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segunda-feira, 19 de março de 2012

2114 - O jogo do bolo

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3914 Data: 12 de março 2012

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GRITOS E SUSSURROS NO SABADOIDO

Da cozinha da casa da Gina, eu ouvia as vozes do Daniel e da sua mãe que me chegavam aos ouvidos, ininteligíveis.

Cláudio, que abrira o portão da casa para mim, deixou-me só e foi nutrir de alpiste as rolinhas. Peguei, então, o jornal para ler. Dilma se havia com mais um corrupto que o Lula lhe deixara no colo: Ricardo Teixeira. O presidente da CBF viajou em 2007 para a Suíça, com uma comitiva de dezenas de políticos, sob as bênçãos do presidente da República e conseguiu trazer a Copa do Mundo de 2014 para o Rio de Janeiro. A sucessora, porém, não gostando da fama internacional de malfeitor do Cartola, cortou-lhe as asas. Segundo o noticiário, ele não duraria até os jogos da Copa do Mundo.

-E, então, Carlão?- era meu sobrinho que aparecia na cozinha com o seu costumeiro jeito alegre.

-Daniel, a ESPN afirmou que o time do Barcelona trocou 900 passes no jogo em que derrotou o Bayern Leverkusen por 7 a 1. Creio que essa estatística está errada.

-Deixa-me ver. - fingiu uma expressão pensativa, enquanto continuava.

-São 90 passes a cada 10 minutos de jogo... Na verdade, 120 passes, pois nunca uma partida dura 90 minutos corridos...

-Daniel. - gritou a Gina com uma entonação na voz que significava pedido de auxílio.

Enquanto o Daniel saía para ajudar a mãe, meu irmão, que ressurgia na cozinha e ouvira o diálogo entre mim e seu filho, fez seu comentário.

-Falava-se que o tome do Barcelona alcançava 700 passes por jogo, mas 900 só no treino de dois toques.

-Você se lembra dos treinos de dois toques, Cláudio?... Agora, o nosso futebol passou a imitar o europeu, riscou-se dos gramados o treino de dois toques. O jogador brasileiro não passa a bola tão bem quanto antes.

-O futebol de hoje ficou mais corrido. - contrapôs.

-Os jogadores brasileiros estão correndo em vez da bola...

Não terminei, porque a Gina estava agora na cozinha.

-O Daniel está me introduzindo no Facebook. - informou-me ela.

-O Facebook virou coqueluche. Como eu sou, por temperamento, antissocial, não vai ser a tecnologia que vai me mudar. - afirmei.

-Eu vou mais pela farra... - esclareceu-me.

Nesse instante, o Daniel voltava.

-O pessoal está trocando o Orkut pelo Facebook? - perguntei-lhe.

-A maioria está com os dois. - respondeu.

-Ontem, eu assisti àquele filme do professor esquizofrênico que recebeu o Nobel de Economia de 1994 pela Teoria dos Jogos. O que é isso?...- interveio a Gina, mudando de assunto.

-Eu vi no cinema “Uma Mente Brilhante”. É o filme sobre o professor John Nash, que o Armínio Fraga conheceu quando estudou nos Estados Unidos.

-E a Teoria dos Jogos?- insistiu a Gina.

-No filme, um grupo de rapazes, para abordar com êxito um grupo de moças, teria de abrir mão daquela que era a mais bonita. Dessa coisa trivial, John Nash desenvolveu a Teoria dos Jogos que é importante não só para a economia, como para outras ciências.

-Ainda não entendi a Teoria dos Jogos. - reclamou minha cunhada.

Recorri, então, a um exemplo didático de um professor da Fundação Getúlio Vargas.

-Suponhamos que uma mãe tem de dividir um bolo para duas filhas que brigam pelo pedaço maior. A melhor estratégia seria essa mãe designar uma filha para cortar o bolo e a outra para fazer a escolha do pedaço.

-Assim, aquela que cortar o bolo tentará, da melhor maneira possível, dividir em 50%%. - deduziu a Gina.

-Ela tentará a divisão mais correta. Isso, grosso modo, é a Teoria dos Jogos. - frisei.

-Carlão, a Lan House está à sua disposição. - anunciou o Daniel.

Diante do computador do meu sobrinho, busquei o último lançamento da Triumpho 30 Produções. Senti-me frustrado, quando constatei que não havia fita alguma. E perguntei-me:

-Será que o Dieckmann atravessa uma crise de criatividade que acometeu até o Frederico Fellini?...

Bem, o grande cineasta italiano superou o problema com o filme sobre essa crise, que se tornaria uma obra-prima, “Fellini 8 1/2”. O nosso amigo poderia lançar alguma fita como “Dieckmann 3 1/2”. (*)

Em compensação, ele remeteu ótimos e-mails com vídeos anexados que poderiam se chamar “A união faz a força”. Predadores partem para colocar em ação a cadeia alimentar, mas aqueles que seriam seus petiscos se unem e frustram, de uma maneira cômica, a intenção dos malvados.

Depois, deparei como uma mensagem eletrônica que dizia tratar-se de uma piada inglesa transcrita na língua original. Li, e não esbocei um sorriso sequer. Será que o significado das palavras não é o que penso?... Consultei o Michaelis Inglês-Português e concluí que eu não estava errado. Sou, então, o Senhor Obturado (o Válter D' Ávila) versão inglesa? Reli a piada e, no final, me lembrei do que dizia um velho professor: “Nas piadas inglesas, o riso é arrancado a fórceps; nas piadas americanas da Playboy e das Seleções, também.”

Elio Fischberg me enviou o “Introdução e Rondó Caprichoso” do Camille Saint-Saëns, executado por um chinês num instrumento da sua terra cujo nome me escapou. Apesar de eu ouvir essa peça desde a época em que eu sintonizava a Rádio Ministério da Educação, ou seja, desde a minha adolescência e com violino, fiquei embevecido. Lembrei-me também do belo filme dirigido pelo Arnaldo Jabor, com a Fernanda Torres, premiada no Festival de Cannes, e Thales Pan Chacon: “Eu sei que vou te amar”. Essa música intensificava o pathos amoroso do casal.

Espero que o Elio Fischberg encontre outros vídeos musicais de Saint-Saëns, como “A Dança Macabra”, que eu tanto escutava, mas que, infelizmente, está saindo do repertório das grandes orquestras e até dos músicos exóticos como esse chinês.

Enquanto divagava, chegavam aos meus ouvidos não só as vozes do meu irmão, do Luca, do Vágner, do Daniel e da Gina, como o da irmã dela.

-Cadê o Carlinhos? - perguntou a Jura.

-Eu estou aqui.

Mas eu não tenho a voz de três oitavas do Luca, cujos decibéis rivalizam com as trombetas de Jericó, por isso, não fui escutado por ninguém.

(*) Procuramos o Dieckmann mencionado e ouvimos uma resposta rouca, curta e grossa: “-Não faço nada pela metade.”

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