Total de visualizações de página

sexta-feira, 9 de março de 2012

2109 - a chave do Saldanha

-------------------------------- --------------------------------------------------

O BISCOITO MOLHADO

Edição 3909 Data: 29 de fevereiro de 2012

--------------------------------------------------------------------------------

OS TAXISTAS DEPOIS DO CARNAVAL

-Quem é esta louca?

A pergunta, feita na década de 80, partiu do empresário de origem ucraniana Adolpho Bloch, quando ele sintonizou a Rede Manchete, canal de televisão cuja concessão lhe pertencia e viu a Pepita Rodrigues. Ela, que tinha um programa, estava aos prantos porque entrevistava o Presidente José Sarney no dia do seu aniversário.

Irritado com tanto puxassaquismo na sua emissora, Adolpho Bloch repercutiu a sua pergunta que, no dia seguinte ao natalício do Presidente da República, chegou aos jornais.

Reportei-me a esse caso de vinte e cinco anos atrás quando, espremido num vagão de metrô sem ar condicionado, ouvi uma dona gritar quem caso a empurrassem, ela distribuiria porrada.

-Quem é esta louca? - perguntei-me.

Vinte minutos depois, quando me acomodei no táxi do 017 e ele me perguntou como estava o metrô, limitei-me a dizer apenas isto:

-Lotado, como sempre.

-Os passageiros do metrô que entram no meu carro sempre reclamam à beça.

-Lembro-me que, no ano passado, você disse que seu pai era um adepto do carnaval.

-Papai era um folião. - recordou com a expressão melancólica.

-Ele trabalhou, uma época, num posto de gasolina da Urca.

-Um dos bairros que ainda se salvam no Rio de Janeiro. - asseverei.

-Você conheceu o Mário Vianna?

-O Juiz de futebol?... Não acompanhei o período dele como árbitro, mas ouvi inúmeras vezes seus comentários de arbitragem na Rádio Globo e o via na Mesa Redonda Facit.

Com um brilho nos olhos, o condutor do táxi se animou.

-Mário Vianna se vestia de Papai Noel para alegrar o Natal da meninada da Urca. Um dia, nesses trajes, ele estava num jipe que era abastecido no posto de gasolina do meu pai. Então, um carro com uns playboys parou e os ocupantes saltaram. Meu pai me contou que eles começaram a sacanear o Papai Noel, ou seja, o Mário Vianna, sem saber que era ele.

Fiquei atento a sua narrativa com pausas e esporádicos atropelos de palavras.

-Rapaz... Papai Noel saltou do jipe, avançou sobre os playboys e meteu porrada em todos eles.

E completou:

-Você imagina a cena?

-Eu assisti, na TV, ao documentário em que o Mário Vianna, apitando Suiça 2 x Itália 1, na Copa do Mundo de 1954, anulou um gol. Os italianos o cercaram, ele abriu caminho a joelhadas, até que um jogador o socou pelas costas, Mário Vianna se virou e desferiu-lhe um soco que o nocauteou. Quando o filme se encerra, aparece o Mário Vianna dizendo que avisou ao banco da Itália que não expulsara o agressor, que ele podia voltar para o jogo logo que acordasse.

-Ele era muito forte. - vibrou o 017.

Já estávamos na Rua Modigliani quando eu disse:

-Vi a luta do Cassius Clay com o George Foreman, a do Carlson Gracie contra o Valdemar Santana, a do Éder Jofre contra o John Caldwel, as duas do Joe Louis contra o Max Schmeling, a do Sugar Ray Robinson contra o Jack La Mota, mas a luta a que eu queria mesmo assistir era a do Mário Vianna com Madame Satã.

Não perdi a oportunidade de saciar minha curiosidade quando entrei no táxi do Bob Esponja, no dia subsequente.

-Saiu no Bola Preta no sábado de carnaval?

-Isso é sagrado para mim. - respondeu.

-Essa história que dois milhões saíram com o bloco, não é um exagero?

-Amigo, há entendidos da PM que falam em 2 milhões e meio.

-Como é isso?... Uma multidão que, certamente, não está ouvindo a música, que ...

Fui interrompido:

-Os foliões se espalham; ficam na Treze de Maio, na Erasmo Braga, na Avenida Rio Branco, na Santa Luzia, no Largo da Carioca. São várias tribos fazendo seu carnaval. Eu, por exemplo, fiquei na Carioca com a minha noiva, depois fui para a casa de uma tia, na Barra da Tijuca. Eu não sou de brincar o carnaval, eu gosto de apreciar a loucura.

Percebi a sua crise de tagarelice e não o interrompi:

-Pretendia, então, ficar o restante do carnaval lá na casa da Barra da Tijuca, já que a minha tia não ficaria lá. Pergunte-me se a minha tia falou do empréstimo no domingo, na segunda e na terça-feira?... Foi só no sábado mesmo e lamba os beiços. Fiquei muito chateado, mas não demonstrei, pois outros carnavais virão.

Preenchi a sua pausa com o meu discurso.

-Muitos taxistas aproveitaram o carnaval para faturar. Minha irmã e meu cunhado, que foram ao desfile do 2º grupo das escolas de samba, na volta, às 6 horas da manhã, não pegaram um táxi da Central do Brasil ao Méier, porque cobravam 200 reais.

-Eu não trabalho assim. - demonstrou indignação e acrescentou:

-Existe um órgão que, sabedor dessa safadeza, descredencia o taxista.

É um órgão inteiramente inoperante, pois esse crime contra a economia popular fica às claras em diversos locais da cidade, como nos aeroportos. - pensei sem me manifestar, pois o Bob Esponja já parava o seu carro no segundo poste da Rua Modigliani.

-E o gol que o Deivid perdeu?- era o Botafoguense, que se referia ao jogo de quarta-feira de cinzas entre Vasco da Gama e Flamengo.

-Ele chutou, fez menção de correr para comemorar, quando viu a bola bater na trave. - comentei.

-Você já viu gol mais perdido? - perguntou-me.

-Confesso que não me lembro de nada parecido. Foi notícia na Argentina, na Espanha...

-No mundo todo. - enfatizou.

-O Gérson conta que, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 1970, o Brasil jogava contra a Venezuela, em Caracas, quando, debaixo dos paus, o Pelé perdeu um gol feito. Os jogadores cobraram: como ele, que se diz o melhor do mundo, perdia um gol daquele. “Sabem por que não fiz o gol?... Não sei” - disse o Pelé, segundo o Gérson.

-Pelé fez mais de 1200 gols, tinha crédito, não é o caso do Deivid, que é devedor.

Apesar da intervenção do Botafoguense, prossegui com a narrativa do Gérson sobre aquele jogo de 1969.

-Quando o primeiro tempo terminou com o placar 0x0, o João Saldanha jogou a chave do vestiário do Brasil fora, dizendo que ninguém merecia tomar banho e trocar de uniforme depois daquele fiasco contra uma seleção fraquíssima. Os colombianos tiveram de arrombar a porta do vestiário. No segundo tempo, a bronca do João Saldanha surtiu efeito e o Brasil venceu de 5 a 0.

Com uma gargalhada, o taxista anunciou a Rua Modigliani.

Nenhum comentário:

Postar um comentário