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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

2481 - sabadoidado



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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4281                    Data:  24 de  setembro de 2013
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O SABADOIDO CADA VEZ MAIS DOIDÃO
PARTE III

Os telefonemas do Luca são rápidos, esses do Sabadoido, bem entendido, mas o tempo do Claudio naquela ligação com ele durava.
-Luca não vem. - previu a Gina.
Sim, não vem, pois o uso do celular para avisar que chegou simplesmente substituiu o seu grito de “Claudiomiro”, no portão, que o Daniel deu de imitar.
-”Só imito os grandes artistas.” - disse-lhe o meu sobrinho, mas não o convenceu, ainda mais que o Luca já o vira imitando diversas vezes o Lula, o Maluf, o Clodovil e até o Scooby Doo.
-Luca vem, mas para ficar apenas quinze minutos, pois tem de fazer companhia à Glória, que passou por um teste de saúde rigoroso. - informou o Claudio assim que desligou o telefone.
Daniel entrou na cozinha, fatiou um pãozinho, recheou de manteiga e praticou a atividade mastigatória com louvor.
-Ontem foi o aniversário da Candinha.
-Pois é, Gina, eu soube hoje no Facebook e lhe enviei parabéns envergonhados pelo atraso.
-Carlão, ela não foi da sua turma no curso primário? Eu vi a fotografia de vocês no computador.
-Uma amiga de infância que se tornou amiga virtual e assim, recebeu minhas saudações no dia do seu aniversário. Vejam como o mundo muda. - observei.
O telefone tocou outra vez; era o Luca avisando que já estacionara o carro na calçada. Meu irmão pegou o molho de chaves que abriria o portão, enquanto eu passei a arrumar os cadernos do Globo que ficaram espalhados sobre a mesa.
Encontrei na antiga garagem do fusquinha da Gina, local das sessões do Sabadoido, o Claudio e o Luca, acomodados nas suas cadeiras privativas e a Gina, no lugar do Vagner que, pelo avançado da hora, não apareceria mais.
Luca discorria sobre o exame a que sua mulher foi submetida, com interrupções pertinentes da Gina.  Depois de telefonar para casa, certificando-se que tudo corria bem, passou a narrar suas mazelas.
-Luca, essas dores que você sente não são as provenientes das horas que você passa jogando pingue-pongue?
-Luca me respondeu trocando, sem estardalhaços, pingue-pongue por tênis de mesa, e acentuado o fato que havia, agora, uma novidade assustadora: a dor se irradiava para o braço esquerdo.
Não havia necessidade de ser psicóloga, como a Gina, para concluir que o estado de saúde da glória afetou o seu estado emocional.
Meu irmão, que pretende impedir que as doenças sejam assunto das nossas reuniões, assim como o futebol, a política e a religião eram banidas do Sabadoyle, conseguiu inserir a votação dos embargos infringentes na nossa conversa.  Luca se empolgou:
-Você viu todo o voto do Celso de Mello, Claudiomiro?
-Um voto de mais de duas horas?... Eu não. - respondeu com gestos de impaciência.
-Eu tenho mais o que fazer. - seguiram as palavras da Gina as dele.
Em duas horas, pode-se ver uma obra-prima do cinema, ouvir até duas sinfonias de Beethoven, ou três concertos de Mozart, ler um conto de Machado de Assis... - pensei sem me manifestar.
-Eu vi, inegavelmente havia muita erudição ali, coisas para se aprender. Eu chamava a Glória para assistir, mas ela respondia que não queria saber daquilo, que estava descrente da justiça no Brasil.
Reportei-me, em silêncio, aos comentários da Candinha no Facebook e inferi que as duas irmãs, como  a maioria dos brasileiros lúcidos, estavam desiludidas com as instituições brasileiras.
-Tenho aqui uma crônica muito boa do Ruy Castro, na Folha de São Paulo... - disse o Luca, entortando o corpo para apanhá-la na mesinha, e pôs-se a lê-la.
-Ele é um petista. - interrompeu-o com aspereza meu irmão.
-Cláudio, eu nunca li nada do Ruy Castro em que ele se mostrasse petista. - intervim.
-Deixe-me ler, Claudiomiro, que você vai se surpreender.
Na crônica, intitulada “É de arrepiar”, Ruy Castro enumerava os terrores pretéritos que apavoravam as pessoas; citou Drácula, Múmia, Frankenstein, e outros como Manguito Rotator (grupo de músculos e tendões para estabilizar o ombro), Espiroqueta Pálida (treponema pallidum, bactéria que provoca a sífilis), Espondilite Anquilosante (inflamação incurável na coluna vertebral). Então, o cronista, na voz do Luca, chega ao terror de nosso tempo, que é inexplicável, como o do filme “Os Pássaros”, de Hitchcock, ou incompreensível, como o holocausto atômico de “Dr. Fantástico”, de Stanley Kubrick. E a crônica e a leitura foram encerradas com o terror que provoca arrepios: os “Embargos Infringentes.”
Rosa recortou do mesmo jornal outra crônica sobre o assunto, de Marcelo Coelho, que não foi lida, mas que contém um trecho que merece ser transcrito:
“Surgiu Barroso, é verdade, já no final da história. Estava, entretanto, no papel de trovador, dedilhando o alaúde dos fatos consumados. Mas sua voz canora não se contentou com o papel de acompanhante; quis chamar a atenção, quis o estrelato televisivo, e aí desafinou. Marco Aurélio de Mello colocou o “novato” no seu devido lugar.
Então, veio do portão um chamado intempestivo: era o Vagner.
-Ele chega na hora de eu ir embora. - reagiu o Luca.
-Vocês, agora, vão ficar aqui. - impôs o Claudio.
Vagner sorriu ao escutar as queixas pelo seu atraso, e se acomodou na cadeira onde se portaria como espectador passivo.
Luca trouxe à baila o romance de John Steinbeck, citado  por  Marco Aurélio de Mello, no seu voto, mas logo foi aparteado pelo Claudio:
-Eu pensei que um escritor não recebesse o Nobel por um livro, mas estava enganado.
-Claudio, eu acredito que o prêmio é dado pelo conjunto da obra e por determinado livro. Acredito que Gabriel Garcia Márquez, por exemplo, não teria ganhado o Nobel se “Cem Anos de Solidão” fosse o seu primeiro romance. - manifestei-me.
Meu irmão se reportou, em seguida, ao programa de negociantes do “History Channel”, “Trato Feito”, em que apareceu um camarada ofertando por 600 dólares o romance “O Velho e o Mar” com um autógrafo do Ernest Hemingway.  O negócio foi sacramentado por 300 dólares, porque se tratava da 1ª edição e a assinatura, controvertida. E o comprador ainda citou uma negociação que fizera com “Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, que, segundo ele, era de 1936.
Então, várias dúvidas pulularam como rãs depois da chuva. Encarregaram a Gina de consultar o Google sobre os vencedores do Prêmio Nobel da Literatura. Como Tolstoi, Marcel Proust, Carlos Drummond de Andrade, Jorge Luís Borges, entre outros, não receberam essa láurea, demonstrei pouco entusiasmado com essa busca no computador, ao contrário do Luca e do Claudio, movidos pelo debate.
Gina trouxe até nós o seu notebook e as dúvidas foram dirimidas:
-”Vinhas da Ira” é um livro de 1939, não de 1936;
-Em 1936, o laureado pelo Nobel foi o sogro de Charles Chaplin, Eugene O`Neil;
-John Steinbeck recebeu o Nobel em 1962 e “O Inverno de Nossas Desesperanças” é de 1961.
E o assunto passou a ser cinema, devido ao trecho de uma carta da Rosa sobre o elenco de Johnny Guitar. E com debates cinematográficos se encerrou mais uma sessão do Sabadoido.





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