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terça-feira, 4 de outubro de 2011

2024 - chega de saudade

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3854 Data: 26 de setembro de 2011

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O SABADOIDO COM O PERI, MAS SEM A CECI

PARTE II

-De quando é “Luzes da Cidade”?

-1926. - respondi ao Daniel e acrescentei:

-Seu avô Amaury tinha 10 anos de idade e dizia que riu muito com Carlitos como o pai dele. Eu e Cláudio rimos e você também, ou seja, quatro gerações e, assim, em muitas famílias. Carlitos criou uma dinastia de fãs.

-Nos “Tempos Modernos”, ele faz uma gozação ao cinema falado com uma canção de palavras desconexas. O filme é, principalmente, uma crítica à produção em série, ao Fordismo.

-Nessa fita, atua a Paulette Goddard. - lembrou o Cláudio.

-George Gershwin foi apaixonado por ela.

-Ele tinha bom gosto, Carlinhos.

-Você viu a homenagem que a TV Globo prestou a Charles Chaplin um ou dois dias depois da sua morte?- perguntei.

-Não.

-Foi um dos momentos mais elevados da história da nossa televisão que merecia ser reprisado uma vez por ano, pelo menos. Nessa homenagem, cenas de filmes do Carlitos são exibidas, enquanto o Chico Anísio diz de cor um emocionante texto.

-Quem escreveu?

-Não sei, Cláudio, só posso dizer que o redator estava num momento de elevada inspiração. Há ali uma afirmativa que não é leviana: “Desde Shakespeare que não aparecia, na Inglaterra, um artista como Charles Chaplin.”

-Não sei... - titubeou meu irmão.

-Um era mais autor do que ator, e o outro mais ator do que autor.

E encerrei buscando a cumplicidade do meu sobrinho:

-Não é, Daniel?

-Se você diz, Carlão...

-Já me colocaram como pai do meu irmão e, consequentemente, como seu avô, você tem de concordar comigo.

-Já concordei. - brincou.

-Carlinhos, eu lhe falei sobre um filme mudo com a Edna Purviance, que o Charles Chaplin dirigiu, mas não atuou. Você descobriu qual é o nome?

-Cláudio, confesso que não conheço filme mudo algum do Carlitos em que ele não tenha feito quase tudo.

-Mas há um em que ele não foi o ator, procure saber. - insistiu.

Ao perceber que o Daniel ia sair da cozinha, pedi que não se esquecesse de franquear-me seu computador por alguns minutos. Nesse ínterim, meu irmão foi para a frente da casa.

Só, no computador, procurei as novidades culinárias do Fred Dieckmann, e como estava se saindo o seu pai com uma “câmera na mão e uma comida na cabeça”. Depois, acessei as piadas do José Simão, com o Ricardo Boechat, Mengali e Tatiana Vasconcelos na claque. Salvou-se com méritos uma anedota sobre o Sarney.

Dizia Deus: “Ainda bem que não existia o Sarney quando eu criei o paraíso.”

-E quem o Senhor pensa que indicou a serpente? - perguntaram.

Fui interrompido pelo chamado insistente do telefone. Como os moradores da casa não davam sinal de vida, fui até a sala e atendi. Ouvi, então, um ruído que parecia saído da imaginação de um compositor de música contemporânea. Com o telefone na mão, procurei um tradutor. Encontrei meu sobrinho estendido na rede.

-Daniel, ligaram para cá.

Com o telefone no ouvido, ele logo identificou o Vagner. Voltei, em seguida, para o computador.

Encantando com os slides da cidade natal de Mozart, ouvi vozes que anunciavam a chegada do Vagner juntamente com a do Luca. Existiam ainda muitas mensagens eletrônicas para eu pôr em dia, por isso, retardei a minha entrada na sessão do Sabadoido.

Uns vinte minutos depois, eu caminhava para lá:

-Quem compôs o arranjo de “Chega de Saudade”?

-Tom Jobim. - respondi sem pestanejar.

-Na “Veja Rio”, colocaram Tom Jobim e João Gilberto como arranjadores. - assinalou o Luca.

Bullshit! - como dizem os americanos.

E pus-me a tagarelar:

-Vinícius de Moraes conta que Tom Jobim apresentou-lhe uma partitura dizendo que compusera uma coisa engraçada...

-Eu não estou dizendo que foi o Vinícius, e sim o João Gilberto... - atropelou-me o Luca.

-Espera lá! Na biografia do Vinícius de Moraes, escrita pelo irmão do Toquinho, eu li o depoimento dele sobre a música que deu a partida na Bossa Nova. Vinícius, que escrevia uma letra de canção com incrível rapidez, confessa ao biógrafo dele, que levou quinze dias para criar uma letra para “Chega de Saudade”, pois havia alternâncias de tom maior e menor, dissonâncias, acordes. Quando o João Gilberto tomou conhecimento “enlouqueceu”, segundo o Vinícius. O arranjo, com aquela introdução que é uma homenagem ao choro, é da autoria de Antonio Carlos Jobim, João Gilberto entrou com a batida.

Insistente, Luca telefonou para a filha e pediu que ela lesse o polêmico trecho da “Veja Rio”. Enquanto a Carolina procurava a revista, a Kiara pegou o telefone e encomendou alguns pedidos ao avô.

-Lê-se muita besteira por aí; temos de filtrar no cérebro o que entra pelos nossos olhos. - comentei com o Vagner, enquanto a atenção do Luca convergia para as palavras da revista, reproduzidas pela filha.

Meu irmão, confessando-se polemista, caricaturou o canto sussurrado do incensado artista baiano e fez todos rirem. Luca, depois desse momento de descontração, voltou à carga. Pediu a presença do Daniel.

-Recebi o seu e-mail do jogo de ping-pong.

Assim, o meu sobrinho se apresentou ao Luca, no Sabadoido, para, em seguida, imitá-lo:

-Eu joguei muito... Eu estava endiabraaaado.

-Daniel, você conhece os parceiros do Cazuza?

-Não sou de ouvir as músicas do Cazuza, mas o Frejat foi o parceiro dele mais conhecido.

-Você pode ver na internet se há composições do Cazuza com a Bebel Gilberto, filha do João Gilberto?

-E sobrinha do Chiiiiiico. - gozou meu irmão.

Eu pegava o rescaldo de temas que foram levantados no início da sessão do Sabadoido, enquanto me entretinha com a caixa de correspondência do computador. Assim, peguei uma frase do Luca pela metade:

- Foi o grande amor da vida dele.

-Ah, sim, a filha foi o grande amor da vida do Carlos Drummond de Andrade. - reportei-me a uma matéria de página inteira do 2º caderno do Globo, naquela semana.

-Eu dizia que o Ney Mato Grosso foi o grande amor do Cazuza. Quanto ao Drummond, as mentes sujas vieram com a história de incesto.

-Ele tinha todo o direito de gostar da filha como gostou. - concordei.

-Drummond não impediu que ela fosse embora para a Argentina junto daquele sujeito com quem ela se casou. - argumentou o Luca.

-Com a idade avançada, já tendo sofrido um ataque cardíaco, nada mais natural que morresse dias depois do enterro da filha. - reforcei sua argumentação.

-Cazuza compôs, sim, umas canções com Bebel Gilberto.

Ao ouvir as palavras do Daniel, que retornava, Luca se voltou para o meu irmão:

-Pois é, Claudiomiro, há umas coisas por aí que nós não sabíamos.

Neste exato momento, a Gina chegava das compras.

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