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terça-feira, 25 de outubro de 2011

2036 - traíras, sujeito e objeto

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3866 Data: 18 de outubro de 2011

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SABADOIDO DO DIA DO PROFESSOR

PARTE II

Com o tumulto provocado com o transporte de sacolas de mercadorias de supermercado trazidas pela Gina, o Luca me entregou as cartas da Rosa Grieco. Aproveitei para passar rapidamente a vista por uma delas. A Rosa se referia ao Sabadoido em que me deparei com o folclórico Zé Peri:

“Egrégio pai-solteiro do Cláudio casado: não se abespinhe com o Peri, já fui abordada por um amigo da minha irmã Gioconda, o desmunhecado (confirmou a suspeita) perguntou quem é a mais velha, lembre-se de que sou 14 anos mais jovem. Pau nele! Já outro, professor de escola reles e rasteira, indagou se era eu mãe de um ex-aluno, mãe solteira deve ter sido a dele.”

E a leitura da continuação da carta ficou para depois, porque o quorum se restabeleceu e a sessão do Sabadoido foi reaberta, agora com a presença da minha cunhada. Ela falava dos velhinhos que conheceu em casas de repouso, na época em que sua tia as frequentou.

-Conheci uma senhora de 108 anos, nessas visitas. Ela tinha uns olhos claros...

Como a vibração da voz da Gina se modificou no momento em se referiu aos olhos da macróbia, todos os presentes entenderam que eles eram especiais.

-Ela fazia muito tricô e as peças em que trabalhava eram bem jeitosas. Que cabeça ótima a dela!...

Os diferentes estímulos dados nas mãos induzem a uma intensa atividade do cérebro, o que permite o acelerado desenvolvimento do mesmo. O movimento de pinça com o polegar, qualidade que apenas o ser humano possui, qualifica-o a manejar ferramentas, a tricotar, e desenvolveu espetacularmente o cérebro. O cineasta Stanley Kubrick resumiu isto muito bem no maior corte, em termos temporais, da história do cinema, quando, no filme “2001, Uma Odisseia no Espaço”, o osso atirado para cima por um primata muda para uma nave especial.

-Um dia, ela escorregou, bateu com a cabeça e morreu. Uma pena, pois apesar da idade, ela estava ótima. - lamentou minha cunhada.

Cláudio lembrou, então, pessoas do nosso convívio que não sobreviveram a quedas. Enveredei pelas celebridades e, assim, o nome do jurista Evandro Lins e Silva foi lembrado.

-A morte dele foi muito esquisita.

-Luca concordou com meu irmão, que foi em frente.

-Ele estava bem, veio de Brasília e, de repente, leva um tombo e morre...

Com os meus botões, reportei-me à Alba, correspondente do Biscoito Molhado em Porto Alegre que, acompanhando o marido na posse do Raymundo Faoro, queixou-se do discurso arrastado e repetitivo do Evandro Lins e Silva. Falando em Alba, pareceu-me vislumbrar, numa das cartas da Rosa, menção ao casamento da Duquesa de Alba, por isso, estendi a mão até o livro que o Luca trazia com uns papéis entre as suas páginas.

-Depois, eu lhe mostro, Carlinhos.

O assunto futebol esquentou o ambiente, embora todos fossem tricolores, com uma exceção, a minha, que suscita suspeita.

-O Cláudio não gosta do Deco, mas eu acho que o Fluminense joga muito com ele em campo.

-O problema é que ele vive machucado. - alterou-se meu irmão.

-As jogadas dele são de craques. - reconheceu o Luca.

-O Fred, que o Cláudio disse que passou a ser um mero pivô, fez três gols num jogo. - voltou a Gina a espicaçar o marido.

-Ele aparece e some do jogo. - não dava ele o braço a torcer.

-Daniel, como o Fred comemorou o gol de bicicleta dele?...- pedi a imitação para desanuviar o clima.

-Mais preocupado em imitar o sorriso vitorioso do goleador, Daniel se pôs a dançar, como ele, com uma parceira imaginária.

-No jogo São Paulo e Flamengo, o Dagoberto faz um golaço, tira a camisa na comemoração, o que lhe custou um cartão amarelo e, em seguida, agride o Tiago Neves do Flamengo com um pontapé. Lembrei-me, na hora em que assisti a isso, do Luca, quando afirma que jogador de futebol tem Q.I. de ameba. - tagarelei.

-Quando ele chutou o Tiago Neves, merecia um prêmio. - interveio a Gina, que não admite que um jogador saia/traia o Fluminense.

-Não há clube que possa garantir, hoje, que será campeão brasileiro. - referiu-se meu irmão à indefinição da disputa pelo título.

Com a ida dele para a cozinha, onde pegaria dois copos de bebida, e as retiradas temporárias da Gina e do Daniel, houve uma espécie de recreio.

-Leia este artigo e as observações da Rosa. - disse-me o Luca, entregando-me um recorte de jornal.

Li que o articulista atribuía ao apóstolo Thiago a frase “Ver para crer”, enquanto eu me reportava, silente, ao ateu Émile Zola, em Lourdes, que ao ver milagres disse que via, mas não acreditava.

-Rosa corrigiu. Ela é danada. - disse o Luca, enquanto me passava outro recorte de jornal.

Nele, Pasquale Cipro Neto se detinha na informática e suas armadilhas, escrevendo na epígrafe:

“Quando essa gente a quem pensar dói interfere na nossa vida... Aula de lógica neles! Que tal aprender a prever?”

Rosa Grieco registrou e escreveu ao lado:

-Ô Pasquale, tá invocado?...”

Outro recorte era uma pintura de Coubert, o criador do realismo social na pintura, precisamente “L´enterrement à Ornans”. Rosa escreveu à margem:

-”Grande pintor e caprichava nas mulheres.”

Lembrei-me que caminho todos os dias, praticamente, na Rua Coubert. Entro na Rua Rouault, dobro na Coubert, paralela a Almeida Junior, depois na Degas e, em seguida, na Cézanne, para desespero da Rosa Grieco, que não admite tão excelsos pintores em Del Castilho.

Subitamente, o Luca quebrou o momento remansoso.

-Carlinhos, tenho uma reclamação a fazer: eu nunca disse que o Machado é pernambucano.

Referia-se aos meus diálogos com os taxistas da Cooperativa Metrô Táxi.

-Eu lhe disse que ele é paraibano de Guarabira.

Xinguei imediatamente a minha memória: Joaquim Silvério dos Reis!

-É verdade, Luca; troquei tudo e pela segunda vez.

-Não leve isso a sério. - contemporizou.

Cláudio colocou mais bebida nos copos, enquanto o Vagner acarinhava a gravação em DVD do Eric Clapton, que o Daniel lhe dera.

-Na última crônica do Caetano Veloso, ele reconheceu as suas deficiências em música.

-Carlinhos, ele, falando em deficiência, mostrou que conhece muito; isso é próprio do Caetano.

-Sim, Luca, mas ele necessita de alguém que escreva música para as composições dele irem adiante. O Guinga tocou violão com a Petrobras Sinfônica e revelou que tocava e parava de acordo com as sinalizações do maestro, porque se diz analfabeto para ler partituras. Ele é, na verdade, um músico intuitivo.

-O Chico foi ligado a Tom Jobim, Francis Hime, Edu Lobo, o Caetano Veloso, não. Ele tem mais méritos até que o Chico, nesse ponto. - reconheceu o Luca.

-Mas ele teve grandes arranjadores.

Meu irmão interveio no diálogo entre mim e o Luca, e citou o Rogério Duprat, como arranjador.

-Foi ele que colocou as buzinas na “Construção”, quando o operário caiu na contramão atrapalhando o trânsito.

-As buzinas foram usadas por George Gershwin em “Um americano em Paris”. - avisei.

-Foi plágio? - brincou o Luca.

-Não, quem quiser usar a buzina numa música, que use.

Os ponteiros do relógio assustaram alguns participantes do Sabadoido e, por isso, a sessão foi encerrada.

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