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segunda-feira, 5 de março de 2012

2106 - cannabis passiva

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3906 Data: 21 de fevereiro de 2012

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EU E ELIO PERDIDOS NO TEMPO

-Estou sentido cheiro do povo, Carlos.

-Não vai vomitar agora. Elio.

-Ao contrário do Presidente Figueiredo, eu prefiro o cheiro do povo ao cheiro do cavalo. - indignou-se.

-Elio, são os “sans-culottes”.

-”Mata! Mata! Mata! - gritava a turba enfurecida.

Elio levou as duas mãos à cabeça, em desespero.

-Estamos em plena Revolução Francesa.

Os leitores que se preocupam com a minha sorte, e a do Elio Fischberg, lembram-se que pretendíamos sair da Espanha, logo depois do funeral do Manolete e voltar para o Brasil de 2012. Parece que exageramos na dose do ópio, pois regredimos mais ainda no tempo.

-Carlos, se eu não encontrar uma solução em dez minutos, eu perco a cabeça.

-Foi isso que o Rei Luís XVI disse dez minutos antes de ser guilhotinado. - bradei.

-Olha, Carlos, um homem se apresentou para falar com um representante da horda.

-É Robespierre. - balbuciei.

-Cidadão, o que se passa?

-Nossas mulheres e filhos bradam por pão; queremos alimentá-los com a carne da aristocracia. Vamos matar todos aqueles que não têm casacos esburacados.

-Fure a sua camisa.

-Já furei, Elio. - cochichei.

-As poucas gotas de sangue não deram para as bochechas do povo ficarem mais coradas; a guilhotina andou muito devagar. Vamos apressá-la. - vociferou Robespierre provocando o júbilo da patuleia.

Eu e Elio nos esgueirávamos furtivamente para sair daquele tumulto de carniceiros, quando esbarramos num francês, que percebeu o desconsolo na nossa expressão.

-Todos jacobinos. - disse voltado para nós e prosseguiu:

-Robespierre, para se manter no poder, passou a expurgar seus adversários. Os girondinos, acusados de partidários do rei, são perseguidos. Danton e o jornalista Camille Desmoullins discursam contra a violência e serão, mais cedo ou mais tarde, carne para a guilhotina.

-Mas Robespierre, Danton, os girondinos liderados por Marat, não fizeram juntos a revolução que derrubou a monarquia?- perguntou o Elio.

-Fizeram, mas a questão agora é o poder, então, não existem mais sentimentos nobres. - disse o francês.

-Esta verdade está sempre viva na política. - intervim.

-Os mais furiosos, os jacobinos, são liderados pelo Robespierre. Eles praticaram um ataque macabro aos túmulos dos nobres, em Saint Denis, e brigaram entre si, como ratazanas, para extraírem unhas e dentes de ouro, além de outros objetos de valor. Depois, os restos mortais das famílias Bourbon, Valois, Capetian e outras foram arremessadas em valas comuns.

-Caramba! - exclamamos.

Ele prosseguiu:

-Em 17 de setembro de 1793...

-Setembro... Mas vocês não usam vindimário e outros meses em vez do calendário cristão? - interrompi.

-Eles usam o calendário da Revolução, não eu.

E reiniciou o seu relato.

-Em 17 de setembro de 1793, foi aprovada a Lei dos Suspeitos que declarava traidores todos os “inimigos da liberdade”. Eram suspeitos todos aqueles que tiveram ligações com o governo dos Bourbons ou com os girondinos. Assim, passou-se de cinco execuções diárias para 26. Houve um dia em que executaram doze pessoas em cinco minutos.

-Caramba! - repetimos a exclamação.

-Há espiões espalhados por Paris que são chamados de “Observadores do Espírito Público.” - dizendo isso, afastou-se de nós.

-Elio, vamos dar logo uma baforada nesse ópio para sair daqui.

Fumamos tão rapidamente, que talvez não tivéssemos avançado um ano naquela França banhada em sangue.

-Onde estamos? - perguntei ainda perturbado.

-Pela minha experiência de causídico, estamos num julgamento, apesar de a liturgia não ser respeitada.

-Quem está sendo julgado?- perguntei à única pessoa que vi, no tribunal, que não gritava morte ao réu.

-Lavoisier.

-O grande cientista?... Aquele que disse que “Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”?...

Depois das minhas perguntas retóricas, fui mais objetivo.

-De que acusam Lavoisier?

-De ter sido coletor de impostos.

Ora, os cientistas são mal remunerados, ele se viu obrigado a ter um segundo emprego. - pensei, sem me manifestar, pois não sabia com quem estava falando.

-Condeno o réu à morte pela guilhotina. - bradou o juiz.

Lavoisier pediu a palavra e ela lhe foi concedida. Pediu mais duas semanas de vida para terminar alguns experimentos.

-A república não precisa de sábios. - berrou o juiz, negando o pedido.

Perto de nós, o grande matemático Joseph Louis Lagrange declarava:

-”Precisaram apenas de um instante para cortar esta cabeça, mas a França talvez não produza outra igual por mais de um século.”

Corremos para fora do tribunal revolucionário eu e o Elio, e encontramos outro francês revoltado com tantos crimes.

-Vivemos o período do terror. Já houve 300 mil prisões e 20 mil, no mínimo, foram guilhotinados. À simples menção do nome Conciergerie, a prisão dos contra-revolucionários, muitos tremem.

-Elio, ele pode ser um desses espiões que está nos testando, se falarmos mal do Robespierre, levam-nos para a Conciergerie. - cochichei.

-Sei disso, Carlos; temos de agir como aquele macaquinho que não fala.

De novo recorremos às tragadas de ópio para sair dali, mas avançamos pouco tempo.

-Olha a guilhotina. - apontou o Elio em sua direção.

-Quanta gente veio visitá-la?... Poetas como Andrea Chénier, que inspirou uma bela ópera italiana; cientistas, como Lavoisier...

Enquanto eu lembrava os nomes das vítimas da Revolução Francesa, desde Maria Antonieta, Elio me cutucou.

-Estamos aqui há vinte minutos e ninguém foi guilhotinado. Acredito que já executaram Robespierre.

O Causídico Verborrágico estava inteiramente certo; o poder mudou de mãos; estava com Barras, o homem mais importante do Diretório. Corria o ano de 1795 e a Convenção Nacional adotou nova Constituição: sufrágio de adultos do sexo masculino, alfabetizados, que votariam em eleitores que escolheriam os membros do Corpo Legislativo. A nova Constituição incluía declaração dos direitos e deveres do cidadão inclusive a defesa da propriedade.

O poder ficava, então, com nova configuração: realistas à direita, pregando a volta dos Bourbons; girondinos no centro; e jacobinos e socialistas utópicos à esquerda.

-Elio, pelo que li, a burguesia começa agora a dar as cartas na França.

-Sim, Carlos; mas a instabilidade política prossegue. Ouvi, há pouco, um sujeito dizendo que a multidão, sustentada pelos realistas, vai marchar contra a Convenção Nacional.

-Olha aquele baixinho. - apontei.

-É o Napoleão Bonaparte; Barras apela ao Exército para conter a multidão.

-Já vi esse filme: Napoleão põe a multidão em fuga, com tiros de canhão e a sua ascensão ao poder a partir de então é vertiginosa.

-Vamos sair daqui, Carlos. - ordenou.

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