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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

2055 - dando cabo no arraial

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3875 Data: 02 de dezembro de 2011

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DENTRO E FORA DA AMBULÂNCIA

PARTE II

Quase dez anos atrás, 2002, acontecia-me algo parecido, posso afirmar pensando na minha ida ao SUS de Arraial do Cabo. Fazíamos um curso de pós-graduação, com inúmeros módulos, e tínhamos de realizar uma prova de Finanças Públicas logo depois do carnaval, na quinta-feira de cinzas, precisamente. Sim, eram tantas páginas para memorizar que a quarta-feira de cinzas se estendeu até o dia seguinte. Passei o carnaval estudando, enquanto o próprio Dieckmann, colega de curso, para prestigiar o genro, desfilou numa escola de samba que homenageava o circo, carregando livros na Marquês de Sapucaí – entre uma evolução e outra, lia sobre Taxa Interna de Retorno, Shark Repellent, e outros mil assuntos atinentes a Finanças Públicas.

Recordo-me que, na época, tentei parar de escrever este periódico.

-Cadê o Biscoito Molhado?- cobrou-me o Dieckmann.

-Fiquei sem tempo por causa deste curso de Regulação Econômica.

-Vamos deixar de vagabundagem, Biscoito.

Como ele era o chefe, tive de retornar à redação. Até que consegui administrar o tempo de estudo e de jornal, mas quando veio o dia que antecedeu a mencionada prova, a coisa ficou feia. Escovava os dentes, quando meus joelhos dobraram e eu fui ao chão. Levantei-me com o corpo suado e consegui chegar até o meu quatro, onde me deitei na cama. Acostumado a correr todos os dias, praticamente, superei aquela vertigem, mas diminuí meu ritmo de estudo transportando-me para o tempo de estudos no Visconde de Cairu, quando eu não era competitivo e, por isso, mais receptivo aos ensinamentos.

No dia seguinte ao meu mal-estar em Arraial do Cabo, meus colegas partiram de manhã cedo para a Capitania dos Portos de Cabo Frio e para Macaé, enquanto eu permanecia na pousada. Ficou assentado que, no final da tarde, nós nos encontraríamos.

Aconselharam-me a caminhar pelo calçadão da Praia do Forte, mas preferi ir até as Lojas Americanas. Não seria um passeio socrático, ou seja, eu não olharia as mercadorias para depois filosofar: “De quantas coisas eu não preciso para ser feliz”. Eu pretendia comprar algumas mídias de DVD, capas para essas mídias e uma garrafa de vinho ou de outra bebida que não fosse cicuta. Fugindo das minhas características de andar apressadamente, as minhas passadas, nessa perambulação, foram de convalescente.

Fiz as minhas compras, voltei à pousada e esperei a hora do almoço.

Meus colegas partiram para o trabalho e deixaram o motorista com a missão de cuidar de mim e de avisá-los de qualquer imprevisto com a minha saúde. Onde estava o motorista? - perguntei-me. Certamente procura uma jovem no site de relacionamento, deduzi, pois só o vira, naquele dia, no salão do café da manhã da pousada.

Avisei-o, pelo celular, ao meio-dia e meia, que sairia para almoçar. Ele me respondeu que iria comigo ao restaurante.

-Está duro. - murmurei.

-A sua empresa não colocou ainda o seu pagamento na conta? - perguntei-lhe a caminho dos restaurantes do Canal.

-Não, Seu Carlos, eles pensam que nós não temos despesas.

Eu já desistira de lhe pedir que arrancasse o tratamento cerimonioso do meu nome.

-Olha quem está aqui! - apontou jubilosamente.

-Era um colega nosso de trabalho que perdera um cargo comissionado, e, por isso, resolveu aposentar-se e ir para a casa de veraneio da mulher, em Cabo Frio. Ela, no entanto, ainda dava duro no batente.

-Ali, onde estou apontando, tem um restaurante a quilo muito bom, venho de lá agora. - sugeriu ele depois das saudações.

-Iremos lá em outra oportunidade, pois pretendo comer galeto com aquela salada de beterraba,cebola, cenoura,batata, alface, tomate.- falei.

-Vão na “Nega Maluca”?

-Vamos no “Zé.” - esclareci.

Num diálogo ligeiro, entre nós três, ficou combinado que ele iria à nossa pousada, às sete horas da noite e, em seguida, partiríamos todos para jantar, incluindo os que estavam em Macaé, agora. Com um até logo, ele se foi.

Depois de rechaçar o assédio de quase todos os garçons do Canal de Cabo Frio, sentamo-nos à mesa do Restaurante Zé, uma que não recebesse muito vento, exigência minha.

-Depois deste almoço, eu volto para a pousada e termino de ler a Veja desta semana. -programei-me.

-Eu volto para a Internet para ver se consigo alguma coisa. - disse meu acompanhante.

Por falta de sorte, fiquei num quarto localizado no primeiro andar, com isso, muitos barulhos indesejáveis me chegavam aos ouvidos, como a bandeja que se chocou, de madrugada, com o chão do refeitório. Assim, identifiquei logo, pelo alvoroço que vinha do salão do café da manhã, que meus amigos haviam chegado de Macaé. Como a farra estava boa, larguei a revista que lia relaxadamente no meu pouso, saí do quarto e me juntei a eles.

-E como você está? - preocuparam-se.

-Bem, respondi.

-Levaram-no para espairecer com as belezas da Região dos Lagos?

-O meu lazer será de noite, no jogo Flamengo e Figueirense. - enfatizei.

Como fora aprazado, o nosso colega aposentado apareceu para o encontro com os amigos. Éramos seis iluminados pelas lâmpadas das ruas de Cabo Frio em busca de um local para comer e assistir aos jogos do campeonato brasileiro.

-Não precisamos ir longe, pois há bons barzinhos por aqui. - sugeriu o nosso colega decano com a experiência de quem visita a cidade todos os fins de semana e todas as férias durante anos.

Com a sua voz ecoando nos nossos ouvidos, paramos diante de uma tela de 70 polegadas ou mais. Um senhor com uma farta barba que lhe cobria parte da protuberante barriga se aproximou:

-Os senhores desejam alguma coisa?

-Gostaríamos de saber se o bar é bom, se a comida é boa e se essa televisão mostrará o jogo Flamengo e Figueirense. - manifestou-se um dos nossos.

-Não posso dizer que o bar é bom, porque ele é meu e eu sou suspeito para falar. Quanto à comida, eu não tenho recebido queixas. A televisão maior transmitirá Flamengo e Figueirense e aquela menor, no canto, está reservada para o jogo Atlético Mineiro e Coritiba, porque alguns fregueses são de Minas Gerais.

Dito isso, afastou-se discretamente.

-Gostei do barbudo. - falei.

-E barrigudo. - acrescentaram.

Minutos depois, estávamos comendo, bebendo, urinando e torcendo no meio da barulheira dos torcedores.

Lá pelos 20 minutos do primeiro tempo, nosso colega aposentado, que torce pelo Flamengo, gritou no meu ouvido:

-Falta um Gérson, um Zizinho neste time.

-Um Evaristo, um Dida. - acrescentei.

-A mineirada está fumando e não pode. - queixou-se um dos nossos amigos.

-A fumaça não chega até aqui. Relaxa. - intervim.

Sem relaxar, ele passou a torcer pelo Coritiba; até então, só torcera pelo Figueirense. Toquei-lhe no ombro e ele se virou para mim:

-Pode torcer contra o Flamengo e contra o Atlético Mineiro que eu garanto. - disse-lhe.

Para o meu grande espanto, o tumulto provocado pelos torcedores não me aborrecia, mas no fim do primeiro tempo, avisei sobre o meu retorno à pousada.

-Não vai ficar para o segundo tempo?

-Até os primeiros 45 minutos, eu aguento um banheiro sujo, mas depois disso, não.

E parti.

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