 - de Lilliput a Brobdingnag

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3882 Data: 15 de janeiro de 2012

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NAVEGANDO NA REDE

Enviaram-me 305 livros, todos clássicos, para eu ler em PDF. Nunca imaginei, quando eu tinha 13 anos e li “O Guarani” de José de Alencar, até então eu só folheava os livros, ou os rasgava, na época das fraldas, que os leria em PDF. Tão abismado me senti, que procurei o significado desse acrônimo.

PDF – Portable Documents Format, ou Formato em Documentos Portáteis. Esse tipo de arquivo impede modificações depois de gerado. Agora, eu me recordo: no trabalho, os textos importantes são guardados em PDF; assim, não há o risco de alguém modificá-lo.

É evidente que esses clássicos teriam de estar na internet em PDF, pois não faltariam malucos para reescrever até “A Divina Comédia”.

Mesmo com essa segurança, não pretendo ler, em muitos casos, reler, os 305 livros disponíveis. Isso, no entanto, não significa aversão minha pela leitura no monitor de vídeo.

Há uns dez anos que não consigo mais me dedicar ao velho livro de papel, na hora de dormir, se as letras das páginas não tiverem um tamanho razoável. Se elas forem do tamanho de pequenas formiguinhas, tenho de deixá-las depois que a luz natural se vai. Para a minha visão gasta pelo tempo, as letras têm de ser do tamanho das saúvas, assim, só largarei o livro para dormir.

Felizmente, a Apple iPad lançou, há pouco tempo os tablets – computadores em forma de prancheta. Com eles, centenas de livros podem ser armazenados e fica por conta do leitor colocar os caracteres com a altura dos habitantes de Lilliput ou de Brobdingnag, além de fixar a nitidez da tela. Se eu superar a saudade do manuseio de páginas, meus problemas estão resolvidos.

Ah, sim, Brobdingnag é o lugar de pessoas gigantescas que Gulliver encontrou nas suas viagens. Nessa obra de Swift, também nos deparamos com o nome que, acredito, inspirou um dos mais afamados provedores da internet: o yahoo.

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Depois da mensagem eletrônica dos clássicos, vi recitativos, árias e caballetas cantadas pelo Mario Del Monaco nos vídeos do youtube. Assim, assisti a um Di quella pira, “trecho para destroncar o peito do tenor” - dizia o meu pai - em que o figurinista se equivocou completamente: Mario Del Monaco mais parecia o Super-Homem, que um personagem da Espanha medieval. Isso, no entanto, não prejudicou o seu canto excepcional. Era também um excelente ator: não ficava estático no palco como os artistas líricos adiposos. Possuidor de um físico atlético, atuou em “O Guarani”, no Teatro Municipal, nos anos 50, de tanga. Placido Domingo, recentemente, foi um Peri que mais parecia um cacique inca, de tanta roupa que vestiu.

É coisa séria o figurino num espetáculo de época. No cinema, usaram as vestimentas de “... E o vento levou”, Guerra da Secessão dos Estados Unidos (1860-1865) num filme ambientado na Inglaterra na Era Georgiana.

Excelente ator, como dizíamos, Mario Del Monaco narra, nas suas memórias, que participou com Rise Stevens da récita de 1952 da Carmen, no Metropolitan Opera House de Nova York. Nos ensaios – diz ele – Rise Stevens se mostrou meio amedrontada ao vê-lo de olhos alucinados de ciúme, no papel de Don José, e sugeriu ao régisseur que a arma usada para matá-la fosse uma navalha com cabo de madeira e lâmina de borracha, pintada de tinta prateada.

No palco, com o MET tomado pelo público, Mario Del Monaco escreve que, na hora de matar a Carmen, colocou a mão no bolso e sentiu “uma espécie de arenque salgado que oscilava de um lado para o outro”. Percebeu que esse detalhe ridículo derrubaria toda a cena e se desfez dessa arma, partindo para a espada de Escamillo, o toureador. Eis o que escreveu nas suas memórias:

-“Em decorrência disso, houve uma sequência totalmente realista na qual a belíssima Rise Stevens tentava fugir de mim enquanto eu a seguia. Por azar, ela tropeçou nas rendas da saia, caiu sobre o braço esquerdo e deixou escapar um grito de dor (tinha luxado o pulso). Naquele momento, “transpassei-a” com a espada e o público ficou verdadeiramente sem fôlego.”

Cabe aqui uma explicação colocada no rodapé do livro autobiográfico: na produção de Tyrone Guthrie, a cena do IV ato se passava no camarim de Escamillo- Il Toreador, e não na Praça de Touros, como nas encenações tradicionais.

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Roberto Dieckmann lança pela Triumpho 30 Produções mais um filme culinário. Imagino o espanto dos leitores ao lerem, no Biscoito Molhado, Triumpho 30 e não, Triumpho 3D. Confesso que o engano foi meu que, por problemas óticos, vi 3 dimensões. (*)

Bem, como Woody Allen, Bob Dieckmann é um cineasta prolífero: lança quase um filme por semana. Nesse, “Mangas Arregaçadas”, um casal que veio da França, Clara e Julien serão regalados com um “Filé em crosta de prosciutto e cogumelos, talharim com manteiga de sálvia e salada grega” e com um mousse au chocolat, como sobremesa.

Pode-se constatar que os habitantes do Brasil mudaram muito. Aparecessem aqui, séculos atrás, seriam eles mesmos o antepasto, o prato principal, a sobremesa e o filme se chamaria “Como era gostoso o meu francês”.

Os atores eu nem preciso nomear. Fellini teve Marcello Mastroianni e Giulietta Masina, e Dieckmann tem o seu filho Fred e a Branca. Como crítico do Biscoito Molhado o que tenho a dizer?... Eu gostaria de falar da comida, mas como não fui convidado, tenho de tecer meus comentários sobre o filme. Não tem jeito...

Percebi influências do Quentin Tarantino nas cenas em que o Chef de Cuisine, Fred Dieckmann, usa o facão, amolado por diversas vezes, para cortar ingredientes do prato, próximo aos dedos. (**) Se errar por um milímetro, o seu pai terá de colocá-lo no carro e voar para a seção de implante de dedos do hospital mais próximo. O motor do seu Jaguar da idade do Elio Fischberg pegaria logo?... Não haveria algum bloco carnavalesco em Santa Teresa impedindo a passagem dos veículos?... Felizmente, tudo correu bem.

A cena em que o cineasta fez propaganda do restaurante dos pimpolhos - Avenida San Martin 1011, Leblon – se parece com muitas do cinema nacional.

Roberto Dieckmann transpôs os asteriscos dos textos para as telas e explica o que é flor de sal, nesse filme.

O momento do “Mangas Arregaçadas” que é puro Godard ocorre quando o Fred Dieckmann trabalha perto do fogão e a sua imagem é reproduzida na tampa levantada do mencionado fogão. O que o Caetano Veloso tentou em 90 minutos, com o “Cinema Falado”, lembrar Godard, Dieckmann conseguiu em menos de 10 minutos.

“Mangas Arregaçadas” se encerra com um instigante jazz que nos remete aos filmes novaiorquinos de Woody Allen.

Cotação: bonequinho comendo. (***)

(*) Raramente a crítica pode ser transposta para a vida real. Acostumado a dar o título às obras do redator do seu O BISCOITO MOLHADO, Roberto Dieckmann não soube, talvez por exercício de rotina, fazer o mesmo com o filme em questão. “Mangas Arregaçadas” é um título que tem tudo a ver com o filme e já foi devidamente incorporado, em contrário à hipótese que inicia este asterisco. Igualmente pertinente, a íntegra desta crítica foi postada (isso é um neologismo?) como comentário.

(**) Realmente, a forma de picar alimentos com a faca próxima aos dedos assusta um pouco. Porém, garante o Fred, que nas aulas de culinária, ninguém se machuca, apesar da pouca prática e das facas bem afiadas.

Explica-se: o movimento da faca se apóia nos dedos, que ficam recurvados para o interior da mão. Não há, portanto qualquer contato entre o fio da faca e a mão do cortador.

(***) Críticas nem sempre são bem recebidas. Entretanto, o prezado leitor poderá exercer o seu direito de ser pedra e ver a sua avaliação registrada devidamente. Basta clicar em http://vimeo.com/34986622 e enviar o seu comentário diretamente no site www.vimeo.com (é necessário fazer cadastro), ou para dieckmann@globo.com

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