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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4125 Data: 06 de fevereiro
de 2013
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SABADOIDO AINDA SEM SISO
PARTE II
-Fui recebido pelo
Claudio e pelo Vagner com uma pergunta dita quase em uníssono:
-Você sabe para onde
foi o Luca?
Espantei-me, pois
considero os dois melhores informados sobre o nosso amigo do que eu.
-Ele foi para Foz do
Iguaçu.
-Pensei que tivesse
ido para Paris. - comentou o Cláudio.
-Não; ele foi
comemorar o aniversário da esposa, não do governador. A Glória não gosta de
ficar aqui quando aniversaria.
-E acrescentei.
-Parece que ele foi
com ela e a Kiara a Foz do Iguaçu, fronteira do Brasil com a Argentina.
-Lá é mais bonito,
pelo que sei. - disse o Vagner.
-Lá está a Garganta do
Diabo, mas que não fala mais do que o Luca. - alfinetaram.
Nossa conversa foi
interrompida por um chamado no portão. Cláudio identificou logo a voz: era do
Lopo.
Daniel, mesmo no
interior da casa, reconheceu-a também, pois veio até nós aguardar a entrada do
tio.
Lopo apareceu com uma sacola
de compras e logo recebeu a gozação do Daniel pela derrota do Vasco diante do
Flamengo.
-Você, como o Carlão
deixaram de ser tricolores... Hoje, sofrem por virarem casaca.
-Quando nós éramos
crianças, o papai exercia a ditadura clubística lá em casa: todos tinham de
torcer pelo Fluminense. - manifestei-me.
Depois de mais algumas
gozações, meu sobrinho se deu por satisfeito e se retirou para dentro de casa.
Aproveitando que o
ambiente ficou menos folgazão, Cláudio se dirigiu ao Lopo.
-O Chico, que lê, no
Ceará, o Biscoito Molhado pelo blog, disse que você errou: Luís Peru ficou
assim conhecido pelo corte de cabelo.
-Não; ele ficou
procurando a bola como um peru tonto. - rebateu o Lopo.
-O termo frango surgiu
no futebol porque o Ubirajara, quando era goleiro do Bangu, foi agarrar uma
bola como se fosse pegar um frango no galinheiro. - saí em defesa do meu irmão
mais novo recorrendo à analogia das aves.
-Naquele tempo, nossas
mães pegavam as galinhas no galinheiro para nós comermos. - interveio o Vagner.
-Olha, Lopo, que o
Chico se recorda de tudo da Rua Chaves Pinheiro. - advertiu o Claudio.
-Quanto tempo ele
trabalha nos Correios?
-Carlinhos, no Ceará
ele se estabeleceu há mais de vinte anos...
O esforço de memória
truncava a sua fala:
-Mais de trinta anos
ele tem de serviço... Daqui a pouco, o Chico já pode se aposentar.
Em seguida, meu irmão
falou do Jorge, tio do Chico, que também morou na nossa rua.
-O Jorge era bastante
prestativo, o que eu pedia a ele, fazia, a única contrapartida era eu ter de votar
nos candidatos dele.
-Jorge era gente boa.
- assinalou o Vagner.
-Foi o Jorge que
arrumou o emprego do Chico nos Correios, ele sempre foi agradecido por isso.
Quando o Daniel passou na prova, o Chico me disse para eu não deixar a
oportunidade ir embora.
-Um bom conselho, pois
o Daniel aprendeu muito nos Correios. - interferi.
Claudio e Lopo,
juntamente com o Vagner, trocaram reminiscências sobre os casos da Chaves
Pinheiro, até que meu irmão se fixou no trabalho dele com o Seu Moura, um dos
moradores mais destacados da rua.
-Como eu e Seu Moura
andamos por Copacabana! - mostrou desalento
E prosseguiu:
-Seu Moura ainda se
distraía da caminhada com as mulheres que passavam.
-E você,não?... -
falou o Lopo com um sorriso irônico.
-Eu tinha de carregar
uma mala pesada. Percorremos, certa vez, toda a Avenida Nossa Senhora de
Copacabana.
-O que o Seu Moura
vendia?- expressei minha curiosidade.
-Vendia produtos de
farmácia; nós passamos por todas as farmácias de Copacabana. Não posso negar:
Seu Moura sabia vender.
Dito isso, rumou para
a cozinha para trazer um copo d’ água para o Vagner, e dois de caipiroska de
limão para ele e o Lopo.
-Carlinhos, o Seu
Moura sabia vender, tinha um bom papo. - disse o Vagner.
-Possuía um bom
discurso, uma oratória articulada. - exagerei.
-Isso. - ratificou
ele.
Claudio, que
retornava, disse.
-Seu Moura perdeu a
perna, em São Paulo ,
o negócio das vendas passou para o Hélio (seu genro) e foi por água abaixo.
Lopo levou a
conversação para o mundo do crime no Cachambi.
-Eu desci a Vlamink e
vi os sujeitos, com as motocicletas estacionadas, que matariam o Dudu. Na volta
para casa, não vi o assassinato, porque meu celular tocou e eu parei para falar
com o meu filho.
-O medo da mãe de você
estar no fogo cruzado e a mudança de hospital da cesariana da Verônica (neta),
por causa da gripe suína, contribuíram para o AVC que ela sofreu. - comentei.
- Eles sabiam que o
Dudu chegaria àquela hora. - acrescentou o Lopo.
-Muita gente chorou a
morte do Dudu. - lembraram.
-O Dudu foi patrão do
Zeca Pagodinho.
-O Zeca Pagodinho já
escreveu o meu jogo no bicho. - disse o Claudio o que todos nós já sabíamos.
E reportou-se a outro
bicheiro:
-O Osvaldo chorou,
quando o Dudu morreu, mas me dizia que não suportava o Ratão (irmão do Dudu.
-Ratão bebia, drogava-se,
fazia maldades contigo se não fosse com a tua cara, o Dudu não era assim. -
interveio o Lopo.
-Mas quando mataram o
Ratão, passou uma romaria, por aqui, de Del Castilho para a Rua Piauí, onde
estava o corpo.
-Lembro-me disso,
Claudiomiro. - disse o Vagner.
-Elu não sabia que ele
foi morto perto da Rua Fernão Cardim, logo lá, perto do território inimigo. -
manifestei-me.
-O Dudu, por outro
lado, morreu no território dele. Sentiu-se, por isso, seguro, relaxou, não
devia estar com seguranças... - comentou o Lopo.
Claudio voltou a falar
no Osvaldo.
-O falecido Osvaldo
não podia ver o Daniel que lhe fazia uma festa.
-Ele chamava o Daniel
de “meu camarada”. - recordei.
Claudio mudou, em
seguida, de assunto, mas de uma maneira indecisa, voltado para mim:
-Sabe o tempo que você
levava o Daniel para o Norte Shopping?... Houve uma vez que a Gina levou e você
não estava. Então, um funcionário de lá abordou a Gina para adverti-la sobre um
senhor que trazia o menino dela todos os domingos lá e pagava tudo para ele: fichas
de fliperama, lanches no McDonads...
-Eu nunca soube
disso. A Gina nada me falou. - disse
inteiramente surpreendido.
-A Gina reagiu logo:
“ele é padrinho do menino”.
-O sujeito até que
teve boa intenção. - ponderou o Lopo.
-Falamos, Claudio, dos
Miseráveis, em que
Jean Valjean criou a filha de uma prostituta desde menina; se
fosse hoje, ele seria pedófilo. Charles
Chaplin, no filme “O Garoto”, não escaparia também dessa calunia. - desabafei.
-A criançada adora o
Daniel, mas eu já disse para ele conter os arroubos dessas crianças.
Mesmo consciente desta
nossa época de erotização extremada, saí do Sabadoido pensando que esse
funcionário “bem intencionado” era um bom filho da puta.
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