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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

2059 - vozes de cá e do além

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3859 Data: 7 de dezembro de 2011

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O SABADOIDO REVISITA O CACHAMBI

PARTE II

-Vou trazer as bebidas. - anunciou o meu irmão, antes de se voltar para o Vagner.

-Você quer com gelo ou sem gelo?

-Pura. - entrou o Vagner na brincadeira.

-Luca, você abriu o e-mail com o vídeo do Nélson Gonçalves cantando “Renúncia”?

-Uma maravilha, Carlinhos.

E se pôs a cantar:

“A minha renúncia enche-me a alma e o coração de tédio. A rua renúncia dá-me desgosto que não tem remédio.”

Antecipando-se às risadas do Vagner, quando canta, Luca o avisou:

-Pode rir à vontade.

Depois de entoar os primeiros versos da melodia, perguntou-me.

-Você conhecia?

Respondi afirmativamente, embora eu não soubesse precisar quando ouvi, pela voz de Nélson Gonçalves, esse fox (soube depois que era esse o gênero musical), se em agosto de 1961, ou outra época.

-O que me intriga é o dueto do Nélson Gonçalves com o Tim Maia. Eles cantaram juntos?...

-Luca, você nota que a filmagem é antiga. - argumentei.

-Sim, mas dia desses, assistindo à televisão, eu estava surpreendido com as alterações que se fazia numa imagem, quando a Kiara me levou até o computador e fez a mesma coisa.

-A Mariana também faz.

-Sim, Vagner, mas a sua filha é adulta, a minha neta é uma criança. Eu imagino o que o Daniel deve fazer em matéria de montagens...

-Luca, o Tim Maia ainda pegou a época em que a voz do Nélson Gonçalves estava no auge. - retornei à dúvida.

Nesse instante, meu irmão apareceu com dois copos.

-Cláudio, o Tim Maia cantou com o Nélson Gonçalves?- indaguei.

-Carlinhos, o Tim Maia apareceu mais ou menos na época do Roberto Carlos, estaria, hoje, com uns 70 anos...

-O Cláudio parece o Brizola: pergunta-se uma coisa, e ele responde outra. - provoquei.

-Eu estou respondendo!- exaltou-se.

(Pesquisas posteriores mostraram que o fox “Renúncia”, de Mário Rossi e Roberto Martins, recebeu a sua primeira gravação em 1942, na voz privilegiada do Nélson Gonçalves, e, em 1958, integrou uma das faixas do seu LP “Buquê de Melodias”. “Renúncia” se tornou ainda mais popular com a novela “Escalada”, de 1975, da TV Globo).

-Há muitas belas canções nos vozeirões de antigamente.

Para exemplificar, Luca se pôs a cantar um sucesso que atribuiu ao mesmo Nélson Gonçalves.

-Quem cantava era o Orlando Silva. - corrigiram-no.

-Orlando Silva?!... Tem razão, Claudiomiro. Ele é o meu cantor preferido.

Concordei, enquanto o Vagner se mantinha calado e o Cláudio insistia com o senso rítmico da voz do Gilberto Gil.

-Carlos Galhardo fez muito sucesso no tempo do meu pai e da minha mãe. Ele cantava essa música que embalou muitos casais.

E pôs-se o Luca de novo a gorjear.

-É uma valsa. - disse ao identificar o compasso ternário.

-Conhece?- entusiasmou-se.

-Sinceramente, não. - respondi.

-E você, Claudiomiro?

-Nunca ouvi.

-Não é possível que ninguém aqui tenha ouvido... A Gina se lembrará.

Convocada, a Gina não se lembrou.

-Poxa, Gina, tirei muitas dúvidas sobre músicas com a sua mãe, a Dona Margarida. Ela conhecia, certamente, essa gravação do Carlos Galhardo.

-Eu desconheço. - repetiu a Gina.

Em seguida, a sessão do sabadoido passou a tratar dos moradores da Cachambi das décadas passadas e os seus carros.

-O Seu Geraldo teve um Austin. - disse a Gina,

-Foi num Austin que Seu Antônio aprendeu a dirigir e realizou as maiores barbeiragens. - falei, voltado para o meu irmão, o único ali que conheceu o piloto e a sua máquina.

-Seu Geraldo também teve um Jaguar. - aditou a Gina.

-Meu pai precisava de carro para transportar as televisões. - interveio o Vagner.

-Dieckmann adora esse felino. - disse logo que ouvi o nome do mamífero que bebe gasolina, em vez de leite.

Em seguida, nomes de carros, como Bel Air, Karmann-Ghia, Gordini, Romi-Isetta, Simca Chambord e de seus respectivos donos foram citados numa rapidez tão vertiginosa que eu já não sabia relacionar dono e veículo.

-Para mim, o Fusca sempre será um carro de valor. - declarou meu irmão.

O Adalberto teve um Fusca de 1954, se não me engano. A carroçaria não era de chapa, era puro aço alemão. - lembrei.

Antes que fosse recordado o furto do fusquinha da Lúcia, irmã do Vagner, quando o vizinho da frente, o português Seu Baldaia, inocentemente ajudou os ladrões, empurrando o veículo para que pegasse no tranco, mudou-se de assunto.

Luca largou o copo para pegar um recorte da Folha de São Paulo, com palavras manuscritas pela Rosa Grieco, e me entregou. Tratava-se de uma resenha do livro “Ópera por Simonsen”, editado pela Insight Engenharia de Comunicação e a Vale.

-É um cachaça. - bradou.

Apesar da opinião depreciativa, não desviei a vista do texto, que falava das dez óperas fundamentais, no parecer do Mário Henrique Simonsen. O câncer no pulmão provocado pelos 800 mil cigarros que fumou, permitira-lhe escrever apenas sobre três dessas óperas: Tristão e Isolda, de Wagner; Don Giovanni, de Mozart; e Otello, de Verdi. Apesar de faltarem ainda sete, o livro chegou às 172 páginas.

“Simonsen registra pontos que passam despercebidos por quase todas as plateias, como a orquestração de trompas (trompa é corno, em italiano), que persegue o camponês Masetto, cuja noiva é assediada por Don Giovanni, na ópera de Mozart.”

Quando eu lia na tal resenha, depois do parágrafo acima, que, tratando da ópera Tristão e Isolda, de Wagner, Simonsen discorre sobre irresolução tonal, modulações e escala diatônica, Jura, a irmã da Gina, apareceu, e se falou de futebol.

-O Fluminense não ganhou um clássico do campeonato carioca. - esbravejou.

-Fique tranquila, Jura, que amanhã, quando o Fluminense enfrentar o Botafogo, ele reverte essa situação.

-Carlinhos, mesmo com o Botafogo caindo pelas tabelas, não vai conseguir.

-O Fred pretende ser o artilheiro do campeonato brasileiro.

-Daniel, o Fred pode até ser o artilheiro, mas o Fluminense continuará sem vencer clássicos cariocas. - insistiu a Jura na sua previsão.

Minutos depois, o Luca atendeu o celular. Apesar de a sua mão estar em formato de concha, eu o ouvi falar em colônia de férias na escola da sua sobrinha. Interessei-me, pois pretendia presentear minha sobrinha-neta com essa colônia de férias. Os assuntos, no entanto, fervilhavam no sabadoido e eu esqueci de tratar do assunto. Quando meu irmão falava de um filme, de um jogo de futebol ou de uma canção, não me recordo mais, eu o interrompi porque não queria me esquecer de novo:

-Luca, a Kiara vai para a colônia de férias?

Aborrecido com a interrupção, Cláudio cuspiu maribondos.

-Hoje, ele se parece mesmo com o Brizola, o caudilho dos pampas, não concede nem aparte. - pensei.

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