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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

2039 - Carlitos 2

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3869 Data: 24 de outubro de 2011

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68ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Então, o Vagabundo surgiu, para o delírio da plateia, quando você era da Keystone do Mack Sennet?

-Sim; no meu primeiro ano de cinema eu participei de 34 curtas-metragens e de um filme de tamanho maior, Tillie´s Punctured Romance. E saí da Keystone.

-Assinou, em 1915, com os Estúdios Essanays. Lá, você adiciona uma carga emotiva a seus filmes, desenvolve o seu próprio elenco...

-Com maior domínio sobre os filmes, aumentei-os em duração e passei a trabalhar com a heroína Edna Purviance e os vilões Leo White e Bud Jamison.

-Como você era mestre da mímica e da pantomima, entendida no mundo inteiro, tornava-se o expoente máximo do cinema.

-A guerra dilacerava a Europa, as pessoas precisavam rir. - explicou-se.

-Sobre o seu Livro “Chaplin: Uma Vida”, Martin Sieff escreveu este trecho na sua resenha: “Chaplin não foi apenas grande, ele foi gigantesco. Em 1915, ele apareceu num mundo mortificado trazendo o dom da comédia, risos e alívio, enquanto ele próprio se dividia ao meio pela Primeira Guerra Mundial. Durante os próximos 25 anos, através da Grande Depressão e da ascensão de Hitler, ele permaneceu no emprego. Ele foi maior do que qualquer um. É duvidoso que outro indivíduo tenha dado mais entretenimento, prazer e alívio para tantos seres humanos quando eles mais precisavam.”

Agradeceu e, constrangido pelos elogios, continuou:

-O controle artístico quase que total eu consegui um ano depois, em 1916, quando fui contratado pela Mutual Film Corporation para produzir doze filmes com duração de duas bobinas, em dezoito meses.

-Todos os seus filmes na Mutual são clássicos. - intervim.

-Trouxe Edna Purviance comigo para continuar como mocinha, adicionei o Eric Campbell como vilão, além de Henry Bergman e Albert Austin.

-Eric Campbell era excelente, o mais destacado vilão cômico do cinema mudo para mim. - interrompi de novo.

Eric Campbell era um veterano nas óperas de Gilbert e Sullivan. Então, os Estados Unidos entraram na guerra, tornei-me um garoto-propaganda para a venda de bônus com o meu grande amigo Douglas Fairbanks e sua esposa, a atriz Mary Pickford.

Como eu sabia da antipatia que Chaplin nutria pela “Namoradinha da América”, não me detive na sua pessoa.

-O total controle criativo dos seus filmes só foi conseguido em 1917?

-Sim, quando terminou meu contrato com a Mutual e eu fui para a First National. Ficou estabelecido que eu produziria oito filmes de duas bobinas. Eu tinha, agora, condições para trabalhar mais relaxado e a me concentrar na qualidade.

-Algo parecido com Verdi que, quando conseguiu o tempo de um ano para compor uma ópera, criou “O Rigoletto”. – comparei cinema com a ópera, sabendo que Chaplin, por gostar muito de música, não acharia um descalabro.

-A First National esperava curtas-metragens, mas eu os surpreendi com filmes mais longos, como “Ombro Armas”, “O Peregrino” e “O Garoto”.

-Então, Hollywood foi sacudida com a notícia que os loucos tomaram conta do hospício.

-Isso foi em 1919, quando eu, Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D.W. Griffith fundamos a distribuidora United Artists. Nós tentávamos, com essa empreitada, escapar do poder dos distribuidores e financiadores de filmes, em Hollywood.

-Com a United Artists, você conseguiu a sua independência como cineasta até o início da década de 50.

-Só realizei filmes de longa-metragem, a começar com “A Woman of Paris”, protagonizada pela Edna Purviance, em que só faço uma pontinha.

-No Brasil, esse filme recebeu o nome de “Casamento ou Luxo?”

-”Depois, vieram “Em Busca do Ouro”, “O Circo”...

-O cinema falado...

Sempre defendi o cinema mudo. Deixa-me ver se repito textualmente o que eu disse há mais de oitenta anos: “A ação é geralmente mais entendida do que palavras. Assim como o simbolismo chinês, isto vai significar coisas diferentes de acordo com a sua conotação cênica. Ouça uma descrição de algum objeto estranho – um javali africano, por exemplo; depois olhe para uma foto do animal e veja como você fica surpreso.”

-Assim, você fez crítica ao cinema falado no discurso de um político em “Luzes da Cidade”, na canção cantada pelo Vagabundo, numa língua inventada, em “Tempos Modernos”...

-O Vagabundo só teve necessidade de falar uma vez, no discurso de “O Grande Ditador”.

-Quando os fracos e desprotegidos necessitaram de uma voz para denunciar os crimes de Hitler, você falou. - dei-lhe os méritos.

-Se eu soubesse da maldade que foi feita, no nazismo, eu não conseguiria ser engraçado.

-Você nasceu em 16 de abril de 1889, Hitler no mesmo ano, com diferença de dias.

-Lancei “O Grande Ditador” um ano antes de os Estados Unidos abandonarem a neutralidade e entrarem na guerra. Muitos americanos, que nutriam ódio pelos comunistas, estavam do lado do Hitler porque ele invadiu a União Soviética.

-Alguns estados americanos até proibiram o seu filme, ou criaram empecilhos para que ele não entrasse em cartaz.

E prossegui:

-Depois do ataque a Pearl Harbour e do engajamento dos americanos na guerra, reconheceram todos que você estava certo.

-Sim; e de toda a minha obra foi a que obtive o maior retorno financeiro.

-E a sua mãe, Chaplin?... Lembrei-me dela porque se chamava Hanna e a protagonista de “O Grande Ditador”, vivido pela Paulette Goddard, também era Hanna.

-Trouxe mamãe para a minha casa, em Santa Mônica, Califórnia, mas os distúrbios mentais ainda a perseguiam. Ela morreu em 1928.

-Eu a vi no filme de Richard Attenborough sobre a sua vida; Geraldine Chaplin a representou.

-A neta no papel da avó. - sorriu Charles Chaplin.

-Hitler, que assistia a filmes no seu esconderijo, adquiriu duas cópias d´ “O Grande Ditador”.

-Não gostou, certamente.

Ri, enquanto ele prosseguia:

-A desgraça foi que o povo alemão não gostou, também. A Alemanha nazista era completamente mal-humorada, e isso levou a toda aquela matança. Alguns italianos levaram também as coisas muito sério. Eu tive um ótimo comediante, o Jack Oakie, para caricaturar o Mussolini.

-A salvação, muitas vezes, está no riso. - declarei.

-Por que uma das minhas melhores composições musicais se chama “Smile”?

Era uma pergunta retórica, ele não esperou pela resposta.

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