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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

2325 - padrinhos e apadrinhados


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 4125                        Data: 06  de fevereiro  de 2013
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SABADOIDO AINDA SEM SISO
PARTE II

-Fui recebido pelo Claudio e pelo Vagner com uma pergunta dita quase em uníssono:
-Você sabe para onde foi o Luca?
Espantei-me, pois considero os dois melhores informados sobre o nosso amigo do que eu.
-Ele foi para Foz do Iguaçu.
-Pensei que tivesse ido para Paris. - comentou o Cláudio.
-Não; ele foi comemorar o aniversário da esposa, não do governador. A Glória não gosta de ficar aqui quando aniversaria.
-E acrescentei.
-Parece que ele foi com ela e a Kiara a Foz do Iguaçu, fronteira do Brasil com a Argentina.
-Lá é mais bonito, pelo que sei. - disse o Vagner.
-Lá está a Garganta do Diabo, mas que não fala mais do que o Luca. - alfinetaram.
Nossa conversa foi interrompida por um chamado no portão. Cláudio identificou logo a voz: era do Lopo.
Daniel, mesmo no interior da casa, reconheceu-a também, pois veio até nós aguardar a entrada do tio.
Lopo apareceu com uma sacola de compras e logo recebeu a gozação do Daniel pela derrota do Vasco diante do Flamengo.
-Você, como o Carlão deixaram de ser tricolores... Hoje, sofrem por virarem casaca.
-Quando nós éramos crianças, o papai exercia a ditadura clubística lá em casa: todos tinham de torcer pelo Fluminense. - manifestei-me.
Depois de mais algumas gozações, meu sobrinho se deu por satisfeito e se retirou para dentro de casa.
Aproveitando que o ambiente ficou menos folgazão, Cláudio se dirigiu ao Lopo.
-O Chico, que lê, no Ceará, o Biscoito Molhado pelo blog, disse que você errou: Luís Peru ficou assim conhecido pelo corte de cabelo.
-Não; ele ficou procurando a bola como um peru tonto. - rebateu o Lopo.
-O termo frango surgiu no futebol porque o Ubirajara, quando era goleiro do Bangu, foi agarrar uma bola como se fosse pegar um frango no galinheiro. - saí em defesa do meu irmão mais novo recorrendo à analogia das aves.
-Naquele tempo, nossas mães pegavam as galinhas no galinheiro para nós comermos. - interveio o Vagner.
-Olha, Lopo, que o Chico se recorda de tudo da Rua Chaves Pinheiro. - advertiu o Claudio.
-Quanto tempo ele trabalha nos Correios?
-Carlinhos, no Ceará ele se estabeleceu há mais de vinte anos...
O esforço de memória truncava a sua fala:
-Mais de trinta anos ele tem de serviço... Daqui a pouco, o Chico já pode se aposentar.
Em seguida, meu irmão falou do Jorge, tio do Chico, que também morou na nossa rua.
-O Jorge era bastante prestativo, o que eu pedia a ele, fazia, a única contrapartida era eu ter de votar nos candidatos dele.
-Jorge era gente boa. - assinalou o Vagner.
-Foi o Jorge que arrumou o emprego do Chico nos Correios, ele sempre foi agradecido por isso. Quando o Daniel passou na prova, o Chico me disse para eu não deixar a oportunidade ir embora.
-Um bom conselho, pois o Daniel aprendeu muito nos Correios. - interferi.
Claudio e Lopo, juntamente com o Vagner, trocaram reminiscências sobre os casos da Chaves Pinheiro, até que meu irmão se fixou no trabalho dele com o Seu Moura, um dos moradores mais destacados da rua.
-Como eu e Seu Moura andamos por Copacabana! - mostrou desalento
E prosseguiu:
-Seu Moura ainda se distraía da caminhada com as mulheres que passavam.
-E você,não?... - falou o Lopo com um sorriso irônico.
-Eu tinha de carregar uma mala pesada. Percorremos, certa vez, toda a Avenida Nossa Senhora de Copacabana.
-O que o Seu Moura vendia?- expressei minha curiosidade.
-Vendia produtos de farmácia; nós passamos por todas as farmácias de Copacabana. Não posso negar: Seu Moura sabia vender.
Dito isso, rumou para a cozinha para trazer um copo d’ água para o Vagner, e dois de caipiroska de limão para ele e o Lopo.
-Carlinhos, o Seu Moura sabia vender, tinha um bom papo. - disse o Vagner.
-Possuía um bom discurso, uma oratória articulada. - exagerei.
-Isso. - ratificou ele.
Claudio, que retornava, disse.
-Seu Moura perdeu a perna, em São Paulo, o negócio das vendas passou para o Hélio (seu genro) e foi por água abaixo.
Lopo levou a conversação para o mundo do crime no Cachambi.
-Eu desci a Vlamink e vi os sujeitos, com as motocicletas estacionadas, que matariam o Dudu. Na volta para casa, não vi o assassinato, porque meu celular tocou e eu parei para falar com o meu filho.
-O medo da mãe de você estar no fogo cruzado e a mudança de hospital da cesariana da Verônica (neta), por causa da gripe suína, contribuíram para o AVC que ela sofreu. - comentei.
- Eles sabiam que o Dudu chegaria àquela hora. - acrescentou o Lopo.
-Muita gente chorou a morte do Dudu. - lembraram.
-O Dudu foi patrão do Zeca Pagodinho.
-O Zeca Pagodinho já escreveu o meu jogo no bicho. - disse o Claudio o que todos nós já sabíamos.
E reportou-se a outro bicheiro:
-O Osvaldo chorou, quando o Dudu morreu, mas me dizia que não suportava o Ratão (irmão do Dudu.
-Ratão bebia, drogava-se, fazia maldades contigo se não fosse com a tua cara, o Dudu não era assim. - interveio o Lopo.
-Mas quando mataram o Ratão, passou uma romaria, por aqui, de Del Castilho para a Rua Piauí, onde estava o corpo.
-Lembro-me disso, Claudiomiro. - disse o Vagner.
-Elu não sabia que ele foi morto perto da Rua Fernão Cardim, logo lá, perto do território inimigo. - manifestei-me.
-O Dudu, por outro lado, morreu no território dele. Sentiu-se, por isso, seguro, relaxou, não devia estar com seguranças... - comentou o Lopo.
Claudio voltou a falar no Osvaldo.
-O falecido Osvaldo não podia ver o Daniel que lhe fazia uma festa.
-Ele chamava o Daniel de “meu camarada”. - recordei.
Claudio mudou, em seguida, de assunto, mas de uma maneira indecisa, voltado para mim:
-Sabe o tempo que você levava o Daniel para o Norte Shopping?... Houve uma vez que a Gina levou e você não estava. Então, um funcionário de lá abordou a Gina para adverti-la sobre um senhor que trazia o menino dela todos os domingos lá e pagava tudo para ele: fichas de fliperama, lanches no McDonads...
-Eu nunca soube disso.  A Gina nada me falou. - disse inteiramente surpreendido.
-A Gina reagiu logo: “ele é padrinho do menino”.
-O sujeito até que teve boa intenção. - ponderou o Lopo.
-Falamos, Claudio, dos Miseráveis, em que Jean Valjean criou a filha de uma prostituta desde menina; se fosse hoje, ele seria pedófilo.  Charles Chaplin, no filme “O Garoto”, não escaparia também dessa calunia. - desabafei.
-A criançada adora o Daniel, mas eu já disse para ele conter os arroubos dessas crianças.
Mesmo consciente desta nossa época de erotização extremada, saí do Sabadoido pensando que esse funcionário “bem intencionado” era um bom filho da puta.

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