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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

2064 - espremido

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 3864 Data: 15 de dezembro de 2011

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OCORRÊNCIAS NO METRÔ

Nas minhas viagens de metrô, costumo ficar espremido nas partes do vagão em que nove passageiros ocupam um metro quadrado; não que eu inveje as sardinhas enlatadas, mas porque tenho de ficar perto da porta, se não, fico impossibilitado de saltar na estação de destino. Caso um desses nove passageiros cisme de manter as mochilas nas costas, a ocupação sobe de nove para dez por metro quadrado. Como mochila não paga passagem, todos deveriam colocar a dita cuja em frente ao corpo, segurando-a pela alça; mas nem todos tinham esse gesto de cidadania, até que houve reclamações e os próprios funcionários da Concessionária MetrôRio (a última a saber) passaram a pedir, pelos alto-falantes que se segurasse as mochilas pelas alças diante de si.

Quando saio de casa, ou do trabalho, rumo ao metrô, ponho o saco (vá esta palavra para não repetir pela enésima vez a dita cuja, que substitui as pastas e as bolsas) nas costas. Todas as pessoas que carregam esse recipiente, mormente os estudantes, sabem que, assim, o peso é levado com mais facilidade. Evidentemente que, ao entrar no metrô, eu o tiro das costas e faço como as pessoas civilizadas devem fazer para não ocupar, como foi dito, o espaço de um corpo humano.

Porém, certo dia, ao sair do trabalho, coloquei a mochila nas costas e parti para a estação Carioca. Antes de passar pela catraca, ouvi a cacofonia de ferros que anunciavam a chega de um trem. Apesar de a Lei de Murphy ser atuante nesses momentos, ou seja, nunca é o trem que me interessa, vi, ao descer a escadaria, pelo reflexo da luz verde no chão, que aquele que parou para pegar passageiros era o meu. Não, eu não podia perdê-lo: desci os degraus rapidamente, acelerei ainda mais quando o apito de fechamento das portas estrilou, e, ao saltar para dentro do vagão, deu-se o drama: a mochila nas minhas costas, como um casco de tartaruga, impediu o fechamento da porta e, consequentemente, a saída do trem.

-Cacete!- murmurei, enquanto todos me olhavam.

Eu me sentiria mais constrangido ainda se troasse a frase no alto-falante: “Queiram desimpedir o fechamento das portas, pois as composições do metrô só seguem viagem com as portas fechadas.” No entanto, antes disso, duas almas compreensivas e musculosas, ajudando-me, forçaram que elas reabrissem o espaço suficiente para eu puxar todo o meu casco de tartaruga para dentro do vagão. Em seguida, elas se cerraram completamente e o trem partiu.

Coloquei, então, a mochila à minha frente, segurando-a pela alça, como a boa cidadania obriga.

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Como eu tenho mais de 100 mil horas de metrô (mesmo que os maquinistas de Maria da Graça garantam que vão até Botafogo em 32 minutos), já fiquei por diversas vezes sem nada para me segurar – são os momentos em que lamento a minha estatura mediana, pois os varapaus sempre conseguem se equilibrar com a palma da mão nas partes elevadas do trem. Mas até agora, tudo ocorreu bem para mim porque uma nova lei da física, pós-Isaac Newton, que nunca andou de metrô, embora o de Londres seja o mais velho do mundo (1863), se imponha: “Corpos desequilibrados, ocupando totalmente um compartimento fechado, se equilibram entre si.”

Certa vez, eu já conseguira agarrar um balaústre, quando entrou um monte de passageiros. Depois de muitos empurrões, ouvi a voz angustiada de uma senhora bem atrás de mim.

-Não consigo me segurar em nada.

-Segura no meu braço quando houver necessidade. - propus, sensibilizado.

Ela agradeceu, enquanto a composição do metrô seguiu adiante. No primeiro solavanco, ela fechou os cinco dedos da sua mão no meu braço como se fosse um grilhão.

-Minha Nossa senhora, que mão gelada!

Os meus temores infantis de filme de terror retornaram: dir-se-ia que me agarrara a mão de um cadáver, Voltei-me para ela, que sorriu e me agradeceu.

-A velhinha preenche todos os requisitos de uma vítima, não de uma vilã. - tranquilizei-me.

Subitamente, sinto outro arrepio: ela se desequilibrara e, para não cair, fechou de novo a sua mão glacial no meu braço.

Voltei-me para ela automaticamente e ouvi a repetição do seu agradecimento.

-Vamos fazer uma coisa: a senhora fica onde estou, segurando no balaústre e eu fico no seu lugar.

E assim foi feito.

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Nessas minhas 100 mil horas de metrô, qual a minha viagem de trem mais lotado? Não sei responder. Houve um período, de uns três meses mais ou menos, que eu ia de Van para o trabalho. Uma das passageiras dessa Van, que até morava a menos de 300 metros da estação de Maria da Graça, dizia que desistiu do metrô porque viajava como uma lagartixa colada na parede.

Sei que uma das viagens em que fui mais espremido aconteceu num entardecer chuvoso de verão, quando eu me encontrava num simpósio, em Botafogo. Corri para a estação desse bairro e consegui, depois de uma tentativa hercúlea – digamos que foi o décimo terceiro trabalho de Hércules - entrar num trem do Metropolitano. Em cada estação que parava, mais gente aparecia com a mesma ideia: fugir dos ônibus e seu trajeto pelas ruas alagadas.

Havia, naquele tempo, a baldeação no Estácio, ou seja, mais um trabalho de Hércules para mim: o décimo quarto.

Amassado por todos os lados, como um boi transportado para o matadouro, rumo a Maria da Graça, espantei-me com o bom humor dos passageiros. Gargalhavam e faziam piadas... horríveis, mas não se podia exigir nada de espirituoso daquela gente que todo político mal intencionado sonha em governar. De repente, começaram a discutir futebol. Dois ou três eram botafoguenses; quatro ou cinco, tricolores; uns dez, vascaínos, e a grande maioria, flamenguista. As opiniões se entrechocavam com o enaltecimento das virtudes dos seus clubes, porém, não havia risco de brigas, pois eles estavam alegres demais para isso.

De repente, quase todos ali entoaram a plenos pulmões o hino do Flamengo. Mesmo cansado de um dia que exigiu muito de mim, eu estava surpreendido demais para me queixar das notas desafinadas nos meus ouvidos.

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