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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

2068 - velhas manchetes

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3868 Data: 26 de dezembro de 2011

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ALEGRIAS NA REDAÇÃO DO BISCOITO MOLHADO

Apesar de eu esbarrar no dia a dia com os personagens dos primeiros anos do Biscoito Molhado, houve mais alegrias do que sobressaltos. Aqui vão alguns exemplos.

O antecessor do Dieckmann no cargo de coordenador-geral de Transportes Marítimos, Paulo Octávio de Paiva Almeida, era mais conhecido pelo acrônimo do seu nome: POPA, que também que se coadunava com a sua adiposidade. Aqueles que trabalhavam diretamente com o Popa, ou seja, os chefes de divisão e secretárias, eram reclamantes contumazes da sua rispidez. Sabendo disso, eu o chamava, no Biscoito Molhado da época, de “Orca, a baleia assassina”.

Ao cruzar com ele, certa vez, no corredor, fui abordado.

-Liane, a minha mulher tem uma queixa: você nunca mais me chamou de “Orca, a baleia assassina”.

-Ela é leitora também?...

E prometi:

-Vou caprichar.

Em março de 1999, o vice-presidente eleito do Paraguai, Luís Maria Argaña, foi morto a tiros por pistoleiros numa rua de Assunção. Para o infortúnio do nosso coordenador-geral de Transportes Marítimos, ele se encontrava nesse país como partícipe de uma reunião do Mercosul. Logo, o presidente do Paraguai fechou as fronteiras, o que significava que o Paulo Octávio não poderia retornar para o Brasil no tempo previsto.

O Biscoito Molhado estampou, na ocasião, em edição extra, a manchete: “O Resgate do Soldado Popa”.

O Corinthians atuava no Paraguai, quando houve o assassinato, e o governo de lá permitiu a saída do time paulista. Escrevemos em “O Resgate do Soldado Popa” que ele se disfarçou de massagista do Corinthians, tentando escapar, mas foi reconhecido na fronteira por tropas paraguaias. Então, na cúpula do Departamento de Marinha Mercante, foi planejada uma força-tarefa, sob o comando da Tânia, secretária do diretor, para resgatar o Popa.

Resumindo a nossa reportagem: como a Tânia não gostava do Popa, aproveitou o momento e o atingiu com um tiro.

Ora, a mencionada comandante da força-tarefa não cultivava o bom-humor e, por isso, pretendeu empastelar o Biscoito Molhado. Ela subiu até a nossa redação, mas, antes, conversou com o chefe da Divisão de Estudos, o Djalma, que a acalmou. Para não perder a viagem, entregou-me um texto sobre um menino que mexia com pregos e feria corações. Algo, enfim, muito piegas, mas que me inspirou mais uma edição do Biscoito Molhado.

Outro caso muito engraçado, visto com a distância do tempo, e que nos levou a parodiar o nome de um clássico da literatura, ocorreu num pagamento de salários lá pelos meados dos anos 90.

-Cadê o meu salário? - era a pergunta que mais se ouvia dos funcionários que chegavam dos bancos.

-Já telefonou para Brasília? - era a segunda pergunta mais ouvida, como se o presidente Itamar Franco pudesse fazer alguma coisa.

Depois de muitas corridas sem norte, de muitas cabeças batidas, descobriu-se que erraram as agências do Banco do Brasil. Quem tinha, por exemplo, conta na agência do Banco do Brasil da Cinelândia, descobriu que depositaram os seus proventos na agência Pio X.

O Biscoito Molhado também saiu em edição extra com a manchete: “Em busca do salário perdido.”

O caso que narramos acima sobre a crise política paraguaia representou os estertores daquela administração do Departamento de Marinha Mercante; poucos meses depois, apareceria, no lugar do Popa, o Roberto Dieckmann.

-Todas as segundas-feiras haverá reuniões e quem se atrasar será vaiado. - imprimiu o Dieckmann logo a sua marca ao se apresentar.

Numa dessas reuniões, quando o Dieckmann ainda desconhecia a rivalidade entre seus funcionários, estabeleceu o seguinte: as luzes seriam desligadas por alguns minutos e, nesse tempo, cada um refletiria sobre as melhores medidas para o andamento do trabalho e, em seguida, as expressaria. No meio da penumbra, eu imaginava a próxima manchete do Biscoito Molhado:

“Luzes são acesas e várias gargantas aparecem cortadas.”

Felizmente, tudo acabou bem.

No verão que não choveu, 2000/2001, e que a falta de investimentos em energia transformou o Pedro Parente em Ministro do Apagão, nós tivemos de nos revezar no trabalho: uma vez por semana, pelo menos, tínhamos de sair do trabalho à noite. A coisa estava ficando perigosa, pois ficávamos num trecho da Rua Miguel Couto com a Presidente Vargas que atraía pessoas suspeitas. Reclamaram com o Dieckmann, mas de maneira equivocada:

-É arriscado nós sairmos tarde por causa do apagão, pois há uma loura gostosa, por aqui, assaltando...

Não preciso assinalar que a reclamação partiu de uma mulher, e, como agravante, psicóloga...

Contudo, o momento mais hilariante da gestão do Dieckmann, como coordenador-geral da Marinha Mercante, se deu quando ele assinou a importação de dois navios de 21 anos de idade.

Eu vinha do almoço com uma colega, quando me deparei com um tumulto dos diabos. Um número absurdo de metalúrgicos da Sermetal ocupava a frente do nosso prédio, enquanto saíam de um caminhão de som mil críticas àquele que “quer levar a mais um sucateamento da construção naval brasileira”.

-Vamos em frente, Carlos Eduardo; se houver problema, eu digo que trabalho na casa de massagem do prédio, que nada tenho a ver com a Marinha Mercante. - disse ela.

Enquanto isso, outra colega minha de trabalho, subia no elevador com vários metalúrgicos e ouvia o seguinte comentário:

-Esse boiola do Dieckmann só pode ser vascaíno.

No 21º andar, onde trabalhávamos, só havia um guarda: o Samuel. Ele cerrou a porta de madeira para não permitir a entrada de estranhos, como os operários a forçaram, Samuel os encarou. Mas a resposta do Dieckmann àquela fúria chegou logo: receberia seis representantes dos metalúrgicos com a condição de que não fosse vaiado antes de ser ouvido.

-Ora, Dieckmann apurou, tempos atrás, a respiração diafragmática e a intercostal, que é imprescindível para o canto e oratória, por isso, foi chamado pelo Faustão, quando apareceu no seu programa, de locutor da BBC. Assim, assim que os operários da Sermetal o ouviram, a calma se estabeleceu. Dieckmann lhes explicou que o grande inimigo dos trabalhadores eram as empresas de papel, aquelas que não tinham embarcações próprias, que só operavam com navios afretados (*). Quanto aos navios de 21 anos, poderiam ser reparados nos nossos estaleiros, o que significaria trabalho para eles.(**)

No dia seguinte, eu tinha uma bela manchete para o Biscoito Molhado:

“Vivendo perigosamente.”


(*) o redator foi sucinto. Os operários vieram de todos os estaleiros, com carros de som, faixas com dizerem: ABAIXO O GRINGO DA CONSTRUÇÃO NAVAL, etc. Realmente saíram tranquilos, com a promessa do Ministro dos Transportes de remediar a situação. Ele reverteu realmente a importação, embora ressalvando que estava tudo correto: a empresa desistiu de importar os navios, assinou pedido de financiamento e ficou operando com navios estrangeiros durante uns 10 anos, sem entretanto construir nada. Essa é uma constante no Brasil, tapa-se o sol com peneira o tempo todo.

(**) Foi mesmo uma pena. A empresa poderia ter importado os tais navios, gerando imposto de importação, emprego de marítimos e de operários de construção naval para os reparos que seriam uma decorrência natural - os navios tinham 17 e 19 anos de idade. Como ficou, ninguém ganhou, a não ser o pessoal da Xerox, que tirou milhares de cópias necessárias ao pedido de financiamento. Carga não escolhe bandeira, ou tripulação - ela vai. Pode ser de navio nacional, importado, ou afretado; a nós cabe decidir o que pode gerar mais benefícios e certamente a reação havida foi a pior decisão possível.

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