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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3912 Edição 9 de março de 2012
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73ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA
-Padre Antônio Vieira, fico desvanecido com sua presença.
-Chegou a tanto?...- brincou o jesuíta.
-Creio que o meu azar foi ouvir falar do senhor, quando vestia calças curtas, ou seja, na Escola 9-10 Manoel Bomfim.
-Por que depois não falaram mais de mim?... O que disse a sua professora.
-A minha professora do 4º ano primário, cujo nome já se perdeu na minha cabeça, ensinou que passaram três grandes jesuítas pelo Brasil: Manoel de Nóbrega, José de Anchieta e Antônio Vieira.
-Surgi, na sua vida de estudante como um simples membro de um trio?
-A professora disse que Manoel de Nóbrega participou da fundação da Escola Piratininga, que deu início à cidade de São Paulo. Sobre José de Anchieta, reportou-se ao poema que ele escreveu sobre a Virgem Maria na areia, e que a água do mar apagava a cada onda. Eu, garoto, imaginava a cena do padre-poeta e ficava desolado, pois, na minha imaginação, era uma obra-prima que se perdia.
-O mar é um crítico severo, quase sumiu com meus sermões.
Sem atentar para o fato histórico a que o Padre Antônio Vieira aludia, prossegui.
-A professora se referiu, depois, ao estalo de Vieira.
-Um estalo se tornou o meu caminho para Damasco. - referiu-se, com gestos de ranheta, a epifania de São Paulo. Em seguida, voltou-se para mim:
-O que a sua professorinha falou do meu estalo?
-Ela disse que o senhor não primava pela inteligência, quando jovem...
-Disse que eu era burrinho?...
-Mais ou menos isso.
-E o que mais?
-A professora afirmou que o senhor pedia aos céus que o fizessem inteligente para espalhar a palavra de Deus pelo mundo. Então, rezando, ouviu o estalo: a sua mente se abriu e as ideias luminosas entraram no seu espírito.
-O estalo do Vieira se tornou uma lenda. - resignou-se.
-Essa mesma professora, quando estava com dificuldades de fazer algum aluno aprender alguma coisa, gritava: “Você precisa do estalo de Vieira”.
-E como esses seus coleguinhas da Escola Manoel Bomfim reagiam? - interessou-se.
-Ficavam com as expressões aparvalhadas, pois já haviam esquecido tudo sobre Antônio Vieira, e também sobre José de Anchieta e Manoel de Nóbrega. Inácio de Loyola, o criador da Companhia de Jesus, então, já estava com o nome apagado no cérebro deles.
-Inácio de Loyola imiscuiu-se muito na política, e eu também.
-No curso ginasial e científico, quando seus textos teriam de ser estudados juntamente com Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queirós, Antônio Feliciano de Castilho, Fernando Pessoa, Guerra Junqueiro e outros clássicos portugueses, houve um silêncio incompreensível.
-Só falavam do meu estalo? Estalo em vez de estilo.
-Nem isso.
-Não lembravam mais do meu estalo?- pilheriou.
-É evidente que, nas publicações em jornais e revistas, sempre aparecia um cultor da língua portuguesa para repercutir a excelência dos sermões de Antônio Vieira. Eu, que era um frequentador dos sebões, não via uma obra sua à venda. Confesso que o meu propósito não era adquirir suas obras, mas caso as visse, eu as compraria, como fiz com as poesias obscenas de Bocage.
-Que comparação... - levou o Padre as mãos à cabeça.
Enquanto eu me desculpava, ele me interrompia:
-Bocage possuía um talento de extraordinário vigor; eu o li no paraíso, onde não há Inquisição que nos impeça o acesso às obras contrárias ao nosso pensamento.
-O senhor nasceu um século antes de Bocage?
-Eu nasci em 6 de fevereiro de 1608, precisamente, na cidade de Lisboa, perto da Sé. Fui primogênito de quatro filhos de Cristóvão Vieira Revasco e de Maria de Azevedo. A origem do meu pai era alentejana e minha avó paterna era africana. Ele serviu na Marinha de Portugal e, durante dois anos, foi escrivão do Santo Ofício...
-A Inquisição?- interrompi com a voz sepulcral.
-Sim, a Inquisição que nunca me dobrou. - frisou com a sua voz sonora de formidável orador.
E continuou:
-Em 1614, ele foi transferido para o Brasil, onde assumiria, em Salvador, o cargo de escrivão no Tribunal da Relação da Bahia.
-E para cá veio você?
-Meu pai só levou a família para as terras brasileiras em 1618, quando eu estava com dez anos de idade.
-Estudava?
-Sempre vivi com os livros na cara. Iniciei meus estudos no Colégio dos Jesuítas de Salvador. Em 1623, ingressei na Companhia de Jesus.
-No ano seguinte, as forças holandesas invadiram Salvador. - intervim no seu relato.
-Sim, mas eu me refugiei no interior da capitania, quando se intensificou a minha vocação missionária. Um ano depois, tomei os votos de castidade, pobreza e obediência, abandonando, assim, o noviciado. Prossegui meus estudos de Teologia e ainda estudei Lógica, Metafísica e Matemática. Não posso me esquecer que, com dezoito anos, ainda noviço, fui encarregado de redigir o relatório anual da Companhia de Jesus.
-O estalo aconteceu, então, muitos anos atrás? - perguntei com ironia.
-A sua professora não ensinou em que fase da minha vida aconteceu?
-Ela deu a entender que, durante esses anos todos, você ainda era burrinho.
-Bem, eu obtive o mestrado
Depois de uma pausa, foi em frente:
-Em 1634, com vinte e seis anos de idade, fui ordenado sacerdote e, três dias depois, rezei minha primeira missa. Nessa época, eu já pregava para os fiéis.
-Eu imagino a sua fama de notável pregador da Igreja.
Esse período da invasão holandesa, que foi de
-Havia muitos judeus entre os holandeses. - assinalei.
-Eu tentei, também, mostrar uma visão pragmática. Portugal gastava uma fortuna na manutenção e defesa de terras contra os países baixos, obtendo, em contrapartida, dez vezes menos... Talvez, eu estivesse errado...
Nesse ponto, o Padre Antônio Vieira não foi claro, talvez reconhecesse que errou no seu ponto de vista.
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