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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

2497 - pega na mentira



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4297                                    Data: 21 de outubro de 2013
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A MORTE DO TANCREDO

Parecia jogo do Brasil naquela manhã de 15 de janeiro de 1985; rádios e televisões dos locais de trabalho estavam sintonizados na disputa entre Tancredo Neves e Paulo Maluf pelo cargo de Presidente da República no Colégio Eleitoral. Onde eu trabalhava, não era diferente o clima de ansiedade; todos paramos o serviço e nos grudamos ao rádio; alguns, mais afortunados, conseguiram se colocar diante da televisão.
Conforme os votos eram cantados, nós vibrávamos ou xingávamos. Quando foi anunciado o voto que garantiu a vitória do Tancredo Neves, a loucura foi de gol do Brasil na Copa do Mundo. Corri para a janela, debrucei-me no parapeito do 11º andar e presenciei uma chuva torrencial de papel picado. Quando eu vi algo parecido?... Muitos e muitos anos atrás, décadas, quando, diante da televisão, me assombrei com tantos papeizinhos que pingavam sobre o Presidente dos Estados Unidos, Eisenhower, em visita ao Brasil. Agora, eu não era mero espectador, também participava da festa.
Poucas horas depois, almocei e fiz o de costume: fui à Corretora Caravello. Lá estava o Coronel, que me cochichava medidas violentas que tomaria contra os grevistas, justificando tanta truculência com a sua formação militar –  até ele demonstrou contentamento com a vitória do Tancredo Neves;  fez-me, porém, uma veemente ressalva: não engolia o vice do Tancredo, o José Sarney, que se comportou como um “canalha oportunista”.
A alegria dos investidores da Caravello era contida, pois ali o dinheiro, como nos romances de Balzac sobre a ascensão da burguesia, estava sempre presente como o alvo a ser atingido. Uns lembravam que, quando Paulo Maluf derrotou Mário Andreazza, na convenção do PDS, a bolsa subiu bastante, outros garantiam que, caso ele derrotasse o Tancredo Neves, o preço das ações se elevaria como foguete de rojão. Mas a ojeriza à corrupção fazia com que todos vissem com simpatia, pelo menos, a derrota daquele que inspirou o verbo malufar.
Os dias transcorreram e os petistas, que não eram muitos, ouviam os nossos impropérios, porque o partido deles expulsara os deputados José Eudes, Bette Mendes e Aírton Soares, pelo fato de desobedecerem as ordens da cúpula, pela abstenção e votarem no Tancredo Neves para a Presidência da República.
E quando o futuro Presidente da República veio inaugurar um escritório eleitoral no prédio da Avenida Rio Branco, onde havia uma loja do Mc Donalds, localizado justamente defronte ao nosso local de trabalho?!... Foi uma loucura: todos nós disparamos para a janela, do 7º ao 21º andar, da SUMAMAM, na suposição que a nossa visão seria de camarote. Ilusão pura, pois a loucura na calçada era ainda maior: cercado por todos os lados, como um ídolo do Rock n'Roll o futuro mandatário do país sumiu na multidão. Vi, pelo menos, a sua calva brilhando ao sol e, até hoje, não posso ler o conto do Medeiros e Albuquerque em que dedica muitos parágrafos à ofuscante careca do Professor Raposão, sem que essa cena a inauguração daquele escritório retorne às minhas retinas.
-Como o Tancredo Neves escolhe o Francisco Dornelles para ser ministro da Fazenda, um homem que serviu à ditadura?... - assanharam-se os petistas.
 Mas a crítica mais contundente era o nepotismo, que, pelo fato de o futuro ministro ser sobrinho, tinha fundamento, pois a própria palavra se originou dos sobrinhos cardeais nomeados pelos papas, cardinale nipote em italiano. O jornal O Globo veio em defesa do futuro Chefe da Nação e dedicou uma página inteira ao currículum vitae do Francisco Dornelles. Como sabemos, ele não atuou por muito tempo como ministro da Fazenda e, nesse período, tentou conter a inflação adiando o aumento do preço da gasolina, o que se faz hoje, mas isso é outra história.
Bem, Tancredo Neves era, para a maioria dos brasileiros, a esperança de um Brasil democrata e próspero com a Nova República.
Não há bem que sempre dure. No dia em que seria empossado Presidente do Brasil, mal acordo e sou alvejado pelo meu pai com uma notícia: “Tancredo Neves foi internado às pressas no hospital e não pôde assumir.”
E veio o drama que as Organizações Globo potencializou ainda mais. Os boletins médicos lidos pelo porta-voz Antônio Britto paravam toda a nação. As novas sobre o estado de saúde do Tancredo Neves eram boas, mas muitos desconfiavam se nelas não estava a velha mentira.
-Carlos, quem nos garante que ao abrir a barriga dele não encontraram um câncer? - dizia-me o Coronel, que não cria na versão oficial, que falava em diverticulite.
Enquanto isso, os preços das ações despencavam. Paulo Laranja, que assim era chamado por negociar com essa fruta, desesperava-se, pois entrara na jogatina do mercado de opções como comprador e via seu dinheiro escoando pelo ralo a cada dia que passava. Certa vez, um pregão da bolsa de valores foi interrompido para que ouvíssemos o Antônio Britto anunciar que, segundo o professor-doutor Henrique Walter Pinotti, as funções intestinais do Tancredo Neves foram restabelecidas.
As ações continuaram em queda e o Paulo Laranja chegou ao desespero:
-O homem já está cagando e a bolsa  não sobe! (desculpem-me, mas estou sendo fiel aos fatos).
Faltava uma fotografia que mostrasse ao povo brasileiro que ele se restabelecia – era o clamor geral.
 E a fotografia do presidente cercado por uns seis professores-doutores, foi estampada nas primeiras páginas de todos os jornais, mas não convenceu. Sabe-se hoje que uma farsa foi montada para essa foto e a leviandade cometida pelo professor-doutor citado.
Pinotti, segundo o anestesista Ruy Vaz Gomide, partícipe das inúmeras cirurgias sofridas pelo Tancredo Neves iludiu a todos sobre o real estado de saúde do paciente.
E o drama prosseguia.  A esperança de um desfecho feliz se afastava a cada dia.
Os mais otimistas comparavam o Tancredo a Moisés, que conduziu o seu povo até Canaã sem lá entrar.
-Canaã com o José Sarney?!... - reagiam os mais realistas.
Os menos sensíveis apostavam sobre o dia em que seria anunciada a morte do presidente. Aqueles que apostaram no dia 21 de abril, argumentando que seria o dia ideal, pois o uniria a outro mártir, e ganharam.
No meu trabalho, os festeiros de antes, agora conformados com o destino, já se alegravam com a perspectiva de um feriado nacional.
E foi o que aconteceu: a morte do Tancredo Neves foi anunciada no dia 21 de abril de 1985, e foi decretado feriado no dia 22 de abril. Somente a Norma, a datilógrafa, foi trabalhar; bateu com a cara na porta fechada e voltou para casa. (*)

(*) por que as datilógrafas são sempre mal informadas? Pergunta, enquanto corujava esta edição, de um filosófico Dieckmann ao Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO.

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