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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

2062 - checando Tchekhov 2

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3862 Data: 11 de novembro de 2011

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72ª VISITA DOS ESCRITORES À MINHA CASA

-Tatiana Tolstoi conta que o pai reunia a família, sentado diante de uma larga mesa redonda, sob o amplo abajur, e lia para todos os seus contos, Tchekhov. Muitas vezes se interrompia tomado de acessos de riso. Querendo Leon Tolstoi que você se dedicasse somente aos contos, bradava, segundo o testemunho da filha: “Como é que Tchekhov não compreende que nada é mais precioso e raro, em sua arte, do que o senso de humor?”

-Quando eu senti aptidão para as obras de mais fôlego, deixei para trás a minha produção de contos curtos.

-É claro, mas o autor de “Guerra e Paz” tinha as suas idiossincrasias. Um grande escritor argentino, que viveu no século XX, Jorge Luís Borges, não via os romances com bons olhos, dizia que tudo cabia nos contos.

Depois de uma pausa, retornamos às reminiscências biográficas do grande autor russo.

-Uma grande atriz da época recusou, então, a sua obra “Platonov”?

-Peça em quatro atos.

-Você tinha 20 anos de idade e tinha se mudado de Taganrog para o meio da pobreza em Moscou.

-Comecei a estudar Medicina; foram quatro anos e meio de estudos, licenciei-me em 1884.

-Seu pai, sempre atento à educação dos filhos, sacrificou-se ainda mais?...

-Mesmo estudando, publiquei os meus contos em vários jornais e revistas de Moscou e São Petersburgo. Escrevi para o Budilnik, o Strekoza, o Zritel, entre outros. Custeei, assim, o meu curso de Medicina e ainda mitiguei, no que fosse possível, a pobreza da minha família.

E completou:

-Em 1888, ainda publiquei, em forma de folhetim, na revista “Severnvi vestinik”, o romance “A estepe.”

-Quando a tuberculose se manifestou, Tchekhov?

-No ano seguinte, em 1889. Contagiei o meu irmão Nikolaj, que também foi vitimado pelo tifo. Meu outro irmão, Aleksandr, rendeu-me na vigília a Nikolaj, e parti. Fugi de uma morte igual a de Nicolaj.

-Foi o momento mais dramático da sua vida, que nunca foi fácil.

-Consegui um adiantamento de 1500 rublos do meu editor e amigo, Suvorin e viajei para a Ilha Sakalina.

-Você foi purgar o seu sentimento de culpa, pois a Ilha Sakalina era tão terrível quanto a Sibéria?

-Sim, a Ilha Sakalina, como a Sibéria, era usada como zona de desterro, havia lá dezenas de milhares de criminosos, incluindo presos políticos. Havia seres humanos que precisavam de médicos; eu realizei um levantamento das visitas que fiz, escrevendo notas e cheguei perto de 10 mil cartões individuais.

-Trabalhou arduamente. - falei o óbvio, pois nada me ocorreu diante de personalidade tão admirável.

-Parti, depois, para Vladivostok, Ceilão, regressei a Rússia, indo a Odessa e, em seguida, a Moscou.

-Tanto tempo dedicado à Medicina não o afastou da literatura?

-Não, em 1891, no “Novo Tempo” de Suvorin, publiquei, em capítulos “O duelo”.

-Grande obra! - entusiasmei-me. O zoólogo von Koren, influenciado pelas ideias do darwinismo social, gostaria de exterminar, em prol da humanidade, Laiévsky, sujeito perverso e depravado. O antagonismo entre os personagens chega a tal ponto que os dois se enfrentam num duelo. Fatos da vida de ambos vêm à tona. Laiévsky passou por situações que o humanizam, e von Koren aprende a enxergar qualidades latentes nas pessoas, inclusive em Laiévsky. O duelo final se torna, então, infundado e estranho.

-Conheci, nas férias de verão, em Bogimovo, Vladimir Vagner, recém-licenciado em zoologia, que defendia o Social-Darwinismo, o direito dos mais fortes, a seleção. Como topei com Laiévsky por todas a minha vida, a história de “O duelo” fluiu naturalmente da minha imaginação.

-Nesse mesmo ano, 1891, o clima seco, no leste da Rússia, provocou ondas de fome, dramas terríveis...

-Sim, eu dei toda a receita do meu conto “A minha mulher” para as vítimas, mas era muito pouco. Participei da coleta de fundos, viajei para uma cidade atingida, Niznij Novgorov, e trabalhei como médico e divulgador da catástrofe, através da imprensa, com o objetivo que mais pessoas prestassem ajuda aos necessitados.

-Tchekhov, você já era um autor consagrado, exercia a medicina, então, por mais que ajudasse seus semelhantes, tinha algum dinheiro para si.

-É verdade. Em 1892, decidi comprar uma quinta em Melichovo, a 60 km do sul de Moscou, para me instalar com parte da família.

-Comprou bem?

-Eu não fui um homem de negócios, gastei muito mais do que o razoável, porém, pude desfrutar uma casa de campo. Eu tinha, agora, uma quinta com 60 cerejeiras e 80 macieiras. Os lavradores das proximidades também me aceitaram muito bem.

-Claro; ganharam um vizinho que praticava a profissão de médico gratuitamente e que os presenteava com frutas da sua propriedade.

O seu sorriso, que foi dos generosos, se tornou malicioso quando me reportei às visitas de Lidija Mizinova à nova casa.

-Ela me inspirou algumas personagens. Mas logo veio uma epidemia de cólera e eu me mobilizei na angariação de fundos. No ano seguinte, o mal reapareceu e trabalhei na construção de barracas para quarentena, além de participar das campanhas de informação sanitária.

-Você não descansava?

-Em 1894, viajei pela Europa. A partir de 1895, passei a adquirir livros para abastecer a biblioteca da minha cidade natal, Taganrog.

-Enquanto Anton Tchekhov fala, peguei um livro, folheei-o e disse:

-Aqui está a sua biografia, que diz que, em 1895, você se tornou curador de um colégio em Talez. No ano seguinte, com seus próprios recursos, você financiou a construção de uma escola, nessa cidade;em 1897, a escola que constrói fica na aldeia Novoselki.

-As crianças têm de ser educadas.

-Ao mesmo tempo, você escrevia os romances “A minha vida” e “Os camponeses”.

-Havia uma visão utópica e romântica dos intelectuais russos da cidade sobre os camponeses. Eles pregavam um regresso à agricultura e à vida do campo sem saberem, como eu, que estava com as mangas arregaçadas, que os campesinos não eram para ser incensados: grassava entre eles o alcoolismo, a ignorância, a brutalidade, a maldade. Coloquei essa realidade da Rússia nos meus livros de 1896 e 1897.

-E a oposição contra você dos defensores dos pobres, aqueles não dedicaram um dia das suas vidas a eles, enquanto você dedicou quase toda a sua vida, foi grande?

-Sim, houve até quem afirmasse que eu falsificava a vida gloriosa dos camponeses.

-Sei que você nunca ajudou os necessitados movido por um partido político ou por uma religião, pois um partido político pressupõe uma recompensa material, e a religião, uma recompensa espiritual.

-Eu seguia um impulso natural.

-No fim do século XIX, e início do século XX, você dominou inteiramente a arte teatral russa com suas obras-primas.

-Sim, casei-me com uma grande artista, em 1901, Olga Leonardovna Knipper. Pena que durou pouco, pois tive uma recaída, com a tuberculose, e morri em 1904.

-Antes de morrer, ainda se colocou do lado do Capitão Dreyfus, que fora preso na Ilha do Diabo, pelo exército francês, por ser judeu.

-Sim e por isso, rompi uma amizade de muitos anos com Suvorin.

-Tchekhov, escreveram que seres humanos como você só aparecem a cada mil anos e eu acho que acertaram.

-Exageros.- sorriu antes de se afastar.

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