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terça-feira, 1 de setembro de 2015

2928 - a década perdida 2


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5178                                    Data:  29 de agosto de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO  XLV

2ª PARTE

 

NOTAS (4) – A próxima prova foi de Ciências, segmentada em Biologia, Química e Física. Dessa vez, estava comigo o Luca, que também se submeteria a esse exame no mesmo local: um prédio na Tijuca pertencente à Universidade do Rio de Janeiro. Juntando-se a nós o meu irmão Cláudio, veterano de Supletivo, que o Luca levava como carona no seu Fusca velho de guerra de chapa SW 3200.

Eu me sentia atraído por Biologia, tanto pela Botânica quanto pela Zoologia. A minha atração primeira foi pela Botânica, não pela matéria propriamente dita, mas pela palavra que me soou misteriosa quando, garoto, escutava na Rádio Ministério da Educação e Cultura a radiofonização da peça teatral, em 1 ato, de Machado de Assis, “Lição de Botânica”. Mais tarde, soube que a definição de flor, cientificamente aceita, era de um dos meus ídolos, Goethe, autor de três obras que foram transformadas em óperas: “Fausto”, “Werther” e “Mignon”.

Anos depois, no Visconde de Cairu, vim saber, de verdade, guardada as devidas proporções, o que representava a Botânica; foi quando aprendi, entre outras coisas, que o órgão feminino da flor era o gineceu e o masculino, androceu, até que cheguei ao horto da Dona Rosa. Ela merece um parágrafo.

Dona Rosa, nossa professora da terceira série, dividiu a sua turma em 5 grupos de 8 alunos. A cada grupo coube um pedaço de terra do Visconde de Cairu, dividido irmãmente, onde cultivávamos legumes e verduras. Mesmo vivendo no governo do João Goulart – o ano era 1963 –  no calor das chamadas reformas de base, não fazíamos comparação alguma com reforma agrária,

“Rapazes, vamos lá ver como está o “horto da Dona Rosa”, dizíamos com a expressão mais marota do que acadêmica.

Zoologia também despertava a minha atenção. O fato de as minhocas se reproduzirem por cissiparidade era, para mim, inesquecível, principalmente nas provas, além de outros milagres da natureza, como a genética descoberta pelo Padre Mendel através de experiências com ervilhas,

Tenho de assinalar também um livro de Biologia emprestado por um amigo e vizinho da Rua Americana, o Joaquim, que ficou em meu poder durante todo o ano de 1964. Volta e meia eu o consultava para melhor conhecer os lepidópteros e até mesmo as periplanetas americanas, mais conhecidas por baratas voadoras, e outros bichos, principalmente os morcegos, que tanto me assustaram, na minha primeira infância, porque os humanos os transformaram em vampiros trajados com compridas golas nas capas pretas e com caninos pontiagudos.

Quanto à Química, dividida em orgânica e inorgânica, eu conhecia alguma coisa da tabela periódica. No meu tempo de curso ginasial, não fazia feio nas questões sobre átomos e moléculas. Sabia de algumas fórmulas, de algumas combinações, como ácido com base, que podemos espargir gotas de limão (ácido acético) no peixe (base).  Mas depois que saí da escola, as únicas questões de química com que me defrontei foram nas palavras cruzadas.

Se Física fosse apenas as três leis de Newton e o seu disco sobre a composição das cores, eu me garantia, mas nessa matéria você tem de enxergar muito além disso, muito além de Óptica, mas não para um concurso de segundo grau.

Bem, a pior dificuldade foi a mesa em que respondemos as questões; economizaram tanto na madeira, que tínhamos de equilibrar a folha da prova numa autêntica raquete, o que provocou críticas até do Luca, que era craque nas partidas de pingue-pongue.

O teste de História foi uma beleza para mim porque eu nunca me afastei dela, mesmo fora dos bancos escolares. Meu avô morrera em 1963, e meu pai herdou seus pesados discos de carnaúba de 78 rpm e seus livros, alguns deles de Victor Hugo, que li. Também devorei dezenas de romances de Alexandre Dumas, na minha adolescência. Esses dois escritores beberam muito na fonte do historiador Michelet, que é o autor da “História da França”, em 30 volumes, que, creio, foi lida da primeira à última página apenas pela Rosa Grieco.

As biografias também eram uma maneira de se conhecer História, e eu lia tantas que o Doutor Pirulito, um amigo e vizinho que se formaria em Medicina, dizia que eu adorava saber da vida dos outros.

Nessa avaliação do supletivo, reunimos nós três outra vez. Depois de cumprida a missão, fomos para o curso GB, no Méier, onde meu irmão se preparara em 1973, para o 1º grau, e em 1974, para o 2º. Lá estava um professor que habilitou seus alunos nessa matéria; sentados os quatro, numa mesa de bar, falei-lhe das questões que me vinham à mente e das minhas respostas. Nós nos detivemos no Encilhamento, resultado das medidas econômicas do Ruy Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda do Brasil, nomeado que foi pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Recordo-me que, naquela conversa, eu resumi aquela política de promover a industrialização do Brasil incentivando o crescimento, para livrar o país da dependência do capital externo, de besteira do Ruy Barbosa, e o professor repetiu as minhas palavras. “Dez?” – indagou-me, depois. “9,5, errei uma questão.” – respondi-lhe. Transcorridos os anos, não sei dizer qual foi o meu erro, nem mesmo se era da História do Brasil, da América ou Geral.

No dia em que a matéria a ser submetida aos candidatos foi Geografia, nuvens ameaçadoras surgiram no céu. Eu estava sozinho, Luca a eliminara no ano anterior, meu irmão, sem a facilidade do transporte, preferiu passar o sábado jogando bola ou no cinema, não posso afirmar corretamente. Ao me deparar com os 20 quesitos iniciais, logo depreendi que encarava o meu primeiro grande obstáculo à minha pretensão de não perder mais tempo na minha volta à escola. Já narrei, tempos atrás, que, dos aprovados no Visconde de Cairu, eu talvez tenha tirado a pior nota em Geografia, mas agora o contexto era outro, se, em 1961, eu fui preparado precariamente, agora, não. Nos 4 anos do ginasial do Visconde de Cairu, eu estudei com bons professores, e, além disso, eu memorizei tudo que estava nas apostilas do meu irmão: clima, tipos de vegetação, rios, países, oceanos, mares, continentes, índices pluviométricos, o diabo. Mas as perguntas fugiram desses parâmetros, elas tinham mais a ver com os jornais do que com os livros didáticos. Apenas 11% dos candidatos não foram eliminados, eu tirei 6, cobrando-me, não pela nota, mas por não ter assinalado que o problema maior da fronteira ocidental da Amazônia é a proteção militar; isso não é questão que se erre, muito menos, numa prova difícil.

Então, veio o terror: Matemática. Penso que não exagero quando digo que mais de 50% do total dos candidatos vinham dos supletivos dos anos anteriores, porque caíram diante dessa barreira, mesmo considerando que, em 1974, no tempo do Romualdo Carrasco, duas questões foram anuladas e um ponto de bonificação foi dado a todos.       

Na sala, antes da sirene tocar, um candidato se levantava ia até a porta e retornava à sua cadeira. Não passavam 30 segundos e repetia o seu gesto de puro nervosismo. Quanto a mim, procurei me fortalecer com o meu retrospecto. Entrei para o Visconde de Cairu com nota 5, enquanto os que tiraram nota zero chegavam as centenas. Do professor Alcyr, da Admissão, ao professor da 4ª série ginasial, todos tiveram uma boa didática na matéria. Nem mesmo o Professor Charada, da 3ª série, que fazia as suas alunas chorarem com as notas baixas, me assustou. Eu estava preparado para aquela prova, eu gostava de Matemática e pressentia que era correspondido, que não seria traído por ela.

Enfrentamos as questões e o candidato que se mostrara nervoso, ao entregar a prova, desabafou o seu protesto, dizendo que aquilo era pura maldade, que não havia necessidade de prejudicar a vida de tantas pessoas que desejavam prosseguir na vida estudando. Bem, vivíamos o regime militar, cujo maior fracasso foi no campo educacional, mas não cabe falar nisso neste momento.

Entreguei a prova no último segundo permitido para a resolução dos problemas e saí de sala em dúvida: será que não deu? 

Apenas 6% dos candidatos lograram êxito e a minha nota foi 5,5.

Como não conseguiram me parar, eu tinha de seguir em frente.

 

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