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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4112 Data: 13 de janeiro
de 2013
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CONVERSAS NO TÁXI nº 154
Como é enfadonho ouvir da Rua Domingo de
Magalhães à Modigliani, o Bob Esponja contando as suas proezas de símbolo
sexual de Maria da Graça!
Passemos logo para outro dia e outro
táxi.
Eu e meu irmão Lopo, pegamos um táxi
para o clube Mackenzie, a cooperativa era outra, o taxista era desconhecido, o
que não impediu um animado diálogo.
-Há coisas com que não me acostumo, uma
delas é o cinto de segurança. - disse o motorista.
-Pessoas que dirigiram carros durante
muitos anos antes da obrigação do uso do cinto de segurança têm dificuldades,
acham que os movimentos deles ficam prejudicados; conheço uma porção de gente
assim. - comentou meu irmão.
-É o meu caso.
-Mas o cinto de segurança salva muitas
vidas. - observei.
-No meu caso, eu fui salvo por não usar
cinto de segurança.
Pensei imediatamente na atriz Françoise
Dorléac, irmã da Catherine Deneuve, que morreu queimada num carro que rolou a
ribanceira porque ficou presa no cinto de segurança. Mas argumentar com esse
fato seria recorrer à exceção, não à regra.
Mas o caso dele era bem diferente.
-Eu trabalhava de noite e, certa vez,
peguei dois passageiros por volta da uma hora da manhã. Depois de rodar um
pouco, eles anunciaram o assalto e um deles passou a gritar: “Quer morrer? Quer
morrer?...” E, então, me desferiram uma coronhada na cabeça que fez o sangue
jorrar...
Interrompeu a sua fala e nos mostrou a
cicatriz. Como raspara toda a cabeça, para que a mesma não ficasse com partes
com cabelos e outros sem, a marca da violência estava bem visível. Como era
novo, não passava dos 40 anos, deve ter corrido como um atleta jamaicano.
-Mal recebi o impacto da coronha do
revólver, abri a porta do carro e corri como um desesperado sem olhar para
trás. Ouvi ainda um tiro, que acelerou ainda mais a minha corrida. Quando
estava numa distância segura, parei e um PM veio me perguntar se eu era
taxista; concluí que ele fazia parte da quadrilha.
Meu irmão interveio:
-Há muitos policiais militares bandidos,
os que são expulsos da corporação se unem aos que ainda estão nela e cometem
esse crime.
-Se eu estivesse usando o cinto de
segurança, não conseguiria abrir a porta para fugir e, com certeza, seria
morto. - concluiu enquanto nos deixava na Rua Dias da Cruz defronte ao
Mackenzie.
Na volta do clube, eu e Lopo ficamos à
espera de um táxi sob o sol das 3 horas da tarde de rachar catedral, como dizia
o Nélson Rodrigues, felizmente, não esperamos mais do que cinco minutos.
-Praça Manet. - informei logo que entrei
no veículo.
Quando o meu irmão escancarou a porta do
carro para me seguiu, o taxista perguntou:
-Onde?...
-Praça Manet.
Meu irmão abriu o “e” do nome do pintor,
enquanto eu o fechara, com isso ele entendeu.
-Eu entro naquela rua em frente à
Catedral do bispo Macedo?
-Isso; a Rua Renoir (pronunciei Renoá),
que a maioria chama de Reoní. (*)
-Lá, quase todos os nomes são franceses
e os moradores não sabem falar direito. - disse o Lopo.
-Por que não colocam nomes brasileiros?-
protestou
-Existe lá a Rua Almeida Júnior, mas
ninguém sabe que ele foi um grande pintor do nosso país observei.
-A Almeida Júnior fica do outro lado do
conjunto do IAPC de Del Castilho. - informou o Lopo.
-Pronuncia-se erradamente os nomes das
nossas ruas porque não se estuda mais a língua francesa, que eu estudei no
ginásio juntamente com o inglês.
-Eu cheguei a estudar francês.
-Sei disso, Lopo, muitas vezes eu
folheava o seu livro, que trazia poemas de grandes poetas da França.
-Agora, estuda-se o espanhol. - fez-se
presente ao diálogo o taxista.
-É uma língua bem mais falada do que o
francês. - disse meu irmão.
-Eu não gosto do mandarim. Um dia, três
chineses entraram no meu carro e começaram a falar aquele idioma maluco, eu não
sabia se me ofendiam...
-O Obina, quando jogou na China, disse,
numa entrevista, que ia de casa para o campo, do campo para a casa, pois se
saísse desse trajeto e se perdesse, nunca mais conseguiria voltar, tal a
dificuldade de comunicação. A filha dele, de uns 5 anos de idade, sabia mais
mandarim do que o pai.- tagarelei.
-Outra língua difícil é o alemão. -
afirmou o motorista.
-Mas geralmente se pronuncia o que está
escrito. “Eu, por exemplo”, se diz “ói”. Um amigo nosso, que era tratado por
Gaúcho, filho de alemães, se chamava “Eugen” e, no casamento, o padre não disse
“Óigen”, e sim o nome aportuguesado. - intervim.
E com a nossa chegada na Rua Modigliani (nome que
causa dificuldades por causa da sílaba “gli”, a conversa se encerrou.
No dia seguinte, ao me dirigir para a
estação do metrô de Del Castilho, um pouco antes das seis horas da manhã,
deparei-me, na esquina da Rua Van Gogh com a Avenida Suburbana com um homem
enfiado num contêiner de lixo. Veio-me à mente que se tratava de um bêbado,
seguindo adiante, deduzi que, misturado com o lixo, só poderia estar um
cadáver.
Quando voltei do trabalho, peguei o táxi
do “Meu Nobre”, e como ele espera passageiros na Rua Van Gogh, quando ainda não
amanheceu, entrei no assunto.
-Soube de um morto num contêiner de
lixo?...
Não me deixou terminar.
-Foi executado na favela Bandeira 2 e
desovado na esquina da Suburbana com a Van Gogh.
-Quando eu passei pelo cadáver, um táxi
diminuiu a velocidade, ligou o farol alto, acelerou, foi em frente, embora
tivessem feito sinal para ele, que estava sem passageiros.
-O pessoal tem medo. - disse e
prosseguiu, enquanto trafegávamos pela comprida Rua Domingo de Magalhães.
-Olha, além desse muro alto, está a
favela Bandeira 2, ela termina lá perto do viaduto de Del Castilho. O que se
passa aí... O problema é que deixaram construir barracos ladeando a linha de
trem.
E até a minha rua, conversamos sobre a violência
urbana.
Foi o Gaguinho que me conduziu no dia
subsequente.
Pensei em lhe perguntar sobre o
resultado da bolsa de estudos do seu filho, mas o fato de, na última corrida,
ele não ter tocado no assunto, era um mal presságio. Nada falei, mas a
curiosidade falou mais alto.
-E o seu filho, conseguiu a bolsa de
estudos para a Castelo Branco.
-Deu zebra.
A sua gagueira se tornou mais
pronunciada o que era explicado pelas más notícias.
-Mas ele não foi selecionado para o time
de handebol, e isso lhe daria uma bolsa de estudos.
-Foi selecionado, mas acontece que
roubaram dois milhões de reais.
De tão nervoso, coitado, o tempo que
levou para dizer o valor da quantia daria para contá-la em notas de 100.
-Não sei se roubaram da escola de
segundo grau ou da faculdade.
-Prejudicou tanto uma quanto a outra?
-Sim; eles ficaram sem dinheiro para
bancar as bolsas de estudo. Mas o técnico disse que vai resolver o problema do
meu filho.
-Mas ele tem de resolver antes de março,
quando começa o ano letivo.
-O técnico disse que resolve tudo em um
mês.
-Vamos torcer. - falei, enquanto saltava
do seu táxi.
(*) Em certas
locuções coloquiais, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO se abstém de usar
a lógica, como é o caso desse Reoni, onde parecer ter havido um erro de
digitação. Por lógica, devem chamar de Renoí, até porque o redator acentuou o
Reoni quando o acento agudo seria necessário apenas em Renoí, para garantir o
hiato; porém quem sou eu para interpretar as falas de Maria da Graça. Vai
que...
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