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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

2067 - o barraco do polonês

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3867 Data: 20 de dezembro de 2011

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NA TADEU KOSCIUSKO

Nos primeiros anos da década de 70, havia as peladas das manhãs de sábado. Essas peladas contavam com o Reinaldo. Para os que se esqueceram das edições passadas do Biscoito Molhado, trata-se do cunhado do Luca.

Reinaldo, depois da obsessão pela bola de futebol e pela pipa, na infância e adolescência, deu de trabalhar tanto que o lazer ficou um pouco esquecido, porém as mencionadas peladas eram uma exceção.

Certa vez, com emprego na Caixa Econômica Federal, programou um jogo de futebol de salão noturno entre a sua turma da Rua Chaves Pinheiro e os seus colegas de serviço, numa quadra próxima do Centro. Recordo-me que eu marcava um senhor que me assustava não pelo toque de bola, mas pela respiração arfante, pré-agônica.

-Se ele enfarta e cai sobre mim, talvez eu não sobreviva. - temia, olhando para os seus mais de noventa quilos mal distribuídos por uma estatura elevada. E os outros “atletas” não fugiam desse biótipo.

-Trazem garotos para jogar contra a gente. - reclamou um deles, suando em bicas, depois do apito final.

Se Reinaldo escutou, fez ouvidos de mercador; espertamente, jogou pelo time da sua rua.

Sei que ele não abria mão das peladas matutinas de sábado, apesar de a oposição (quem conseguiu a unanimidade?), garantir que era um mão fechada. Quem merecia ser adjetivado como sovina era o Tonico, português da Chaves Pinheiro que, por amor a esses jogos na Quinta da Boa Vista, levava uns quatro peladeiros num dos seus táxis sem cobrar a corrida.

Quanto ao Reinaldo, mesmo chegando à casa, de madrugada, e sem tempo para o café matutino, rumava às sete horas da manhã, sete e meia, o mais tardar, para a antiga residência dos fugitivos de Napoleão Bonaparte. Certa vez, estava tão faminto que, na entrada da Quinta da Boa Vista, comprou de um ambulante um bolo mata-fome e um refrigerante. Esse bolo, confeccionado com farinha de milho, deixava-nos embuchado por umas duas horas. O refrigerante se fazia necessário para o dito cujo conseguir passar pela garganta e atingir o estômago.

Como eu definiria essas peladas? Eram uma manifestação de lazer?... Às vezes sim, às vezes não; a turma do deixa disso já teve de agir quando, por exemplo, o Damião e o Reco, um morador da Vila da Eva (era apenas uma vizinha), se estranharam. Eram catárticas?... Creio que não, podia se sair delas fisicamente mais leve, com o suor escorrido, mas espiritualmente, não. Um ou outro peladeiro evoluiu tecnicamente, pois o já citado Tonico, pelo modo estabanado de disputar a bola, era uma ótima cobaia para aqueles que queriam aperfeiçoar determinados dribles.

Costumavam jogar, além dos já citados Reinaldo, Damião, Reco e Tonico, Cosme, Maninho, eu, Cláudio, Lopo, Reginaldo, Rogério e Augustinho.

Lá por 1973, 1974, veio a notícia: Reinaldo teria de trocar os desfiles da Portela pelo bloco Pacotão. Explico: ele foi transferido para a Caixa Econômica de Brasília.

Com essa mudança, trocávamos correspondência e eu o mantinha inteirado dos acontecimentos das peladas da Quinta da Boa Vista. Ele, por sua vez, contava como foi a sua formatura na Universidade de Brasília, para onde se transferiu: apareceram formandos que ele nunca viu na sala de aula.

Sempre vinha correndo para o Rio de Janeiro, quando surgia, uma oportunidade, e, certa vez, trouxe-me o LP “O Milagre dos Peixes” do Milton Nascimento.

A Quinta da Boa Vista, nesse ínterim, tinha sido relegada para o segundo plano por nós, pois surgiram os jogos de futebol de salão na quadra do Lar de Júlia, que arregimentou um número enorme de praticantes, mesmo aqueles que julgávamos que já tinham pendurado as chuteiras como o Luca, o Tião, o Vicente, o Paulinho do Seu Moura, o Mazola, etc, etc.

Assim, numa folga de fim de ano, Reinaldo apareceu para jogar no Lar de Júlia, e trouxe para a plateia a Fátima, com quem se casara recentemente.

-Vicente, a bola está ali!... Vá nela!... - reclamou o seu time.

-É a mulher do Reinaldo... Parece uma índia. - murmurou encantado.

Em Brasília, Reinaldo participou do concurso da Petrobras e foi aprovado. Conseguiu um feito e tanto; as mães casamenteiras da Rua Chaves Pinheiro, que lembravam marcantemente as personagens de Jane Austen à cata de um bom partido para as filhas, tiveram de se conformar, pois ele já estava com a aliança no dedo.

-Casou com uma mulher bela como Iracema – diria o Vicente, que também lia os romances de José de Alencar.

A notícia que o Reinaldo retornaria de vez para o Rio de Janeiro, como funcionário da Petrobras, se espalhou. Num sábado, o Luca, no seu indefectível fusquinha de chapa SW 3200, me chamou, com outros amigos, para vermos a mudança do Reinaldo para a Rua Tadeu Kosciusko, no bairro de Fátima.

Tadeu Kosciusko, soube depois, foi um líder polonês que lutou contra o império russo, em 1794, com tanto heroísmo, que foi homenageado em vários países como nome de montanha, de ruas, etc.

O dono do apartamento, sem a companhia da mulher, deixou todos nós à vontade. Cosme, que tinha um reconhecido talento para imitar o locutor esportivo Doalcei Camargo, atendeu aos pedidos de tricolores, vascaínos e botafoguenses narrando gols desses clubes e, claro, do seu amado Flamengo:

-”Defende Félix...

Meu relógio Technos marca: 38 minutos do primeiro tempo.

Bola com Toninho, que passa para Assis, que dá para Marco Antônio. Marco Antônio segue com a pelota e entrega a Pintinho. Pintinho dribla um, dois, lança para Gil. Búfalo Gil deixa Alex batido... Vai marcar... Chuta... Gooooooooollllll do Fluminense. Fluminense 1, América 0.

Meu relógio Technos marca: 39 minutos.”

-Agora, Cosme, narra o gol do Vasco...

Meu irmão, Lopo, imitou, por sua vez, Roberval Taylor, um dos mais engraçados personagens do Chico Anísio, e recitou “Das pombas”.

-”Vai-se a primeira pomba despertada...”

Houve um momento em que o Luca me mostrou a cama de casal, com a sua estrutura de ferro e mostrou um conhecimento teórico que, até então, eu desconhecia. Depois, aproximei-me da janela, e notei que o supermercado ficava perto; mais um ponto positivo.

Política?...não, ninguém tratou de política. Aquele sábado (como posso falar sem cair no clichê?) não foi de se esquecer.


RESPOSTA DO REINALDO

“Vou compartilhar essa ultima edição com a Fatima, personagem desse seu BM.
O jogo com o pessoal da Caixa foi dentro do antigo prédio da Loteria, na Rua do Riachuelo, pertinho da Tadeu Kosciusko, onde fui morar depois que voltei de Brasília casado. De dia era garagem, mas a noite virava uma quadra rala-côco. Nem lembrava mais desse episódio que você resgatou, mas o time da Caixa era bem pior que o nosso. Graças a esse jogo, fui convidado depois pra jogar no time deles, cujo maior feito foi um jogo amistoso no campo do Flamengo que acabou meio na escuridão, quando fiz 2 gols e entrou pro meu currículo de jogador-morcego.
(*) O melhor da Tadeu era a madrugada de sexta pra sábado, quando ocorria uma feira-livre. Era lindo chegar amanhecendo e ver aqueles legumes e frutas arrumadinhos, fresquinhos nas barracas, esperando os fregueses além do ambiente festivo e contagiante daquela hora da madrugada, que os feirantes faziam entre sí, sacaneando uns aos outros ao arrumar suas barracas de feira....

Aquelas peladas na Quinta até hoje é um espanto a nossa motivação pra acordar cedo e ir pra lá de ônibus jogar pelada entre nós mesmos, naqueles espaços que nem baliza tinha!?!

As nossas correspondências naquela época tiveram um importância enorme pra mim. Ficava ansioso em recebê-las. Você sempre foi muito detalhista, excelente memória e me mantinha sempre ligado aos últimos acontecimentos do Cachamba.

Essa cama de ferro era uma antiga cama grande, de hospital, de mola e toda de ferro. Me amarrava nela, mas tomava quase todo o quarto. Mas a Lapa entrou na modo de novo. Uma amiga minha da Petrobras trocou o Meier pela Lapa e pagou espantosos R$ 750 mil por um 3Q no Cores da Lapa, que vendeu tudo no 1º dia de lançamento”


Um comentário:

  1. “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós.
    Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”

    Homenagem do personagem BM "O cunhado do Luca", ao nosso grande principe Carlos Nascimento, o tb chamado de Biscoito pelo seu grande amigo Dieckmann.

    Suas crõnicas quase diarias do "Biscoito Molhado", nos deliciou e nos tornou personagens com crônicas de nosso tempo, do nosso Cachamba e ainda revisitou vultos e passagens históricos de todos os tempos.

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