Total de visualizações de página

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

2086 - mistureba de idades

----------------------------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 3886 Edição 22 de janeiro de 2012

-----------------------------------------------------------------------

CAMELOT NO SABADOIDO

PARTE II

Numa daquelas reflexões que acontecem durante os pores do sol, perguntei-me por que são tantos os casos de pedofilia e muito poucos os de gerontofilia. Antes de prosseguirmos, vamos esclarecer que a união de Florentino Ariza com a idosa Fermina Daza, como a do Roberto Marinho com a sessentona Lilly de Carvalho Marinho, nada tem de gerontofilia, pois os dois citados, já estavam também na idade madura. Só se caracteriza a gerontofilia quando um jovem se sente atraído por uma idosa (não coloquei uma jovem e um idoso – Vera Fischer e Magalhães Pinto, por exemplo - porque esse relacionamento é, quase sempre, suspeito).

Acionei a minha memória, que é superestimada por alguns, e me lembrei de um filme a que assisti em meados da década de 70, baseado em contos de Dalton Trevisan, “Guerra Conjugal”. Eram várias histórias; numa delas, um conquistador de mulheres não encontrava uma, por mais formosa, que o satisfizesse. Depois de muitas frustrações, encontra uma velhinha no baixo meretrício, posta de lado, e a leva para a cama. Vê-se, depois, ele agradecendo, com gestos comedidos, àquela velha que lhe devolvera a serenidade.

Agora, diante do computador do meu sobrinho, eu podia iniciar as minhas pesquisas.

Guerra Conjugal, fita dirigida por Joaquim Pedro de Andrade em 1974, com Lima Duarte; Jofre Soares; Elza Gomes; Carlos Gregório; a morena magrinha Cristina Aché, mulher do diretor, etc. Baseado em vários contos do escritor de Curitiba, Dalton Trevisan. Um casal de velhos se agride... Um advogado inescrupuloso seduz as suas clientes... Nelsinho, um conquistador sem limites...

Nesse ponto, eu prestei mais atenção no que lia. Era Nelsinho o gerontófilo, recordo-me bem do Carlos Gregório se despedindo da velhinha.

A voz sonora do Luca soou lá fora, vibrava com o feito do Daniel na sua vida profissional.

-Claudiomiro, temos de lamber as nossas crias. Fiquei extremamente alegre quando soube que o Daniel passou no concurso da Casa da Moeda.

No tumulto de vozes, um timbre me pareceu infantil. Imaginei a vinda da Kiara.

-A minha Carolina foi chamada para ser homenageada pela turma de formandos em Biomedicina da UFRJ... - prosseguiu o Luca.

Em poucos minutos, a neta do Luca adentrava o lugar onde eu estava .

-Estou saindo do computador, Kiara.

-Não tem pressa, Carlinhos.

-Eu ouvia o Michel Teló.

E pus-me a cantar um trecho do forró.

-Você gosta, Carlinhos? - animou-se a menina.

Não lhe disse que caminhei, durante meses, ouvindo ritmos nordestinos para evitar a voz do Lula nos meus ouvidos antes do sol nascer, porque teria de explicar que só depois de 2011 voltei a escutar os noticiários do rádio.

-Kiara, não só canto como danço, com a coreografia dos soldados israelenses, o sucesso do Michel Teló.

-Daniel, o Carlinhos vai dançar. - assanhou-se a Kiara.

-Espera lá, Carlão, que eu vou colocar pilha na máquina fotográfica.

-Daniel vai filmar, Carlinhos.

Enquanto Daniel saía em busca das pilhas, eu acessei o vídeo dos soldados israelenses se requebrando ao som do forró brasileiro.

-Eu já vi. - disse a Kiara.

-Eu não. - manifestou-se o Daniel diante do computador.

-Daniel, encontre as pilhas para o Carlinhos dançar. - pediu a neta do Luca.

-Luz já existe, ação também, só falta a câmera. - falei.

-As pilhas, Daniel. - angustiou-se a Kiara.

-Preciso de uma parceira, não danço sozinho.

-Eu, não; o Daniel dança com você.

-Eu terei de filmar. - escusou-se meu sobrinho.

Bem, o Daniel não encontra as pilhas, e o pessoal lá fora me espera.

-Pode ir, Carlão.

-Danço um sábado desses uma outra música. - falei.

-Uma outra... uma outra. - riu a garota.

-Corrigindo-me, hein Kiara?... Não quer que se use dois indefinidos juntos, não é?

Em menos de um minuto, eu me deparava com o Luca lendo e o meu irmão ouvindo.

-”Não se abespinhe...” - lia uma carta da Rosa.

-Carlinhos, veja isso. - interrompeu a leitura, e me entregou o convite de formandos.

-”Cela va sans dire...” - retomou a carta.

Vi o nome da Professora Doutora Vera Carolina entre quatro homenageados, e concordei com o que ouvira no quarto do Daniel minutos antes.

-Temos de lamber, mesmo, as nossas crias, Luca.

-”Eu vinha magicando...” - cortou a frase da Rosa no meio, e voltou-se para mim.

-A Carolina não gosta que isso seja divulgado, não faz propaganda das suas vitórias, mas os pais ficam orgulhosos.

-E eles têm todo o direito de repercutir as conquistas dos filhos. - apoiei.

-”A pulcritude...” - leu o Luca, que foi aparteado pelo Cláudio que, por sua vez, foi aparteado por mim.

-Essa questão de mulher feia...

-Não existe mulher feia, você é que bebeu pouco.

Creio que, depois de o Vinícius de Moraes declarar que a beleza era fundamental, as feias lhe jogaram uma praga tão terrível, que ele teve de beber até considerar todas as mulheres belíssimas.

-Rosa escreveu isto, e eu rebati com esta carta. - desdobrou-a.

-Cacete, é uma polêmica epistolar. - pensei, sem me manifestar.

O Cláudio, com o joelho da perna direita dobrado, colocava o pé na cadeira. De repente, um som caseiro, vindo do outro lado do muro, levou-o a se erguer.

-É a Gina com as compras. - anunciou.

-Vai ajudar, Claudiomiro.

Pensei também em ajudar com o transporte de sacolas, Luca fez menção de suspender a leitura, mas pedi que continuasse.

-Veja, Carlinhos, como ela escreve bem: “... sei que não estão emalados na sua bagagem.”

Gina parou diante de nós, com uma sacola na mão, e nos saudou.

-Sou surpreendido hoje pela Kiara, Gina, que disse que se encontrou com o Daniel, nesta semana, e marcou com ele vir ao Sabadoido. Veja como estão essas crianças...

-A Kiarinha está aqui?- entusiasmou-se a Gina.

Em poucos minutos, ela se juntou ao filho e `a neta do Luca.

Cláudio, depois do transporte e arrumação das mercadorias, retomou o seu posto.

Será que o Luca não trouxe nenhum recorte de jornal com crônicas da Folha de São Paulo para nós comentarmos?... Dessa vez, Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Lourenço Diaféria, Luiz Felipe Pondé e outros ficaram com suas crônicas obnubiladas diante das cartas da Rosa Grieco.

Cláudio trouxe as bebidas.

Falei do texto do Nélson Motta do dia anterior sobre o jogo do bicho, Luca fez uma curta consideração, e retornou às missivas.

Na hora de ir embora, ele entregou o convite de formatura à neta, e pediu que ela mostrasse o nome da Carolina à Gina.

Feito isso, Kiara atirou dardos num alvo, enquanto o avô a apressava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário