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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

2037 - mundo cão infantil

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3867 20 de outubro de 2011

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MEUS PROFESSORES INESQUECÍVEIS

PARTE II

Pretendia reatar a narrativa sobre os meus professores inesquecíveis daqui a dois meses, quando chega o tempo das compras de fim de ano, mas os comentários do Dieckmann sobre os meus primeiros mestres me levaram a esta antecipação.

Tirei 15 numa prova – como escrevi – e me rebaixaram para a turma mais fraca da Escola 9-10 Manuel Bomfim. Na leitura inspirada do meu amigo, ele descobriu o que passou despercebido por todos: quem tira 15 numa escola 9-10 é gênio, e, partindo, dessa premissa, concluiu que me colocaram na Turma 1 para elevar a média da mesma.

Depois de me animar com essa descoberta, Dieckmann destruiu uma ilusão da minha infância. Explico-me: eu me julgava um pequeno herói porque mostrei a professora Maria Teresa, que se debulhava em lágrimas porque só três alunos seus passaram para o segundo ano, que ela era, sim, competente porque fui aprovado com a nota 85; veio o Dieckmann e disse que tal nota era mérito meu e da minha mãe, que me alfabetizou com manchetes de jornal.

Aliás, eu não registrei um fato relevante: quando entrei na escola, eu segurava o lápis como um agressor segura um punhal antes de cravá-lo em alguém. Só mais tarde, fiz, com o lápis na mão, o movimento de pinça com o polegar, que tanto desenvolveu a mente do ser humano. Aliás, já falamos, de passagem, num recente Biscoito Molhado, que o polegar opositor é o símbolo máximo da evolução.

Voltando à turma 1, de 1955, da professora Maria Teresa, ela merecia muito mais palavras do que as que dediquei a ela nas páginas sobre meus professores inesquecíveis.

A Turma 2 nos gozava, cantando em uníssono nas filas do pátio do colégio:

-Turma 1.

E nós respondíamos:

-Turma 2, feijão com arroz.

As minhas recordações estão vivas, nem preciso recorrer a pseudônimos para falar de alguns colegas. Carlos, por exemplo, era um lourinho que vivia com o nariz escorrendo.

-Passa a minha frente. - pedia educadamente quando todas as turmas se formavam, antes do início das aulas, de acordo com a altura, os menores na frente.

O meu xará se sentia complexado em ser o baixinho da Turma 1.

Vanderley, um crioulinho, era também mais baixo do que eu, mas não me dava satisfações: punha-se na fila como se fosse mais alto. Pertencer à Turma 1 e ainda ser o mais baixote era dupla humilhação. O maior de nós em tamanho era o Amaury. Tinha o mesmo nome do meu pai, que recebeu esta identidade do meu avô devido a um personagem de Alexandre Dumas, que dava título ao romance, mas o Amaury da Turma 1...

Todas as vezes que a Professora Maria Tereza saía de sala, Amaury colocava o Vanderley e o Carlos para brigarem. Os dois eram autênticos galos de briga, atracavam-se e, assim, iam rolando pelo chão. Por pouco não caíram, uma vez, sobre a cesta de lixo. A professora nunca chegava e o Amaury não tinha a menor preocupação de ficar na porta para avisar os lutadores da sua chegada. Carlos vencia sempre a briga, mas por pequena vantagem.

Apesar de desordeiro, não me recordo de o Amaury sofrer reprimendas, a não ser a vez em que foi expulso da sala de aula pela professora. Ele saiu da escola e, da rua, atirou duas pedras que atravessaram a janela aberta e se esfarelaram na parede, perto de nós.

Quando eu passei para o quarto ano primário, Amaury saiu, finalmente do primeiro ano. Quanto ao Carlos e ao Vanderley, não soube mais deles, talvez os seus pais tivessem ido morar num lugar longe da escola de Del Castilho.

Terminei o curso primário e a admissão, mudei-me da Rua Cachambi para a São Gabriel, na altura da Rua Americana e fiquei um tempo sem avistar o criador de rixas da Turma 1. Vi-o, numa pelada no campo do Cruzeiro, de Del Castilho, quando eu tinha uns 15 anos de idade. Estávamos todos correndo atrás de uma bola. Não era, contudo, um momento de descontração, pois se defrontavam peladeiros de lugares diferentes.

Em dado momento, Amaury disputou uma bola que saiu pela lateral. Gritou que o arremesso da lateral era do seu time, mas um dos jogadores adversários bateu a lateral para o Paulinho Vovô que, com a bola nos pés, partiu em direção do gol. Coitado do Paulinho Vovô!... Amaury foi em desabalada carreira atrás dele e, quando ficou a um passo do seu alvo, desferiu, com suas pernas largas, uma rasteira no meu colega da Rua Americana, que este mergulhou de cara na grama. Sem pestanejar, Amaury pegou a bola, rumou com ela para a margem do campo e bateu o lateral a favor do seu time.

Ele era irmão do Mardone, que já ganhava fama em Del Castilho como ladrão de cavalos. Amaury – cochichava-se – seguia a trilha do irmão, por isso, já era temido. Paulinho Vovô se levantou, cuspiu a grama que entrara pela sua boca, espanou com as mãos a terra que grudara no seu corpo e nem pediu falta ao juiz que, diga-se de passagem, não existia. Bola pra frente! Paulinho Vovô retornou ao jogo como se nada tivesse acontecido.

Mais anos se passaram sem eu avistar o desordeiro da Turma 1, isso porque eu pisava poucas vezes o chão de Del Castilho. Não me recordo se ainda morava na Rua Chaves Pinheiro, ou se já vivia na Avenida Suburbana, quando soube que o Ratão matou o aluno mais indisciplinado da Turma 1.

-Ratão matou o Mardone, o Amaury, acabou com a família. - informou-me o meu irmão mais novo.

Ratão: dediquei, até hoje, poucas linhas a esse famoso bandido de Del Castilho. Irmão do Dudu, que era o “Poderoso Chefão” do bairro, usava o revólver em vez do cérebro, por isso, não durou muito, embora tenha deixado muitas vítimas pelo caminho. O seu assassinato por um bando rival provocou um duelo que envolveu Dudu e seus capangas, que tratei nas folhas do Biscoito Molhado como o “Duelo de O.K. Curral de Del Castilho”.

Volto aqui aos primeiros parágrafos destas recordações. Provavelmente, os alunos que couberam a Professora Maria Teresa, em 1955, não eram tão problemáticos como o Amaury, mas não eram fáceis de se lidar e mais ainda de se ensinar. Sigo acreditando que ela, ao chorar, porque só conseguira aprovar três alunos da sua classe exagerou na cobrança a si própria, e a minha nota a consolou um pouco.

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