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segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

2320 - ossos do ofício


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4120                           Data: 27  de janeiro  de 2013
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SABADOIDO DOS OSSOS AVARIADOS

Na televisão, a bielorrussa Azarenka e a chinesa Na Li decidiam o Aberto da Austrália, o que não impediu que o Claudio visse o jogo, lesse o jornal e falasse comigo.
-Você já leu a parte em que o Palácio Piratini correu o risco de ser pulverizado no livro que a Rosa me deu?
-Já estou muitas páginas na frente, Carlinhos.
Logo, a sua atenção se dirigiu para a televisão:
-A chinesa é irregular, venceu o primeiro set, mas agora erra bolas fáceis. - comentou.
-Disse o Dieckmann (*) que aqueles aviões F8 não tinham esse poder de destruição, que não pulverizariam o Palácio Piratini.
-Eram 16 aviões, bombas de 240 libras... Viu esse petardo que a Azarenka deu e a chinesa devolveu? - emendou os dois assuntos diversos.
-Segundo o Dieckmann, os britânicos construíram o F8, chamado Gloster Meteor e os preservaram do confronto com os Messerschmitt alemães. No fim da guerra, colocaram-nos à venda e os países da América do Sul se interessaram logo. Pelo que escreveu ele o som do motor desses aviões é maravilhoso como uma sinfonia de Beethoven.
Nesse instante, uma cena na televisão atraiu todas as atenções: a chinesa Na Li despencou no chão.
-Parece que ela bateu com o crânio na quadra. - preocupei-me.
-Vamos ver o replay. - disse ele.
Quando o lance da queda foi repetido, vimos que a tenista pisou o chão com o pé entortado o que a fez cair e bater com a cabeça.
-O osso do tornozelo... - alarmou-se o locutor.
-Ela bateu com a nuca como a mamãe semana passada. - comparei.
-Se a quadra fosse de saibro, amenizaria a pancada. - observou.
-Existe aquela lei de Newton que diz que a toda ação corresponde uma reação em sentido contrário de igual intensidade. Ela caiu primeiro, de bunda no chão, depois sim, seu crânio se chocou com a quadra, mas o impacto maior foi na bunda. - disse meu sobrinho que adentrara a cozinha minutos antes e vira o acidente.
Com o tornozelo, não houve nada, a preocupação da médica que a socorria era com seus reflexos. A tenista reagia com um sorriso que lhe iluminava todo o rosto. Quando a partida recomeçou, eu, que torcia pela bielorrussa, passei para o lado da chinesa.
-Carlão anda dizendo que estou me tornando um tricolor fanático. - queixou-se o Daniel ao pai com o seu jeito travesso.
-Só porque o Daniel assiste até hoje aos gols do Fluminense no campeonato brasileiro?... Você precisa ver a Renata, que acompanha o Fluminense até no Paraná. - disse o Cláudio.
-Quem é Renata?
-É uma professora, colega da Roberta (sua prima). - respondeu-me o Daniel.
Subitamente, Daniel voltou de onde saíra e eu julguei que apressava alguma coisa no computador para liberá-lo para mim.
-Parece que a Na Li superou o acidente. - afirmei depois de me deter por poucos minutos na televisão.
Por outro lado, meu irmão, que olhava mais atentamente o jornal, manifestou-se.
-A Dilma Rousseff já está em campanha. A turma do PT não larga mais o poder e a culpa é do Fernando Henrique Cardoso, que deu o golpe da reeleição.
-Claudio, você não pensa que a culpa maior foi dos constituintes de 88, que estabeleceram o mandato de quatro anos?... É muito pouco; deveria ser cinco anos. Não se pode imitar os americanos só pela metade e a reeleição foi inevitável.
Meu irmão ainda insistia na culpa do Fernando Henrique Cardoso, quando Daniel me deu o sinal verde para o computador.
-Depois, Claudio, você me informa quem venceu a partida.
-A chinesa continua irregular. - disse ele.
Diante do monitor de vídeo, acessei mais um filme do Dieckmann imaginando, minutos antes, que era sobre carros ou comida. Era sobre carros. Colecionadores de automóveis clássicos e calhambeques se reuniram na Praça XV para mais uma confraternização. Dieckmann, talvez usando o vídeo monitor do Jerry Lewis, dirigia e atuava. A filmagem não foi além de quatro minutos, e metade dela foi dedicada ao fato de um dos colecionadores ter perdido o freio do seu carro. Entrevistando-o, o cineasta de Santa Teresa riu muito e falou até em recorrer ao Departamento de Achados e Perdidos.
Nesse instante, tocou o telefone e meu irmão, que o atendeu, pediu ao Vagner para esperar mais quinze minutos.
Acessei, em seguida, um vídeo sobre os bondes circulando na cidade do Rio de Janeiro. Tratava-se de um longa metragem, mais de dezesseis minutos. Assisti aos primeiros cinco minutos, pensando nas minhas idas ao Colégio Visconde de Cairu, no bonde Cachambi e nas minhas idas ao consultório dentário do Tio Vivinho, na Rua do Ouvidor, no bonde Piedade. Não só os bondes e passageiros me interessavam que apareciam na tela, como a música de Villa Lobos. Interrompi o vídeo, para assistir depois à continuação e parti para as mensagens eletrônicas.
Passou o tempo estabelecido pelo Claudio, e a voz do Vagner se fez ouvir no portão. Voltei, então, para a cozinha com o objetivo de ler uma e outra notícia do Globo, poupando tempo na minha leitura da tarde.
Daniel surgiu carregado de sacolas de compra, sinal de que a Gina chegara do supermercado. Continuei lendo, enquanto escutava a Gina e o Vagner conversando animadamente. Quando ela pisou, finalmente, o chão da cozinha, informei-lhe que trouxera o medidor de glicose.
-Carlinhos, você está ficando neurótico com isso.
-Perdi três tirinhas hoje, quando tentei tirar de manhã, em jejum. Só quero aprender nos mínimos detalhes a manejar essa geringonça. Quero me certificar que a minha glicose permanece normal depois de eu aumentar a quantidade, no meu prato, dos alimentos da dieta.
Gina me ouviu, sentada no sofá de alvenaria e passou a falar esmiuçadamente de um programa televisivo a que assistira sobre pacientes de obesidade mórbida, nos Estados Unidos, antes e depois da cirurgia. Quando o Luca anunciou costumeiramente, pelo telefonema, que já estava com o carro na calçada, ele tirou a minha taxa de glicose.
-102.. Ótimo; agora que aprendi, tirarei em jejum, no sábado que vem, e, depois, só eventualmente.
Quando me fiz participante de mais uma sessão do Sabadoido, deparei com o Luca portando uma joelheira em cada perna.
-O que foi isso?
-Os ossos, Carlinhos.

(*) A tecnologia dos aviões da Segunda Guerra Mundial nem de longe se aproxima dos laser de hoje. Um ataque com caças-bombardeiros desperdiçaria, no mínimo, metade das bombas e a metade do que sobrasse cairia no jardim do palácio. Portanto, apenas um quarto das bombas lançadas atingiria o Palácio. Esta questão foi apresentada no exame de admissão do Colégio Militar. Obviamente, sobre Aritmética.





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