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quarta-feira, 2 de outubro de 2013

2480 - presentes e decepções

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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4280                    Data:  23 de  setembro de 2013
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O SABADOIDO CADA VEZ MAIS DOIDÃO
PARTE II

E continuamos a falar sobre a cinebiografia do Sérgio Buarque de Holanda.
-O depoimento mais louco foi do Carlinhos Brown.
-Não podia deixar de ser. - ironizou meu irmão.
-Aparecem a Helena Buarque de Holanda, o filho dela e, logo em seguida, o Carlinhos Brown com uma espécie de sunga indiana e um turbante.
-Não estava com a caxirola na mão, que ele inventou para a Copa de 2014, que daria um dinheirão para ele e outros interessados?
Respondi que não e passei a falar da loucura dele, que foi cismar com a mulher que o pai do seu sogro era o do dicionário, o Aurélio Buarque de Holanda. Depois, descobriu que não, que se tratava do autor do “Raízes do Brasil”.
-Que, certamente, ele continua sem ler. - adivinhou meu irmão.
-As locações dos Buarque de Holanda não são hollywoodianas, mas tem seu luxo, além de serem amplas. E pensar que o patriarca da família teve uma vida frugal...
-De quando é o filme?
-De 2004.
-Então, a Ana de Holanda não era ainda ministra da Cultura. - deduziu.
-A ideia dessa homenagem partiu dela e o Sérgio Buarque de Holanda merecia essa e outras, mas não ser nome de petroleiro. - afirmei.
-E o gosto do Sérgio Buarque de Holanda pela música popular brasileira? - quis saber.
-O Antônio Cândido declarou que ele gostava muito da nossa música, mas que não entendia nada, que a Maria Amélia sim, sabia o nome de todas as canções e os compositores.
-Foi ela que fez o Chico Buarque se tornar tricolor, levando-o para assistir aos jogos do Fluminense. - acrescentou meu irmão esse fato que não foi dito na fita.
-O melhor depoimento de todos, que até recebeu aplausos, foi o do Antônio Cândido. Ele disse que ganhou do Sérgio Buarque de Holanda 400 livros e que, caso o seu amigo não se desfizesse dos livros por falta de espaço em casa, formaria uma valiosa biblioteca de 40 mil volumes.
-E por que ele se desfez dos livros?
-Ora, Claudio, por causa da Maria Amélia; não havia espaço mais em casa para tantos livros; ela, então, o proibiu de comprá-los e mandou que se desfizesse de alguns.
-Estava ela certíssima! - bradou a Gina, que retornava à cozinha.
-O espaço que o filho usa como campo de futebol, o pai usaria, certamente, como biblioteca. - imaginei.
-A Gina me obriga não só a me desfazer de livros, como dos meus discos de vinil e dos meus filmes em VHS.
-Você não vai entulhar esta casa de velharia.
Antes que brotasse uma discussão, lembrei que o grande intelectual de “Raízes do Brasil” e de outras obras, afirmou, até pouco antes de morrer, que devia tudo à mulher, que nunca lhe faltou com seu apoio.
Meu irmão anunciou que ia comprar pão e a Gina passou às reminiscências da sua meninice.
-Quando eu era muito pequena, eu gostava de bonecas e a Jura, não. Meu pai vivia com dificuldades e o meu padrinho Arlindo satisfazia os caprichos meus e da minha irmã. Então, veio a época do radinho de pilha; minha mãe, por exemplo, só se deslocava de um lado para outro com o radinho de pilha.
-Eu me lembro, quando lançaram o rádio Spica, no milagre econômico do Japão. - interrompi. (*)
-O meu sonho era ter um radinho de pilha e eu julguei que ganharia um de presente do meu padrinho no aniversário.
-E ganhou?
-Carlinhos, quando abri o pacote e vi que eram três volumes da Enciclopédia Lello Universal, que cara de decepção que fiz. Ainda morro de vergonha quando me lembro.
E continuou:
-Anos depois, na escola, recorri inúmera vezes a esses três volumes, o que foi muito útil, mas a minha decepção no dia do meu aniversário....
-Gina, aconteceu comigo quase a mesma coisa.  O Tio Lopinho, que ainda passava por dificuldades, deu-me um Long Playing de ópera no dia dos meus anos.
-Minha mãe, que o conheceu em São Cristóvão, dizia que ele era louco por óperas.
-Sabendo que eu era dos poucos sobrinhos, talvez o único que gostava, deu-me esse LP. Quando eu abri e me deparei com a “Lucia de Lammermmor”...
-Não era uma boa ópera?
-Excelente, mas vim saber disso depois; na época eu era fanático mesmo por “Cavaleria Rusticana”, “Os Palhaços”, “Traviata”... Eu queimei etapas como adepto do canto lírico; só vim a me deslumbrar com a obra lírica de Mozart, por exemplo, com uns 25 anos de idade.
Ela me observava, e eu prosseguia:
-A cara de decepção que fiz ao abrir o presente!... Não gosto de lembrar porque sinto uma tremenda vergonha regressiva.
Quando o Daniel voltou para a cozinha, o assunto que palpitava era o julgamento do mensalão.
-Por um lado, Gina, se o voto do Celso de Mello fosse contrário aos mensaleiros daria a muitos a impressão que a impunidade acabou no Brasil e ela está mais viva do que nunca. Ninguém fala, por exemplo, do caso Lula e Rosemary, em que a corrupção foi terrível.
-Carlão, não fale uma coisa dessas na Casa da Moeda.
-Por que, Daniel, são todos lulistas?
-Todos.
-Daniel, no segundo mandato do Lula, eu recebi um polpudo aumento de salário, mas não vou perder os meus princípios por isso. O que se vê mais por aí é gente pensando em política com o umbigo em vez do cérebro.
-Fala baixo, Carlão. - disse com o dedo indicador no meio dos lábios, fingindo medo.
-Na Alemanha, os próprios sindicatos aceitam baixos salários quando é necessária a recuperação do país.  E qual o país mais possante da Europa? E ainda recuperaram a parte oriental, que foi degradada pelo comunismo, quando voltou a ser um só país.  Quanto ao Brasil...
Como a política não atrai meu sobrinho, ele retornou às músicas do seu teclado, a Gina o seguiu, enquanto meu irmão voltava da padaria.
O futebol veio à tona.
-Eu não me conformo que o Cafu, um jogador limitado, tenha vestido a camisa da seleção brasileira mais vezes do que todos.
-E quantas vezes ele vestiu, Claudio?
-142 vezes, e, em segundo lugar, está o Roberto Carlos, 125. Em terceiro, sim, aparece um craque, Rivelino.
-Quantas vezes?
-120 vezes, com 40 gols. Ele jogou na grande época dos meias-armadores. Não tinha lugar para Dirceu Lopes, para o Ademir da Guia...  O próprio Rivelino jogou na ponta-esquerda na Copa de 70.
-O Gérson era absoluto. - afirmei.
-Carlinhos, o Rivelino foi um jogador excepcional, não devia nada ao Gérson. Havia só uma diferença entre eles, o Gérson marcava os adversários.
-E tinha a visão de todo o campo de jogo.
-Rivelino também tinha. (**)
A discussão não prosperou porque o telefone tocou.
Era o Luca.

(*) O termo milagre econômico se refere apenas à Alemanha Ocidental, cuja economia foi conduzida com mão de ferro pelo Ludwig Ehrard e dá resultados até hoje, apesar de ter que incorporar a ‘outra’ Alemanha, que é uma espécie de Noroeste Fluminense a oeste do Rio Oder.
(**) “Claro que tinha, mas no par ou ímpar, o Gérson seria sempre escolhido antes pro meu time de pelada” disse o Dieckmann, consultado pelo Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO por ser uma opinião sensível e absoluta no terreno do futebol, pois que ainda o pratica toda semana. Relevantemente.





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