Total de visualizações de página

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

2327 - caçador de casada


-------------------------------------------------------------------------
O BISCOITO MOLHADO
Edição 4127                             Data: 09  de fevereiro de 2013
-------------------------------------------------------------------

80ª VISITA À MINHA CASA

Un bel di vedremo...
-Puccini?!...
-Meu nome é tão extenso quanto os da nobreza, eu até me esqueci dele todo. - demonstrou modéstia.
-Giacomo Puccini, você descobriu que nasceu para compor óperas quando assistiu a uma representação da  Aída  de Verdi em Pisa?
-Foi como uma epifania... Eu tinha dezessete anos de idade e, com meu irmão Michele, caminhamos trinta quilômetros até o teatro de Pisa.
-Não foi um footing, como muitos atletas praticam hoje?...
-Foi falta de dinheiro, mesmo. - confessou com um sorriso na comissura dos lábios.
-O que eu conheço da sua biografia, eu aprendi na Rádio MEC, a escola que eu acompanho dos treze anos de idade até hoje, ou por publicações. Sei, por isso, que você pertencia a uma dinastia de músicos.
-Essa dinastia, toda estabelecida na cidade de Lucca, remonta ao início do século XVIII. Meu tataravô, que também se chamava Giacomo, foi mestre de capela da Catedrale di San Martino. Sucedeu-o seu filho, Antonio Puccini, meu bisavô; depois, Domenico, meu avô; em seguida, Michele, meu pai. Minha família ocupou o cargo de mestre de capela da Catedrale di San Martino por 124 anos ininterruptos.
-Você nasceu, então, com o destino traçado: ser mestre de capela.
-Quando meu pai faleceu, eu tinha apenas seis anos; com essa idade, nem Mozart teria condições de ocupar esse cargo. Mas não me afastei da Catedrale di San Martino, integrei o coro infantil e, mais tarde, substituí o organista.
-Então, a criançada que participa do primeiro ato da Tosca, na Igreja de Sant' Angelo, na Tosca, foi uma alusão à sua infância?
-Sim.
-E a sua educação musical?
-Recebi noções gerais de música no seminário de San Michele e no seminário da catedral. Nessa época, meu tio Fortunato Magi supervisionou meu aprendizado. Obtive meu diploma da Escola de Música de Paccini, com vinte anos de idade, mais ou menos.
 -Tudo isso na cidade de Lucca?
-Sim; estudava, então, com o Tio Fortunato. Eu fiquei por um bom tempo preso às raízes. Porém, uma doação da rainha da Itália e o auxílio de outro tio me permitiram o prosseguimento dos estudos no Conservatório de Milão.
-Em Milão se encontravam os maiores mestres da Itália. - intervim.
-Estive no Conservatório por três anos, onde estudei composição com Amilcare Ponchielli, Antonio Bazzini e Stefano Ronchetti-Monteviti.
-Ponchielli não se enquadrava na frase de Bernard Shaw, “quem sabe faz, quem não sabe ensina”; pois ele compôs uma grande ópera, La Gioconda.
Depois de concordar comigo, foi adiante.
-Com a bagagem que obtive, até então, compus uma Missa, que era uma espécie de obrigação minha pela duradoura ligação da minha família com a igreja, mas já sentia que não estava predestinada à música sacra.
-Para a tese final de composição do Conservatório de Milão, você compôs o Capriccio Sinfonica, que impressionou sobremaneira seus professores.
-O meu Capriccio  agradou a muitos, recebeu elogios em algumas publicações milaneses e obtive a reputação de um jovem promissor no mundo da música.
-Estava aberto o seu caminho como compositor de óperas?
-Discuti o assunto com Ponchielli, que me incentivou muito. Apresentaram-me, então, a um jovem libretista de nome Ferdinando Fontana. Compus, sobre o libreto dele, a ópera Le Villi, que participou de uma competição, mas não ganhou.
-A mesma competição que Pietro Mascagni participou, poucos anos após, com a Cavalleria Rusticana, venceu, mas depois não obteve sucesso maior, mesmo tendo composto óperas por mais cinquenta anos?
-Esse mesmo; eu tinha vinte e cinco anos, quando competi, e o meu colega  Mascagni, também.
-Depois, veio a ópera Edgar com o mesmo Ferdinando Fontana como libretista.
-Um fracasso!... Edgar quase custou a minha carreira.
-Sugeriram a Ricordi que não editasse minhas óperas, mas ele confiou em mim, e bancou a minha próxima ópera com o seu próprio dinheiro.
-Você tinha de acertar dessa vez. - dramatizei.
-Para isso, afastei o Fontana. Giulio Ricordi me sugeriu o Ruggiero Leoncavallo que comporia o estrondoso sucesso, Os Palhaços, libreto e música. Ele, porém, não me agradou como letrista. Apareceram quatro, levei-os à loucura com as minhas exigências e as mudanças que eu mesmo fazia na estrutura da ópera, no fim, entendi-me com dois desses libretistas, Luigi Illica e Giuseppe Giacosa.
-E a sua terceira ópera, Manon Lescaut conseguiu um sucesso extraordinário.
-Tornei-me o líder operístico da minha geração.
-É uma ópera que nunca me canso de ouvir, não me satura. - afirmei.
-Com o regalo financeiro, eu, que passava meu tempo em Torre del Lago, a vinte e quatro quilômetros de Lucca, aluguei uma casa lá, trabalhando na minha quarta ópera e espairecendo com as caçadas.
-De mulheres?...
Sorriu com a minha indiscrição.
-Eu me envolvi com uma mulher casada, Elvira Gemignani, depois casamos.
  -Voltando à sua quarta ópera, La Boheme, é uma das mais encenadas da história da música lírica. - enalteci.
-Trabalhei três anos nela.
-Nessa ópera, não há como negar que você retratou a sua própria pobreza, o tempo em que tinha de andar trinta quilômetros para assistir a Aída, no poeta, no pintor, no filósofo e no músico.
Puccini confirmou com um sorriso e um gesto de cabeça, e eu continuei:
-Até Bernard Shaw, temido pela sua crítica ácida, da qual não escapou nem o consagrado Fausto de Gounod, derreteu-se em elogios diante de La Boheme.
-Arturo Toscanini, meu grande amigo, regeu a sua estreia em Turim, em 1896.
-A ópera seguinte foi Tosca.
-Eu assisti a uma peça de teatro de Victorien Sardou, com Sara Bernhardt, em 1889, chamada Tosca. Eu via a peça e a música vinha à minha cabeça. Isso em 1899, no ano seguinte, a ópera era encenada.
-Tosca foi a sua primeira incursão no “verismo”, a representação das muitas facetas da vida real, incluindo a violência, como a tortura de Mario Cavaradossi. - tagarelei.
-Eu trabalhava duro, mas queria também viver. Eu era apaixonado por carros. Fui um homem do meu tempo; personagens de Proust se queixavam dos carros substituindo as carruagens, eu não.
Abruptamente, volatizou-se, dizendo que retornaria logo, enquanto eu gritava, quase histérico, que ainda faltavam muitas óperas para ele falar,

Nenhum comentário:

Postar um comentário