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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4122 Data: 31 de janeiro
de 2013
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CONVERSAS DE TÁXI nº 156
-Eu assisti à partida do Barcelona
contra o Málaga e disse comigo mesmo: era assim que os brasileiros jogavam nas
décadas passadas, mas, agora, jogam como os europeus de antigamente, com
correria desenfreada e muitas faltas.
O taxista que, pela pouca idade, não
viu o futebol do Brasil de Nilton Santos, Didi, Gérson, Tostão, ouviu-me e se
limitou-se a enaltecer a equipe catalã.
-Eles são sinistros: Messi, Iniesta,
Xavi... O Iniesta protege a bola com tal perfeição que ninguém tira dele.
E passou a falar do jogo do Botafogo e
Bangu, interrompendo-se, para prosseguir na sua narrativa, informando que era
botafoguense.
-Eu também sou.
-Fui ao estádio de Moça Bonita. O campo
tem as maiores dimensões permitidas pela FIFA e os jogadores do Botafogo estão
acostumados com campos menores, como o do Engenhão. Eles querem marcar sob
pressão, o time do Bangu vira o jogo (passa a bola da direita para a esquerda,
ou vice-versa, com longos lançamentos) e a tática do Botafogo fracassa.
Percebendo que ele não era um torcedor
carente de massa cinzenta, animei-o a continuar.
-O Botafogo, no final do brasileirão do
ano passado, deu uma arrancada e por pouco não conseguiu uma vaga para a
Libertadores das Américas.
-O Bruno Mendes encaixou no ataque,
depois que o Herrera e o Loco Abreu foram embora. Contra o Bangu, ele não fez
nada como fracassou com toda essa seleção sub-20. - comentei.
-E o técnico Osvaldo de Oliveira ainda
bateu boca com o Loco Abreu, que o criticou do Uruguai.
-Loco Abreu é página virada, mas a
torcida gosta dele; foi uma besteira o técnico responder as críticas do
jogador, nós ficamos com mais raiva ainda do Osvaldo de Oliveira. - disse ele.
-O Osvaldo de Oliveira disse que esteve
no Maracanã no célebre Fla x Flu de 1963, recorde de público de jogos de clubes
no mundo; eu também lá estive e com um irmão.
Ele não tinha idade para essas
recordações, mas também entrou no passado do futebol.
-Conheço um senhor que foi árbitro de
futebol; ele me disse que se esforçava ao máximo para não rir quando o
Garrincha driblava os adversários.
-O técnico do Botafogo, chamando os
jogadores para a preleção, dizia para o Garrincha: “Você, não”; e o Garrincha
respondia: “Não mande ninguém cair nas costas do lateral esquerdo porque eu vou
driblar também”.
-Quem foi esse? - agucei-lhe a
curiosidade.
-O João Saldanha.
-Esse senhor me disse que o Garrincha
foi melhor do que o Pelé.
Não me mostrei entusiasmado com essa
comparação.
-Pelé se encontra num patamar
inatingível, mas Garrincha também, o problema dele foi não encarar a profissão
com a seriedade do Pelé. Quando o camisa 10 se machucou, no segundo jogo da
Copa de 62, Garrincha se desdobrou: fez gol de falta, de cabeça, deu dribles
como nunca.
-Jogou por ele e pelo Pelé. -
acrescentou o taxista.
-Aquela seleção campeã no mundo de
1962, no Chile, era constituída da metade do time do Botafogo: Nilton Santos,
Garrincha, Didi, Amarildo e Zagalo.
Às minhas palavras, os olhos dele de
botafoguense faiscaram.
-Esse feito só foi igualado e mesmo
superado, pelo Barcelona, nessa Copa de 2010, na África do Sul. Sem esquecer que,
caso a Hungria ganhasse a Copa do Mundo de 1954, o Honved teria atingido esse
recorde.
-O pessoal fala que, no futebol de
hoje, o Garrincha não seria o mesmo...
-Bobagem! – exclamei, aproveitando as
suas reticências – O meu pai guardava as revistas das Copas do Mundo ganhadas
pelo Brasil, e, numa delas, você vê, a fotografia, que mostra nove jogadores: o
Garrincha com a bola nos pés e oito espanhóis.
Entusiasmado de novo, comentou que o
Garrincha não deveria correr atrás do adversário para tomar-lhe a bola.
-Essa é a razão de o futebol brasileiro
ter se europeizado: os craques do ataque
são obrigados a marcar os beques adversários, então, o jogo fica feio,
truncado com várias faltas, correrias...
-Com o time do Barcelona de hoje, quem
corre é a bola. - manifestou-se.
-É verdade que, mesmo o Messi, acossa
os beques que estão com a bola, mas o Garrincha, como eu disse, foi um jogador
diferenciado.
-Eu tenho vontade de ver mais filmes
dos confrontos do passado. - lamentou.
-Os brasileiros prezam muito pouco a
memória. A filmagem do gol de placa do Pelé, em que ele driblou quase todo o
time do Fluminense desde o meio do campo, foi apagada porque gravaram uma
novela por cima da fita (*). Do Garrincha, quase nada ficou registrado. Existe
o acervo do Canal 100 do Carlinhos Niemeyer, com filmes que eram exibidos nos
cinemas, na década de 90; apareceu na televisão, mas por pouco tempo.
Como eu pegara o táxi da minha casa até
o meu trabalho, a conversa se estendeu do presente ao passado e vice-versa.
-O Botafogo vai jogar outras vezes em Moça Bonita. -
demonstrou inquietação.
-Estamos em início de temporada. Com o
Seedorf no time, o Botafogo melhora muito. - animei-o.
-Amigo, eu tenho um coração muito forte, por isso sou
botafoguense. - confessou, enquanto eu saltava do seu táxi na Avenida Rio
Branco.
Tem aparecido uns taxistas
desconhecidos para mim no ponto da Domingo de Magalhães. Entrei no táxi de um
deles, informando que o meu destino era a Modigliani, próxima a Praça Manet, no
segundo poste depois de dobrada a Rua Sisley.
Minha pressão arterial estava baixa,
certamente, pois eu me sentia meio prostrado; assim, fechei os olhos como se
meditasse.
-Eu ainda estudei latim no primeiro ano
ginasial, depois, tiraram do currículo escolar. - manifestou-se.
-Nós estudávamos francês, inglês e
havia ainda o latim.
-Mas o latim, como é a raiz de tantas
línguas, tinha de ser estudada com profundidade. - afirmou com veemência.
-Sim, eu acompanho o ensino de
português feito pelo Pasquale Cipro Neto, na mídia, mas confio bem mais nos
velhos latinistas que sabem o porquê das questões gramaticais da nossa língua.
-Isso! Há verbos transitivos diretos e
indiretos porque cada caso pertence a uma declinação em latim. - disse ele.
-Você ainda se recordas das cinco declinações?
-Nominativo, vocativo, genitivo, dativo
e acusativo. - respondeu sem pestanejar.
-O alemão culto procedeu da tradução
que Lutero fez da Bíblia do latim para a língua alemã.
-A igreja católica monopolizava a
cultura recorrendo à língua latina. Com o cisma do catolicismo, protagonizado
por Lutero, ele democratizou a cultura, e essa tradução para o alemão foi o
começo. - interveio.
Retomei a palavra:
-Lutero usou quatro declinações
latinas, só tirou o vocativo. Depois, escritores como Goethe e Schiller
consolidaram o alemão culto. Poucos, na própria Alemanha, lidam com o seu
idioma sem cometer erros.
-No Brasil, também. Não se estuda mais
latim. (**)
Foi isso mesmo que o taxista falou?
Escutei, na verdade, um ríspido “Já chegamos”, que me tirou do torpor.
(*) Eu vi esse
gol. Foi inacreditável. Creio que vi sem videoteipe, mas não posso jurar.
(**) Algo me
diz que escapei por um triz, disse, rimando, o Dieckmann
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