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O BISCOITO MOLHADO
Edição 3878 06 de dezembro de 2011
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O SABADOIDO REVISITA O CACHAMBI
-Se não fosse o Luca, eu não iria ao Evandro, onde se comemorou os 74 anos do Dário.
-Ele já tem tudo isso, Cláudio?... E o Luca, apareceu?
-Lembra-se que éramos pequenos e o Dário já era adulto?... Eu não ia, mas o Luca disse que o Dário gostava muito de mim e, no final, me convenceu. Ele, o Luca, é que não foi, Carlinhos.
-Eu me dava mais com o Joaquim, o irmão mais novo do Dário.
-O Joaquim era muito pedante; falava da família como se tivesse raízes na nobreza, que o pai foi campeão de tiro. - criticou meu irmão.
-Era uma família problemática, Cláudio, muitos não se falavam. O próprio Joaquim não se dava com o pai, embora o elogiasse para uso externo. Eles se enquadravam na frase de um drama do Nélson Rodrigues: “a partir de um dado momento, a família começa a apodrecer.”
-O Joaquim não falava com o Dário; não sei agora...
-E a casa, da Rua Americana, onde moravam?
-Ficou com a Rosa.
-A Rosinha?... Você sabe, Cláudio, que a Rosinha não era a filha extemporânea dos pais do Joaquim. Ela era, na verdade, filha da Lúcia, que engravidou sem casamento. Os avós assumiram a maternidade da filha para manter as aparências.
-Naquela época, havia isso.
-Algo semelhante houve com o Jack Nicholson... Parece que o ator Jack Nicholson só soube que era filho da irmã depois de adulto.
-Ele pertencia a uma família que sabia fingir bem. - ironizou.
-E o congraçamento lá, no Evandro?
-Carlinhos, quase todo o Cachambi dos anos 50 e 60 compareceu. Lá estavam: Cidinho, Cabeleira irmão do Cabrita, Nei Coringa, Otávio Gaguinho, o irmão dele que é coronel ou general...
-Parecia que o uniforme dele do Colégio Militar se sujaria, pois ele não se aproximava das turmas do Cachambi, quando jovem. - aparteei.
-Há uns cinco anos que comparece religiosamente aos festejos do aniversário do irmão... digo, tio da Rosinha.
-E o pessoal, Cláudio?
-Carlinhos, só contavam vantagens. Havia gente ali que conquistou mais mulheres do que o Casanova, que fez gols mais espetaculares do que o Pelé, que foi mais arrojado no baralho do que Bat Masterson...
-Não teve lugar para a modéstia?
-Naquele sábado, Carlinhos, a modéstia passou longe do Cachambi. Só não houve exageros, nas recordações das brigas porque eu vi os brigões em atividades, como o Nei Coringa.
Subitamente, meu irmão mudou a entonação da voz:
-Você se lembra do assalto ao Koma Bem?
-Claro que sim, nossa mãe e nossa irmã estavam lá, como reféns. Foi num domingo de manhã, em 1973.
-Quem pegou os ladrões juntamente com a polícia? - testou minha memória.
-O Carlinhos Chamicha e o Nei Coringa.
-O Nei garante que o Carlinhos Chamicha não estava lá, na hora do assalto.
-Bem, Cláudio, falaram da presença do Carlinhos, mas como ele já se tornara uma lenda em matéria de briga de rua...
-Contaram que vivia, pela Rua Basílio de Brito, um sujeito que só andava com navalha no bolso. O Dário lembrou-se do nome dele: Lusitano. Um dia, ele se estranhou com o Carlinhos Chamicha e sacou a navalha. Carlinhos tirou as sandálias dos pés, empalmou cada uma delas, e partiu para dentro do Lusitano.
-Não precisa prosseguir: esse tal de Lusitano apanhou como um boi ladrão com toda navalha. - adivinhei.
-Eu vi quando Seu Onofre pensou que podia amedrontar o Carlinhos Chamicha. Ele, com
-Carlinhos saltava tanto, numa briga, que passava a ter
-Carlinhos voou com os dois pés no peito do Seu Onofre, que caiu na realidade. Ele não prosseguiu, porque a pancada fora só uma advertência, que Seu Onofre entendeu prontamente.
-E o assalto no Koma Bem, Cláudio?
-O Nei Coringa conta que um dos ladrões, correndo pela rua Cachambi, entrou na vila onde a Dona Salete morou, que não tem saída.
-Um cul-de-sac, diria a Rosa Grieco. - interrompi.
-O Nei disse que o marginal estava com duas armas, uma engasgou e da outra saiu uma bala que o atingiu no pé; ainda assim, ele tomou os revólveres do sujeito, entregou uma ao Nélson, irmão do Niltinho, e, com a outra, arrebentou os dentes do sujeito até ser contido pela polícia. Disse o Nei que o Nélson ainda o enganou, inventando que a polícia levou a arma que deu para ele esconder.
No meio da sessão do sabadoido, o nome do Nei Coringa foi citado novamente.
-Nei Coringa... Há quanto tempo não ouço falar dele. - manifestou-se o Luca, que continuou:
-Vou dizer onde ele morava; no início da subida da Rua Honório, esquina com a Cachambi.
-Isso mesmo – aprovei. Lembra-se que existia um toldo verde sobre a janela da casa dele? Eu sei porque sempre o via na minha passagem para o Cinema Cachambi.
-Toldo verde... puxou o Luca pela memória.
-Recordo-me do pai do Nei, era um senhor gordo que morreu logo.- acrescentei.
Vagner, que estivera ausente por um mês das sessões do Sabadoido, retornou com boa aparência.
-Do Nei Coringa, eu me lembro. - disse.
-Ele morou também na Rua Cachambi. - declarou meu irmão.
-Havia também o Piolho, amigo inseparável do Nei, mas era seu contraste: baixinho e raquítico.
-Não conheci o Piolho. - revelou o Luca.
-No aniversário do Dário, falei do Piolho, que não durou muito.
Depois dessa intervenção, Cláudio se virou para o Luca:
-Por que você não foi, Luca, depois de insistir tanto com a minha presença?
-Claudiomiro, você está mais enfronhado com aquele pessoal do que eu.
Luca morou por pouco tempo na Rua Americana, mas essa passagem não o marcou muito, travou conhecimento com algumas pessoas de lá, como o Dário, mas nada, a meu ver, que valesse um reencontro depois de algumas décadas. Sentir-se-ia, provavelmente, deslocado no meio de pessoas de meia de idade que reviviam cenas até da época em que eram garotos.
-Vagner, o cavalo – disse o Cláudio com a mão no peso de papel, que substitui os ausentes - ficou fatigado por sua causa.
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