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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

2077 - eternamente bons (2)

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3877 Data: 07 de janeiro de 2012

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PARTIRAM EM 2011

Pretendia não prosseguir com o assunto da última edição, mas o esquecimento do Luís Mendes, no obituário do ano 2011, nas grandes publicações, me obriga a voltar ao tema.

Eu via o Luís Mendes na televisão da minha avó, no televizinho, na televisão de casa e, nos últimos anos, acompanhava os seus comentários pelo rádio.

Conheci Luís Mendes não através do futebol e sim, do boxe. Eu gostava de assistir ao TV Rio Ringue, que ele apresentava com o Léo Batista. No casarão da minha avó, na Rua General Padilha, em São Cristóvão, para onde eu ia, às vezes, para fazer-lhe companhia por algum tempo, eu exigia, com meus 11, 12 anos de idade, que ela sintonizasse a televisão na TV Rio, nas noites de domingo. Assim, só dormíamos depois de o Luís Mendes narrar os cruzados de direita e de esquerda, mais os jabs e os ganchos aplicados pelo Fernando Barreto, Valdemiro Pinto, Luizão, Iran Lima, Raimundo de Jesus e outros boxeadores.

Como o programa foi duradouro, com 14, 15 anos de idade, eu o acompanhei também no televizinho, no caso, o vizinho era o Seu Dilmar. Sim, caro leitor do Biscoito Molhado de boa memória, trata-se do Seu Dilmar que, ao me ouvir assoviar a “Marcha do Colonel Bogey” de “A Ponte do Rio Kwai”, na casa da vila da Rua São Gabriel, bradou:

-“Carlinhos, vai assoviar mal assim na puta que pariu!...”

Na época, eu frequentava muito a sua casa, com meu irmão Cláudio, e outros vizinhos, esses da idade do Seu Dilmar, para jogar sueca, dama e assistir aos “Intocáveis” e a outros filmes seriados. Aos domingos, eu era convidado pelo dono da casa, que sabia do meu gosto pelo boxe, para ficar até mais tarde lá, ou seja, até o final do TV Rio Ringue.

Dona Luci, esposa do Seu Dilmar, não gostava da troca de socos, mas sempre corria para frente da televisão quando começava o passeio da câmera. Nesse momento, Luís Mendes identificava os componentes da plateia (“fulano de tal, com a sua esposa fulana de tal, que prestigiam o nosso programa todas as semanas...”). Para alguns, TV Rio Ringue era o fechamento do domingo, depois da missa da manhã.

Dos anos 70 até uns quinze dias antes do seu falecimento, acompanhei o Luís Mendes como comentarista de futebol da Rádio Globo. Revi-o na televisão em 2010, quando o Juca Kfouri o levou para o seu programa de entrevistas na ESPN do Brasil. Na ocasião, agradeceu os ensinamentos que colheu dele desde garoto.

Para se falar do presente, tem-se de conhecer o passado, e Luís Mendes sempre estava pronto para contar fatos da história do futebol. Ele vai fazer falta neste tempo em que muitos pensam que o futebol surgiu quando eles nasceram.

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Sérgio Britto morreu em má hora, a poucos dias do réveillon...

Eu não deixava de admirar, no seu programa de TV, a ceia da passagem de ano, na sua casa em Santa Teresa, quando, juntamente com Marcelo Janot e Bárbara Heliodora, faziam o retrospecto do mundo do cinema e do teatro, duas paixões suas, nos últimos 365 dias.

Quando li a infausta notícia, em dezembro, me veio logo a tristeza de saber que ele não pediria a Marcelo Janot para falar dos melhores filmes de 2011, e a Bárbara Heliodora, as melhores encenações teatrais, além de expor, com muito conhecimento, as suas próprias considerações.

Quando Sérgo Britto animava o programa “Arte”, na TV Educativa, das 19 às 20 horas, aos sábados, eu era espectador assíduo, e caso perdesse um sábado, preenchia a lacuna com as reprises das quartas-feiras.

Atraía-me o seu refinado gosto pelas diversas manifestações culturais. Certa vez, dedicou vários programas à ópera e, além de conversar com profissionais versados nos espetáculos líricos, contava as suas histórias.

-“Garoto, no Teatro Municipal, com os meus pais, nos “Palhaços” de Leoncavalo, cutuquei meu pai.”

E Sérgio Britto, então, balbucia:

-”Papai, papai, o Tito Schipa.”

E volta a mirar os espectadores através da câmera:

-”Eu havia vislumbrado o Tito Schipa na plateia, bem vestido, com uma bela mulher. No intervalo do primeiro para o segundo ato, ele some. Ressurge no palco, cantando a serenata do Arlequim. O público vibra, e ele repete quatro vezes a serenata.”

Referiu-se à biografia do Paulo Fortes, “Um Brasileiro na Ópera', elaborada pelo Rogério Barbosa Lima, no “Arte” e tentou dar também a sua contribuição reportando-se a passagens da vida do grande barítono. Falou, então, Sérgio Britto, do Paulo Fortes na “Tosca”, como o Barão de Scarpia. Ri, porque dias antes, o filho do biografado, Sérgio Fortes, gozava o Paulo Francis, que dedicara elogios ao barítono nesse papel que ele nunca desempenhou na sua carreira. Por que esse mesmo erro com um mesmo personagem? Será por que o Barão de Scarpia, em 90% da duração da sua passagem no palco, ceia, e o Paulo Fortes era gordo como Falstaff?... Talvez...

Ele demonstrava sempre uma impressionante memória, principalmente quando tratou de “O Grande Teatro Tupi”, que exibia peças clássicas adaptadas para a televisão. Sérgio Brito dirigiu com Fernando Torres as quase 450 exibições televisivas, que duraram de 1954 a 1961, adaptadas, na sua maioria, pelo futuro autor de novela, Manoel Carlos. Recordou, no “Arte”, que “O Grande Teatro Tupi” era exibido às segundas-feiras, às dez horas da noite. O elenco contava com os grandes destaques do TBC: Fernanda Montenegro, Nathália Timberg, Ítalo Rossi.

-”O elenco do Grande Teatro se reunia depois das onze horas da noite, quando terminavam as apresentações nos palcos da cidade. Os nossos ensaios eram feitos durante a semana, numa salinha alugada pela emissora, na rua Siqueira Campos, em Copacabana, e na segunda-feira, apenas. Passávamos cena e marcações juntamente com os câmeras, no estádio da TV Tupi.” - relembrava.

Como todas as representações foram feitas ao vivo, com as armadilhas do improviso e a ameaça constante das falhas técnicas, inúmeros episódios anedóticos brotaram entre esses heroicos artistas. Assim, um programa só de uma hora não bastou para tantas lembranças, nem mesmo uma única pessoa dava conta e ele recorreu, então, à Fernanda Montenegro, também possuidora de portentosa memória, que tirou das cinzas, com detalhes, casos de uma das mais importantes realizações da televisão brasileira.

Pouco antes de morrer, disse para o sobrinho que ele era bom, mas Ítalo Rossi era ótimo. Fazia essa avaliação tomando como medida o talento na representação, porque no sentido mais abrangente Sérgio Britto foi excelente.

Ah, sim, Ítalo Rossi foi outra importante personalidade que se foi, e os obituários do ano 2011 das grandes publicações deixaram de mencionar. Outra lástima.

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