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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

2066 - Foi o Pinóquio ou o Geppetto?

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3866 Data: 18 de dezembro de 2011

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PERSEGUIDO POR UMA CANÇÃO

Como eu estava de férias, resolvi almoçar no Shopping. Preferiria almoçar no Jockey, como os peralvilhos dos romances do século XIX, mas como esse costume très chic, conforme atestariam o janota Dâmaso Salcede, dos Maias, e a erudita Rosa, do 86, saiu de moda, como a língua francesa, fui para o Shopping.

Pretendia aparecer lá às 10h, em ponto, hora da abertura das portas e, como o tráfego de veículos fluía, além de a distância ser pequena, cheguei no tempo certo.

Atravessei a porta principal e uma melodiosa canção entoada em inglês inundou os amplos espaços do NorteShopping.

-Que música é essa? - sacrifiquei a minha memória.

-Parece a canção do desenho Pinóquio de Walt Disney...

Apesar do ar condicionado em ação, eu estava ficando quente, mas precisava lembrar o nome da canção para me dar por satisfeito. As minhas vistas pousavam nas vitrines das lojas, mas a minha cabeça se achava na busca do nome da música-tema do filme Pinóquio.

-Quando você faz um desejo a uma estrela... Isto! When you wish upon a star. - reconheci.

Sentindo-me vitorioso, entrei na Livraria Siciliano para xeretar os livros. Na linha de frente, estavam as memórias e autobiografias. Houve uma época, anos 70, em que eu lia tanto esse gênero literário, que um amigo, o Doutor Pirulito, dizia que eu adorava saber da vida dos outros.

Lá estavam as memórias do Ricardo Amaral, do Bôni, as biografias do Glauber Rocha, da Dilma Rousseff, do Winston Churchill, do Charles Chaplin, do Steve Job... No meu trabalho, aliás, há um funcionário de nome Jorge, que se atrapalha tanto com a linguagem do computador, que ganhou o apelido de Steve Jorge.

Rumei para a seção de revistas e me deparei com um tesouro: as tiras do Charlie Brown publicadas nos jornais, encadernadas por ano, de 1951 em diante. Olhei as tiras mais antigas e vi que os traços dos personagens, como o passar do tempo, se tornaram mais requintados. Sempre gostei da criação de Charles Schulz e introduzi meu sobrinho, quando pequeno, nesse belíssimo universo, dando-lhe filmes e revistas, e até hoje ele acompanha Charlie Brown, seu cachorro e sua turma.

Procuro, depois, a seção das gravações em busca da ópera “Fausto” de Gounod para dar de presente de Natal à minha mãe. A fita em VHS já descoloriu e a nitidez da imagem já se perdeu. A alta tecnologia criou uma tal rotatividade que os arquivos se perdem em poucos anos. Humberto Eco já escreveu sobre as vantagens da folha de papel de algodão que preservou livros por mais de 500 anos no artigo que intitulou “A transitoriedade dos periféricos”.

Não encontrei o DVD do “Fausto” e resolvi sair. Atravessei a porta da livraria, e o alto falante tocava ... When you wish upon a star.

-Não é, que eu saiba, uma música natalina.- pensei, enquanto via algumas guirlandas de Natal penduradas no teto.

Depois, atentei para a voz o cantor; era bom, mas não tinha uma voz formidável. Compositores para trabalhar nos estúdios da Disney tinham de ler partitura. Segundo o José Ramos Tinhorão, o Ary Barroso voltou dos Estados Unidos para o Brasil porque não tinha o Radamés Gnatalli, o autor do arranjo da Aquarela do Brasil, ao lado, para socorrê-lo musicalmente. Quem compôs esta música do Pinóquio, lia partituras e escreveu notas difíceis de serem entoadas. Eu pensava nisso tudo depois de ouvir o cantor recorrer a um falsete.

Entrei no caixa eletrônico do Banco do Brasil para pegar dinheiro. Estranhei o tamanho comprido da fila até notar que o mês de dezembro se iniciava: muita gente recebera o salário. A vantagem que a fila era única; desde que automatizaram muitos serviços bancários, acabaram as numerosas filas, tempo em se impunha uma das mais famosas leis de Murphy: “Sempre que você sai de uma fila que não anda, para outra, que anda, a fila que não andava passa a andar e a fila que andava passa a não andar.

Com o dinheiro na carteira, rumei para a “Lidador”. Acompanhava-me o som do When you wish upon a star. Será que o Anthony Bennett, o Frank Sinatra gravaram esta composição?... Talvez não, mas certamente, muitos artistas, aproveitando o grande sucesso do filme dos Estúdios Walt Disney, a gravaram. E me perguntei: já que a direção do Norte Shopping pretende celebrar o período natalino com When you wish upon a star, porque não coloca os discos de outros cantores?...

Recordei-me, então, de um programa vespertino da Rádio MEC, de uma hora de duração, quando foi tocado apenas Stardust. O locutor anunciou que esta composição criada, em 1927, por Carmichael, recebeu letra de Mitchel Parish dois anos depois, isto é, em 1929. O sucesso ganhou tamanha proporção, que foram feitas 1300 versões, sendo Stardust a canção mais gravada na primeira metade do século XX e quiçá da segunda metade, também.

Assim, uma única composição musical encantou os ouvintes durante 60 minutos. Lá estavam famosas interpretações de Stardust como aquela do Frank Sinatra, em 1961, em que ele canta apenas a introdução. Contudo, ninguém superou Nat King Cole, na minha apreciação.

Eu não pretendia o impossível, que a administração do NorteShoping realizasse a mesma coisa com When you wish upon a star, mas que, pelo menos, variasse um pouco os intérpretes.

Encomendei duas garrafas de vinho na “Lidador”, prometendo buscá-las por volta do meio-dia e fui para as “Lojas Americanas”. Lá, não sei explicar o porquê, recordei-me do ex-prefeito César Maia que, num açougue, pediu um sorvete. A oposição o chamou de doido, mas era aquela loucura Hamletiana: tinha o seu método. Ele aparecia na mídia e tocava num ponto: as casas comerciais negociam praticamente tudo. Ali, nas “Lojas Americanas”, havia seções de livros e discos, como se fosse uma “Livraria Siciliano” em tamanho menor.

Examinei os livros infantis, e me deparei com “As Aventuras de Pinóquo”. Como todos sabem, trata-se de um clássico da literatura infantil, publicada em 1883, pelo escritor italiano, Carlo Collodi. Pinóquio, um boneco, foi esculpido a partir de um tronco de madeira pelo entalhador Geppetto, numa vila da Itália e desejava ser um menino. (*)

When you wish upon a star escutei do percurso que fiz das “Lojas Americanas” a “Casa & Vídeo”. Pretendia comprar um radio para enganchar na minha bermuda, enquanto fizesse minhas caminhadas nas madrugadas de verão, sem camisa. Depois de muita procura, a fome aumentou e fui para a Praça de Alimentação.

Servi-me do que me pareceu mais saudável, evitando os agrotóxicos dos pimentões e dos pepinos, o colesterol dos camarões, ou seja, seguindo o conselho dos gregos antigos, pois os modernos estão falidos: “Faça do seu alimento o seu remédio”.

Comi ouvindo a música do Pinóquio com aquele falsete que me desagradava cada vez mais.

Meia hora depois, carregando uma sacola com duas garrafas de vinho, dirigi-me para a saída do Shopping perseguido pela canção cujo nome não preciso mais dizer.

(*) O Distribuidor do seu O BISCOITO MOLHADO tem impressão diferente, embora embotada pelo tempo: era Geppetto quem desejava ardentemente ter um filho e fez Pinóquio com esta intenção. A Wikipédia, entretanto traz a opinião do redator. Boa questão para movimentar o blog.

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