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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

2054 - fotografando

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3874 Data: 01 de dezembro de 2011

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DENTRO E FORA DA AMBULÂNCIA

Um colega de serviço nosso, tido como meio maluco, era motivo de piadas porque, nas fiscalizações que realizamos nos portos e terminais portuários, ele sempre pergunta pela ambulância.

-É evidente que logo que ocorra um acidente, o OGMO – Órgão Gestor de Mão de Obra – aciona a ambulância, e, ato contínuo, a vítima é atendida. - esclareciam.

Em seguida, quando percorríamos a extensão do porto ou terminal, o nosso amigo procurava a ambulância com certa ansiedade.

-Fotografa. - pedia ao Paparazzo, o companheiro encarregado de fotografar os pontos portuários relevantes para os nossos relatórios.

-A ambulância não deveria estar na sombra?- pergunta quando a vê sob os raios solares.

-Logo, a sombra daquela amendoeira estará sobre ela. - explicaram-lhe certa vez.

-E se alguém precisa dela agora, antes da sombra da amendoeira chegar? - insistia.

Bem, neste segundo semestre de 2011, nosso colega meio doido resolveu gozar sua licença-prêmio e, assim, os gerente dos portos e terminais que fiscalizamos não precisaram prestar tantos esclarecimentos sobre o socorro urgente no local da sua administração.

E, sem ele, partimos para o Terminal da Vale, em Mangaratiba, e para os portos de Angra dos Reis e de Itaguaí. Como eu não ia ao porto de Itaguaí há dois anos, fiquei assombrado com as mudanças, principalmente as realizadas pela Marinha, que envolve energia nuclear. Com todas aquelas obras (até túnel), toquei de leve no ombro do nosso Paparazzo e lhe fiz um pedido.

-Não se esqueça de fotografar a ambulância.

-Já fotografei e vou enviar por e-mail... Ele ficará emocionado.

Paparazzo não se esquecera do nosso colega meio maluco.

Nessas viagens, todas as minhas rotinas são quebradas; janto, por exemplo, na hora em que costumo dormir. No entanto, o meu costume de madrugador persiste. Em Angra dos Reis, acordei antes das 5 horas da manhã e, minutos depois, caminhava na parte molhada da areia da praia. No primeiro dia de caminhada, não percebia viva alma, porém, sentia cheiro de maconha. Seria mesmo maconha?... Sim, era; não existe um só frequentador da Praça Manet, de Del Castilho, que não identifique o seu cheiro. No dia seguinte, o cenário se repetiu: eu caminhava, enquanto amanhecia, enquanto fumantes ocultos pitavam a cannabis sativa.

Soube, nesse mesmo dia, que o rapaz encarregado de levar, de bicicleta, os pãezinhos para o café da manhã das pousadas, fora assaltado duas vezes por meliantes, segundo ele, desalojados dos morros do Rio de Janeiro.

-Não me roubarão uma terceira vez – declarou – enquanto tirava debaixo do selim um revólver calibre 22.

-Então, os pãezinhos frescos dos turistas estão garantidos?

-Estão. - confirmou, brandido o seu 22.

Feito o nosso trabalho, fomos convocado para mais duas viagens: uma, para Arraial do Cabo, onde se situa o Porto de Forno, e outra para Macaé, onde se localizam algumas empresas de navegação que operam para a Petrobras. Não me entusiasmei com essa sequência de viagens, mas fiz as malas.

Saímos do trabalho numa segunda-feira, às 10h da manhã, ao meio-dia almoçávamos na estrada, à 1 hora da tarde nos registrávamos numa pousada em Cabo Frio e, às 2 horas, nós estávamos numa sala apertada, no porto de Forno, debatendo com o seu gerente.

-Vocês declararam que não há sinalização náutica devido às excelentes condições do acesso marítimo, mas nós vamos confirmar isso, amanhã, na Capitania dos Portos. - dissemos.

-Está no Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do porto: um sinal luminoso, colocado na ponta do molhe de proteção, orienta os navios. - contrapôs o gerente.

Nesse instante, senti uma tonteira de quem consumira toda caipirinha do jogador Fred, numa noitada.

-Será que alguém notou?- preocupei-me.

Não, ninguém notara. Lá fora, quando andarmos pelo porto, eu me sentirei melhor. Não me senti. Quando falaram em ir até o molhe, para fotografar o tal sinal luminoso, olhei a distância que teria de percorrer e desisti do meu papel de John Wayne, ou seja, de durão.

-Não me sinto bem.

Imediatamente, o gerente do porto telefonou para que alguém viesse até nós de carro.

-Fique calmo. A sua aparência está ótima. Você não está suado... - disse-me um dos colegas.

O carro chegou, a porta traseira foi aberta, e eu me acomodei lá. Cinco minutos depois, eu saía do carro para entrar na ambulância do OGMO.

-Meu colega meio maluco tinha razão quando falava da sombra das amendoeiras sobre as ambulâncias, isto aqui está quente.

-Sente-se neste cadeira e fique relaxado.- disse-me gentilmente o enfermeiro do Órgão Gestor de Mão de Obra.

Lembrei-me da dramática personagem de Tenesseee Wiliams que dizia depender da generosidade de estranhos.

Tirou-me a pressão arterial e nada disse; em seguida, colocou uma espécie de pregador no meu dedo.

-A sua pulsação está um pouco acelerada.

Desceu a escada do veículo e voltou minutos depois:

-Nós vamos levá-lo para o hospital da cidade, que é pertinho daqui, seus amigos já foram avisados.

A ambulância parou diante do hospital e eu fui colocado numa cadeira de roda. Como aquela mordomia me agradava, não protestei quando o enfermeiro do OGMO me transportou para o atendimento.

-Por que ele está na frente de todo o mundo? - reclamaram.

-Porque é caso de emergência. - retrucou.

Levaram tanto tempo para preencher a minha ficha que, mesmo os que chegaram depois, foram atendidos antes de mim.

Finalmente, empurraram a minha cadeira de rodas até um médico de uns 70 anos.

-O que ele tem?

-A pressão dele está 14 por 9. - revelou, finalmente, o enfermeiro do OGMO.

-Mas é uma pressão boa. - declarou.

-Pertenço a uma família de hipertensos, e 14 por 9 é normal.- manifestei-me.

-Toma remédios para a hipertensão?

-Tomo diariamente.

-Abre e feche a boca. Segure a minha mão direita e aperte, depois, a esquerda e aperte também.

Obedeci a todas as suas ordens, depois de constatar que eu não tivera um AVC, perguntou pelas minhas atividades nos últimos dias. Contei-lhe o que fizera, omitindo os meus encargos na redação do Biscoito Molhado.

-Você precisa descansar, o seu problema é estafa. Ainda assim, vou pedir a enfermeira para lhe dar um comprimido sublingual e, quarenta minutos depois, sua pressão será de novo tirada.

-Já com o comprimido sob a língua (desconfio que fosse um placebo), o atencioso enfermeiro do OGMO do porto de Forno se despediu de mim, alertando-me sobre duas clínicas de Cabo Frio que aceitam todos os Planos de Saúde.

Mal ele saiu, um crioulo alto se aproximou de mim:

-Eu já estive a bordo... Você não pode arrumar um emprego para mim?

-Meu trabalho é burocrático...

-Então... Você conhece muitas pessoas que podem me arranjar trabalho no navio de novo.

-Não tenho essa liberdade com os conhecidos.

Quando ele se afastou, chamei, pelo celular, um dos meus colegas que ficara na sala de espera. Ele veio.

-Caramba, até emprego já me pediram aqui.

-É o camarada que trabalha no atendimento, ele também me pediu trabalho num navio quando soube que eu era da Marinha Mercante.

Passados 40 minutos, a enfermeira tirou a minha pressão, no corredor do hospital e, à porta da sala do médico, disse que era 14 por 9. Depois, voltou-se para mim?

-Está liberado.

-Vamos pedir um atestado ao médico. - disse meu amigo.

-O que ele teve?

-Ele precisa descansar durante três dias. Vou colocar isto no atestado.

Saindo no hospital, ainda revelei uma preocupação:

-Vocês me fotografaram na ambulância?

-Esquecemos. - levaram todos as mãos à cabeça.

-Ainda bem, pois nosso amigo meio maluco se sentiria realizado.

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