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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

2501 - cavalgadas históricas 2



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4301                                 Data: 27 de outubro de 2013
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NÓS NA REVOLUÇÃO DE 30
SEGUNDA  PARTE

-Carlos, o que mais me mais me impressiona, nesses anos agitados, é um gordinho baixinho, ora, parece rebelde, ora legalista, e, no entanto, se tornará ministro da Fazenda do governo Washington Luís; não por muito tempo, pois retornará para ser o presidente do Rio Grande do Sul, substituindo Borges de Medeiros.
-Você fala do Getúlio Vargas.
-Os analistas políticos mais perspicazes vislumbraram o grande futuro que aguardava o gordinho baixinho. - disse o Elio.
-Os tenentes agem, não são retóricos, mas Getúlio Vargas ajusta a ação com a retórica e não se precipita. - assinalei.
-Mas alguns tenentes já o viam com suspicácia, poucos, é verdade.
Mostrando-se aliviado, Elio prosseguiu:
-Ainda bem que não fomos transportados pela máquina do tempo para  a Coluna Prestes; eu não queria andar tanto para, depois, me autoexilar no Paraguai ou na Bolívia.
Washington Luís estava tirando do papel o seu lema: “governar é abrir estradas”; abriu a Rio-Petrópolis e a Rio-São Paulo.
Eu e Elio nos achávamos, agora, no dia 5 de maio de 1928, data inaugural da primeira ligação entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
-Veja, Carlos, a afetuosidade com que o presidente do Brasil abraça o presidente de São Paulo.
-O Júlio Prestes?... O futuro “Julinho” do jingle que empolgará a multidão na voz do Francisco Alves. - comentei em tom jocoso.
-O presidente Artur Bernardes bombardeou São Paulo quatro anos atrás, nesse momento, constatamos a diferença com o governo de Washigton Luís. É verdade que ele é o representante desse estado no governo.
 -Mas esta pacificação é só aparente.
-Sei disso, Carlos; minha mãe me ensinou bem essa matéria. Os rebeldes paulistas de 1924 se juntaram aos rebeldes gaúchos e formaram a Coluna Prestes. Para culminar, poucos têm acesso ao voto  na República Velha.
-Às mulheres, é negado o voto, aos analfabetos, também. Da população brasileira, mais da metade é formada pelo sexo feminino; o percentual de analfabetos do Brasil é espantoso; restam, então, pouco mais de 5% de eleitores no Brasil.
-E não bastassem esses poucos, as eleições brasileiras ainda eram fraudadas. - juntou o Elio suas palavras às minhas.
Paramos um pouco os nossos comentários, porque as atenções convergiam para o foguetório da inauguração da Rio-São Paulo.
Junto a nós, um cidadão, vestido com apuro, sotaque mineiro, resmungou:
-Muito esquisito esse congraçamento entre o Washington Luís e o Júlio Prestes...
-Está faltando leite nesse café. - murmuraram.
Saímos de lá com o Elio cismando em comprar o nº 1 da revista O Cruzeiro.
-Vamos Carlos, os colecionadores desembolsarão um bom dinheiro por essa raridade em 2013.
-Elio, vai demorar muito a nossa volta; esta máquina do tempo tem suas idiossincrasias.
A máquina do tempo nos adiantou por alguns meses ou por pouco mais de um ano. As ações de Wall Street tinham despencado dramaticamente. 
-Carlos, os barões do café nunca tinham prejuízo, pois os governos do Brasil sempre entravam com o dinheiro em caso de percalços na exportação.
-Mesmo os presidentes de Minas Gerais atendiam aos interesses dos cafeicultores. Era a política do Café com Leite; aprendi isso na escola.
Com o semblante vincado, Elio retomou a palavra:
-Veja: com a grande depressão que atinge os Estados Unidos, os países europeus vão diminuir drasticamente  as exportações do café. Não vai haver recursos no Tesouro Nacional que sustentem as perdas da oligarquia cafeeira.
-E o Washington Luís, que não enxerga o óbvio, indica o Julinho para o seu lugar, que também representa os interesses dos cafeeiros. - aditei.
-Carlos, vamos nos distrair antes que a situação fique mais dramática, antes de o presidente Antônio Carlos, presidente de Minas Gerais, se insurgir porque o seu estado foi bigodeado.
-Bigodeado – ri com a palavra – José Sarney buscou grandes mestres no passado.
Em seguida, voltei-me para ele:
-Qual a diversão que você sugere?
-Vamos ao  Corcovado ver o Cristo Redentor.
-Falta um ano, Elio, o Cristo Redentor é de 1931.
-Vamos assistir, então, ao “Limite”, de Mário Peixoto.
-Eu já vi duas ou três vezes na televisão. O Mário Peixoto até forjou uma carta de Eisenstein elogiando o filme, aprendeu, certamente, com a nossa turbulenta política dos anos 20. Tirante isso, é uma película de altíssima qualidade.
-Então, vamos visitar a Chiquinha Gonzaga que reclama, porque, octogenária, nunca votou na vida.
E lá foram eles. A fratura na sociedade brasileira se acentuou ainda mais com a insatisfação de muitos conservadores.  Minas Gerais se sentiu traída e se uniu aos demais estados descontentes. Os mineiros rompem com o PRP (Partido Republicano Paulista) e é formada a Aliança Liberal que lança Getúlio Vargas ao cargo máximo com João Pessoa como vice. O programa de governo é animador: anistia, voto secreto, voto feminino e jornada diária de trabalho de 8 horas.
-Sei que não votarei tão cedo pela primeira vez, pois a Aliança Liberal não vencerá as eleições.
-Lamentável, Chiquinha. - mostramo-nos penalizados.
-A Aliança Liberal não vencerá porque existe fraude na apuração dos votos.- bradou a grande compositora.
E estava certa. Com a vitória de Júlio Prestes, falava-se, até no meio do povo, em revolução, contudo, Getúlio Vargas e João Pessoa reconheceram a derrota nas urnas.
-Sabe por que eles reconheceram a vitória do Júlio Prestes, Carlos? Por que temem que o povo pegue em armas. Estão bem vivos na mente deles os bolchevistas na Rússia e as assustadores greves operárias que infernizaram São Paulo, principalmente, de 1914 a 1917.
-E Luís Carlos Prestes já virou comunista. - lembrei.
A conspiração se espalhava por todo o país.
Em Minas, Antônio Carlos declarava:
“Façamos a guerra antes que o povo a faça.”
Considerei essa declaração e comentei com o Elio que os esquerdistas se reportarão ao sentido da frase do aristocrata do livro do Príncipe de Lampedusa, aquela frase, quando eclodiram os combates na Itália, no século XIX: “Se queremos que tudo permaneça como é, faz-se necessário que tudo mude.”
Em seguida, veio da Paraíba a declaração de João Pessoa, que são preferíveis mil Júlio Prestes à revolução. Por ironia, o seu assassinato, numa confeitaria foi o estopim da luta armada.
Era 3 de outubro de 1930, quando o comandante da 3ª Região Militar de Porto Alegre foi preso. Minas logo aderiu aos rebeldes e Pernambuco também. No Paraná, o exército depõe o presidente do estado. Getúlio Vargas, à frente das tropas gaúchas, se une aos paranaenses e estabelece seu quartel-general em Ponta Grossa. Poucos dias depois, marcha para a Capital Federal.
-Elio, o presidente Washington Luís, em fim de mandato, não arreda pé do Palácio do Catete e enviou tropas legalistas para o enfrentamento com os rebeldes.
-Vamos ver isso. - vibrou o Elio.
Chegamos a Itararé, onde aconteceria, segundo muitos, a maior batalha que a América do Sul já presenciou.
-Lembrará Waterloo. - garantiu um adepto de Júlio Prestes, que acreditava que ele tomaria posse do governo na data aprazada.
O que vimos eu e Elio? Nada, isto é. Os legalistas passaram para o lado dos soldados comandados por Getúlio Vargas.
-Sabendo disso, Washington Luís já deve ter feito as malas no Palácio do Catete. - previ.
-Carlos, ele é um sonhador, acredita até na recuperação do preço do café. Ele permanece no palácio.
Elio estava certo, ele foi preso e enviado para o Forte de Copacabana. Júlio Prestes, por sua vez, exilou-se no consulado da Inglaterra.
Os soldados gaúchos amarraram seus cavalos no obelisco de granito, enquanto a Junta Militar reconhecia Getúlio Vargas como chefe do governo provisório.
-Governo provisório que durará quinze anos. - comentei.
-Carlos, vamos ver o Zepelim, daqui a pouco ele passará sobre as belezas do Rio de Janeiro.
E fomos ver o Zepelim.


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