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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3876 Data: 04 de dezembro de 2011
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PERDIDOS NO TEMPO
Como é do conhecimento dos leitores do Biscoito Molhado, eu e o Elio Fischberg, que pretendíamos reviver o Fla x Flu que decidiu o campeonato de 1969, nos perdemos geográfica e temporalmente. Depois de idas e vindas nas ilhas gregas da época de Onassis, Maria Callas e Jacqueline Kennedy, fomos transportados para a Rússia, onde o vice-presidente Richard Nixon e o premier Nikita Khrushchev quase se esmurraram no que ficou mundialmente conhecido como “Debate da Cozinha”.
E lá permanecíamos quando, roxo de frio, cutuquei o meu amigo.
-Se não sairmos logo daqui, virarei picolé como os soldados de Napoleão Bonaparte da retirada de 1812.
-Espere, Carlos, que estou colocando o ópio no cachimbo.
-Como você conseguiu esse fumo, Elio?
-O Ratinho trouxe do Paraguai quando foi fazer uma reportagem sobre a vida sexual do Presidente Fernando Lugo, enquanto foi padre.
-Logo vi; é ópio falsificado.
-Sei disso, mas só nos resta, agora, fumar. - conformou-se ele.
Pitamos os nossos respectivos cachimbos e fomos tragados por um torvelinho indecifrável. Recobramos a nossa consciência, no meio de uma fila interminável.
-Fila descomunal... Voltamos à União Soviética. - dobraram meus joelhos.
-Não, Carlos; todos ao nosso redor falam inglês. E olhe em volta: estamos
-Sim, Elio, mas nem no Plano Cruzado, em que alguns iludidos se diziam fiscais do Sarney, eu vi filas deste tamanho. Pergunte se é a fila do leite, do feijão, da carne ao sujeito à sua frente.
Minutos depois, ele se voltava para mim.
-Carlos, o cidadão, aqui, me disse que o presidente John Kennedy conseguiu emprestado do Louvre o quadro da Mona Lisa de Leonardo da Vinci. Foi feito um seguro de 100 milhões de dólares para trazê-lo de Paris.
-Caramba, Causídico Verborrágico, estamos em 1962. Você reparou que sempre vamos para onde a Jacqueline Kennedy está?
Intrigado, Elio não atentou para a minha pergunta.
-Eu imaginava que, depois do furto da Mona Lisa, em 1911, os franceses não a deixariam sair do Louvre.
-Li alguma coisa sobre esse furto. - falei.
-A polícia prendeu o poeta francês Guillaume Apollinaire, como suspeito e também deteve Picasso para interrogatório, liberando-os depois.
-Eu não sabia que o Picasso foi detido.
-Foi, Carlos. Descobriu-se, mais tarde, que um italiano, que trabalhava no Louvre colocou a Mona Lisa debaixo do casaco e a levou para a Itália. Dizia o ladrão que a Mona Lisa é italiana.
-Como nós fizemos a campanha “o petróleo é nosso, ele podia fazer a campanha: “a Mona Lisa é nossa”. - ironizei.
-Muitos dirão que este evento promovido pelo presidente John Kennedy trouxe malefícios ao mundo das artes, inflacionou os preços dos quadros e vulgarizou a pintura. Os americanos, quase um milhão, olharam para a Mona Lisa como se fosse uma vaca pastando numa fazenda do Texas.
-Um milhão de pessoas?!... Elio, nós não vamos ficar nesta fila.
-Claro que não. Já preparei o nosso cachimbo de ópio para retornarmos ao Rio de Janeiro de 2011.
-Como você é otimista, Causídico Verborrágico! - exclamei antes da primeira baforada.
-Eu ainda mato o Ratinho - vociferou o Elio Fischberg quando se viu ao lado de Santos Dumont, próximo a Torre Eiffel.
-Vocês são brasileiros?... Estou cansado de falar francês. - manifestou-se o Pai da Aviação.
-Se eu soubesse que encontraríamos o senhor, falaríamos com o Dieckmann, que pretendia apresentar numa exposição de veículos clássicos os seus carros do fim do século XIX. - falei.
-É verdade que eu participei da corrida de automóveis Paris-Amsterdã de 1898, em carro adaptado com motores de triciclo, mas, na verdade, eu me interesso mesmo é pela adaptação dos motores nas aeronaves.
-Não quero decepcioná-lo, Santos Dumont, mas em 1953, autoridades do governo brasileiras viajarão para os Estados Unidos, onde participarão dos festejos do voo dos Irmãos Wright.- lamentou o Elio.
-Não se apoquente, Santos Dumont, que as autoridades do governo brasileiro não perdem uma boca livre por nada deste mundo, não importa o motivo.
Sem perder o humor, o Pai da Aviação nos informou que decidira concorrer ao Prêmio Deutsch.
-Você está num estágio em que obtém um êxito após outro. - entusiasmou-se o Elio.
-Sim, no mês passado eu voei sobre Longchamps e contornei a Torre Eiffel com o nº 5. Jaurès, no seu artigo, exaltou-me tanto que escreveu que havia visto um homem dirigindo balões e não mais a sombra dos homens.
-Fez justiça. - enfatizou o Elio.
-A premiação é pecuniária? - indaguei.
-Sim, concorro a 100 mil francos. Mas não é o dinheiro que me move, pois sou filho de plantadores de café. Distribuo os prêmios em dinheiro pelos mecânicos.
-Ah, você também inventou o relógio de pulso. - reparou o Elio.
-Não o inventei propriamente... Para não perder tempo, na confecção dessas aeronaves, tirando e colocando o relógio de algibeira, pedi ao Cartier que ele elaborasse um para o meu pulso.
-Parece que a comissão o convoca para pôr a sua aeronave no ar. - alertei-o.
-Vocês voarão comigo.
-Mas Seu Santos Dumont... - titubeou o Elio Fischberg.
-Vamos lá, eu preciso de peso neste balão.
-Se fosse assim, nós teríamos trazido o Dieckmann.
Com o balão já no alto, perguntei ao Elio se ele conhecia alguma coisa sobre o voo
-Carlos, eu faltei à aula do Colégio Militar neste dia.
A aeronave contornou a Torre Eiffel, mas foi atingida por um vento inesperado.
-Diabo, eu não contava com este vento de proa a
-A coisa está feia, Carlos.
-Amigos, o motor entrou em pane e parou. O vento tomou a direção da nave. É ele que decide agora. - avisou.
-Morrer nós não vamos, Elio, porque ainda não nascemos.
O balão perdia altura paulatinamente, até aterrissar no alto dos castanheiros.
-Se vocês têm débitos nos bancos, tratem de fugir porque estamos no parque de Edmond de Rothschild. - alertou Santos Dumont.
Os serviçais de Rothschild, depois de prenderem as dezenas de cachorros, passaram para a operação resgate. Eles estavam preocupados com a saúde do Pai da Aviação, enquanto este se inquietava mais com o estado da sua aeronave. No meio daquela agitação toda, um empregado se aproximou com um cartão que entregou ao inventor. Este o leu, e exclamou:
-Esta agora?!...
Mantivemos eu e o Elio um silêncio respeitoso até que ele se manifestou sobre o cartão.
-A Condessa D' Eu me convida para um lanche.
-A Princesa Isabel? - espantou-se o Elio.
-Sim, ela mora num palácio aqui perto.
-Qual é o problema?- quis saber.
-Estou com uma gravata vermelha, símbolo dos republicanos de Pardal Mallet.
Elio Fischberg tirou um lenço branco do bolso, e lhe disse:
-Substitua a gravata vermelha por este lenço.
-Ficarei um pouco afetado, mas não posso perder esse lanche com a Princesa Isabel.
E colocou o lenço branco no pescoço.
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