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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

2056 - um chazinho com a princesa

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3876 Data: 04 de dezembro de 2011

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PERDIDOS NO TEMPO

Como é do conhecimento dos leitores do Biscoito Molhado, eu e o Elio Fischberg, que pretendíamos reviver o Fla x Flu que decidiu o campeonato de 1969, nos perdemos geográfica e temporalmente. Depois de idas e vindas nas ilhas gregas da época de Onassis, Maria Callas e Jacqueline Kennedy, fomos transportados para a Rússia, onde o vice-presidente Richard Nixon e o premier Nikita Khrushchev quase se esmurraram no que ficou mundialmente conhecido como “Debate da Cozinha”.

E lá permanecíamos quando, roxo de frio, cutuquei o meu amigo.

-Se não sairmos logo daqui, virarei picolé como os soldados de Napoleão Bonaparte da retirada de 1812.

-Espere, Carlos, que estou colocando o ópio no cachimbo.

-Como você conseguiu esse fumo, Elio?

-O Ratinho trouxe do Paraguai quando foi fazer uma reportagem sobre a vida sexual do Presidente Fernando Lugo, enquanto foi padre.

-Logo vi; é ópio falsificado.

-Sei disso, mas só nos resta, agora, fumar. - conformou-se ele.

Pitamos os nossos respectivos cachimbos e fomos tragados por um torvelinho indecifrável. Recobramos a nossa consciência, no meio de uma fila interminável.

-Fila descomunal... Voltamos à União Soviética. - dobraram meus joelhos.

-Não, Carlos; todos ao nosso redor falam inglês. E olhe em volta: estamos em Nova York.

-Sim, Elio, mas nem no Plano Cruzado, em que alguns iludidos se diziam fiscais do Sarney, eu vi filas deste tamanho. Pergunte se é a fila do leite, do feijão, da carne ao sujeito à sua frente.

Minutos depois, ele se voltava para mim.

-Carlos, o cidadão, aqui, me disse que o presidente John Kennedy conseguiu emprestado do Louvre o quadro da Mona Lisa de Leonardo da Vinci. Foi feito um seguro de 100 milhões de dólares para trazê-lo de Paris.

-Caramba, Causídico Verborrágico, estamos em 1962. Você reparou que sempre vamos para onde a Jacqueline Kennedy está?

Intrigado, Elio não atentou para a minha pergunta.

-Eu imaginava que, depois do furto da Mona Lisa, em 1911, os franceses não a deixariam sair do Louvre.

-Li alguma coisa sobre esse furto. - falei.

-A polícia prendeu o poeta francês Guillaume Apollinaire, como suspeito e também deteve Picasso para interrogatório, liberando-os depois.

-Eu não sabia que o Picasso foi detido.

-Foi, Carlos. Descobriu-se, mais tarde, que um italiano, que trabalhava no Louvre colocou a Mona Lisa debaixo do casaco e a levou para a Itália. Dizia o ladrão que a Mona Lisa é italiana.

-Como nós fizemos a campanha “o petróleo é nosso, ele podia fazer a campanha: “a Mona Lisa é nossa”. - ironizei.

-Muitos dirão que este evento promovido pelo presidente John Kennedy trouxe malefícios ao mundo das artes, inflacionou os preços dos quadros e vulgarizou a pintura. Os americanos, quase um milhão, olharam para a Mona Lisa como se fosse uma vaca pastando numa fazenda do Texas.

-Um milhão de pessoas?!... Elio, nós não vamos ficar nesta fila.

-Claro que não. Já preparei o nosso cachimbo de ópio para retornarmos ao Rio de Janeiro de 2011.

-Como você é otimista, Causídico Verborrágico! - exclamei antes da primeira baforada.

-Eu ainda mato o Ratinho - vociferou o Elio Fischberg quando se viu ao lado de Santos Dumont, próximo a Torre Eiffel.

-Vocês são brasileiros?... Estou cansado de falar francês. - manifestou-se o Pai da Aviação.

-Se eu soubesse que encontraríamos o senhor, falaríamos com o Dieckmann, que pretendia apresentar numa exposição de veículos clássicos os seus carros do fim do século XIX. - falei.

-É verdade que eu participei da corrida de automóveis Paris-Amsterdã de 1898, em carro adaptado com motores de triciclo, mas, na verdade, eu me interesso mesmo é pela adaptação dos motores nas aeronaves.

-Não quero decepcioná-lo, Santos Dumont, mas em 1953, autoridades do governo brasileiras viajarão para os Estados Unidos, onde participarão dos festejos do voo dos Irmãos Wright.- lamentou o Elio.

-Não se apoquente, Santos Dumont, que as autoridades do governo brasileiro não perdem uma boca livre por nada deste mundo, não importa o motivo.

Sem perder o humor, o Pai da Aviação nos informou que decidira concorrer ao Prêmio Deutsch.

-Você está num estágio em que obtém um êxito após outro. - entusiasmou-se o Elio.

-Sim, no mês passado eu voei sobre Longchamps e contornei a Torre Eiffel com o nº 5. Jaurès, no seu artigo, exaltou-me tanto que escreveu que havia visto um homem dirigindo balões e não mais a sombra dos homens.

-Fez justiça. - enfatizou o Elio.

-A premiação é pecuniária? - indaguei.

-Sim, concorro a 100 mil francos. Mas não é o dinheiro que me move, pois sou filho de plantadores de café. Distribuo os prêmios em dinheiro pelos mecânicos.

-Ah, você também inventou o relógio de pulso. - reparou o Elio.

-Não o inventei propriamente... Para não perder tempo, na confecção dessas aeronaves, tirando e colocando o relógio de algibeira, pedi ao Cartier que ele elaborasse um para o meu pulso.

-Parece que a comissão o convoca para pôr a sua aeronave no ar. - alertei-o.

-Vocês voarão comigo.

-Mas Seu Santos Dumont... - titubeou o Elio Fischberg.

-Vamos lá, eu preciso de peso neste balão.

-Se fosse assim, nós teríamos trazido o Dieckmann.

Com o balão já no alto, perguntei ao Elio se ele conhecia alguma coisa sobre o voo em que Santos Dumont concorreu ao Prêmio Deutsch.

-Carlos, eu faltei à aula do Colégio Militar neste dia.

A aeronave contornou a Torre Eiffel, mas foi atingida por um vento inesperado.

-Diabo, eu não contava com este vento de proa a 200 metros de altitude. - resmungou Santos Dumont.

-A coisa está feia, Carlos.

-Amigos, o motor entrou em pane e parou. O vento tomou a direção da nave. É ele que decide agora. - avisou.

-Morrer nós não vamos, Elio, porque ainda não nascemos.

O balão perdia altura paulatinamente, até aterrissar no alto dos castanheiros.

-Se vocês têm débitos nos bancos, tratem de fugir porque estamos no parque de Edmond de Rothschild. - alertou Santos Dumont.

Os serviçais de Rothschild, depois de prenderem as dezenas de cachorros, passaram para a operação resgate. Eles estavam preocupados com a saúde do Pai da Aviação, enquanto este se inquietava mais com o estado da sua aeronave. No meio daquela agitação toda, um empregado se aproximou com um cartão que entregou ao inventor. Este o leu, e exclamou:

-Esta agora?!...

Mantivemos eu e o Elio um silêncio respeitoso até que ele se manifestou sobre o cartão.

-A Condessa D' Eu me convida para um lanche.

-A Princesa Isabel? - espantou-se o Elio.

-Sim, ela mora num palácio aqui perto.

-Qual é o problema?- quis saber.

-Estou com uma gravata vermelha, símbolo dos republicanos de Pardal Mallet.

Elio Fischberg tirou um lenço branco do bolso, e lhe disse:

-Substitua a gravata vermelha por este lenço.

-Ficarei um pouco afetado, mas não posso perder esse lanche com a Princesa Isabel.

E colocou o lenço branco no pescoço.

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