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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

2312 - quer morrer?


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4112                         Data: 13  de janeiro  de 2013
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CONVERSAS NO  TÁXI nº 154

Como é enfadonho ouvir da Rua Domingo de Magalhães à Modigliani, o Bob Esponja contando as suas proezas de símbolo sexual de Maria da Graça!
Passemos logo para outro dia e outro táxi.
Eu e meu irmão Lopo, pegamos um táxi para o clube Mackenzie, a cooperativa era outra, o taxista era desconhecido, o que não impediu um animado diálogo.
-Há coisas com que não me acostumo, uma delas é o cinto de segurança. - disse o motorista.
-Pessoas que dirigiram carros durante muitos anos antes da obrigação do uso do cinto de segurança têm dificuldades, acham que os movimentos deles ficam prejudicados; conheço uma porção de gente assim. - comentou meu irmão.
-É o meu caso.
-Mas o cinto de segurança salva muitas vidas. - observei.
-No meu caso, eu fui salvo por não usar cinto de segurança.
Pensei imediatamente na atriz Françoise Dorléac, irmã da Catherine Deneuve, que morreu queimada num carro que rolou a ribanceira porque ficou presa no cinto de segurança. Mas argumentar com esse fato seria recorrer à exceção, não à regra.  Mas o caso dele era bem diferente.
-Eu trabalhava de noite e, certa vez, peguei dois passageiros por volta da uma hora da manhã. Depois de rodar um pouco, eles anunciaram o assalto e um deles passou a gritar: “Quer morrer? Quer morrer?...” E, então, me desferiram uma coronhada na cabeça que fez o sangue jorrar...
Interrompeu a sua fala e nos mostrou a cicatriz. Como raspara toda a cabeça, para que a mesma não ficasse com partes com cabelos e outros sem, a marca da violência estava bem visível. Como era novo, não passava dos 40 anos, deve ter corrido como um atleta jamaicano.
-Mal recebi o impacto da coronha do revólver, abri a porta do carro e corri como um desesperado sem olhar para trás. Ouvi ainda um tiro, que acelerou ainda mais a minha corrida. Quando estava numa distância segura, parei e um PM veio me perguntar se eu era taxista; concluí que ele fazia parte da quadrilha.
Meu irmão interveio:
-Há muitos policiais militares bandidos, os que são expulsos da corporação se unem aos que ainda estão nela e cometem esse crime.
-Se eu estivesse usando o cinto de segurança, não conseguiria abrir a porta para fugir e, com certeza, seria morto. - concluiu enquanto nos deixava na Rua Dias da Cruz defronte ao Mackenzie.
Na volta do clube, eu e Lopo ficamos à espera de um táxi sob o sol das 3 horas da tarde de rachar catedral, como dizia o Nélson Rodrigues, felizmente, não esperamos mais do que cinco minutos.
-Praça Manet. - informei logo que entrei no veículo.
Quando o meu irmão escancarou a porta do carro para me seguiu, o taxista perguntou:
-Onde?...
-Praça Manet.
Meu irmão abriu o “e” do nome do pintor, enquanto eu o fechara, com isso ele entendeu.
-Eu entro naquela rua em frente à Catedral do bispo Macedo?
-Isso; a Rua Renoir (pronunciei Renoá), que a maioria chama de Reoní. (*)
-Lá, quase todos os nomes são franceses e os moradores não sabem falar direito. - disse o Lopo.
-Por que não colocam nomes brasileiros?- protestou 
-Existe lá a Rua Almeida Júnior, mas ninguém sabe que ele foi um grande pintor do nosso país observei.
-A Almeida Júnior fica do outro lado do conjunto do IAPC de Del Castilho. - informou o Lopo.
-Pronuncia-se erradamente os nomes das nossas ruas porque não se estuda mais a língua francesa, que eu estudei no ginásio juntamente com o inglês.
-Eu cheguei a estudar francês.
-Sei disso, Lopo, muitas vezes eu folheava o seu livro, que trazia poemas de grandes poetas da França.
-Agora, estuda-se o espanhol. - fez-se presente ao diálogo o taxista.
-É uma língua bem mais falada do que o francês. - disse meu irmão.
-Eu não gosto do mandarim. Um dia, três chineses entraram no meu carro e começaram a falar aquele idioma maluco, eu não sabia se me ofendiam...
-O Obina, quando jogou na China, disse, numa entrevista, que ia de casa para o campo, do campo para a casa, pois se saísse desse trajeto e se perdesse, nunca mais conseguiria voltar, tal a dificuldade de comunicação. A filha dele, de uns 5 anos de idade, sabia mais mandarim do que o pai.- tagarelei.
-Outra língua difícil é o alemão. - afirmou o motorista.
-Mas geralmente se pronuncia o que está escrito. “Eu, por exemplo”, se diz “ói”. Um amigo nosso, que era tratado por Gaúcho, filho de alemães, se chamava “Eugen” e, no casamento, o padre não disse “Óigen”, e sim o nome aportuguesado. - intervim.
E com a nossa chegada na Rua Modigliani (nome que causa dificuldades por causa da sílaba “gli”, a conversa se encerrou.

No dia seguinte, ao me dirigir para a estação do metrô de Del Castilho, um pouco antes das seis horas da manhã, deparei-me, na esquina da Rua Van Gogh com a Avenida Suburbana com um homem enfiado num contêiner de lixo. Veio-me à mente que se tratava de um bêbado, seguindo adiante, deduzi que, misturado com o lixo, só poderia estar um cadáver.
Quando voltei do trabalho, peguei o táxi do “Meu Nobre”, e como ele espera passageiros na Rua Van Gogh, quando ainda não amanheceu, entrei no assunto.
-Soube de um morto num contêiner de lixo?...
Não me deixou terminar.
-Foi executado na favela Bandeira 2 e desovado na esquina da Suburbana com a Van Gogh.
-Quando eu passei pelo cadáver, um táxi diminuiu a velocidade, ligou o farol alto, acelerou, foi em frente, embora tivessem feito sinal para ele, que estava sem passageiros.
-O pessoal tem medo. - disse e prosseguiu, enquanto trafegávamos pela comprida Rua Domingo de Magalhães.
-Olha, além desse muro alto, está a favela Bandeira 2, ela termina lá perto do viaduto de Del Castilho. O que se passa aí... O problema é que deixaram construir barracos ladeando a linha de trem.
E até a minha rua, conversamos sobre a violência urbana.

Foi o Gaguinho que me conduziu no dia subsequente.
Pensei em lhe perguntar sobre o resultado da bolsa de estudos do seu filho, mas o fato de, na última corrida, ele não ter tocado no assunto, era um mal presságio. Nada falei, mas a curiosidade falou mais alto.
-E o seu filho, conseguiu a bolsa de estudos para a Castelo Branco.
-Deu zebra.
A sua gagueira se tornou mais pronunciada o que era explicado pelas más notícias.
-Mas ele não foi selecionado para o time de handebol, e isso lhe daria uma bolsa de estudos.
-Foi selecionado, mas acontece que roubaram dois milhões de reais.
De tão nervoso, coitado, o tempo que levou para dizer o valor da quantia daria para contá-la em notas de 100.
-Não sei se roubaram da escola de segundo grau ou da faculdade.
-Prejudicou tanto uma quanto a outra?
-Sim; eles ficaram sem dinheiro para bancar as bolsas de estudo. Mas o técnico disse que vai resolver o problema do meu filho.
-Mas ele tem de resolver antes de março, quando começa o ano letivo.
-O técnico disse que resolve tudo em um mês.
-Vamos torcer. - falei, enquanto saltava do seu táxi.

(*) Em certas locuções coloquiais, o Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO se abstém de usar a lógica, como é o caso desse Reoni, onde parecer ter havido um erro de digitação. Por lógica, devem chamar de Renoí, até porque o redator acentuou o Reoni quando o acento agudo seria necessário apenas em Renoí, para garantir o hiato; porém quem sou eu para interpretar as falas de Maria da Graça. Vai que...

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