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quinta-feira, 3 de setembro de 2015

2930 - a década perdida 3


 

 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5180                                    Data:  31  de agosto de 2015

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MINIDICIONÁRIO AUTOBIOGRÁFICO XLVI

 

NOTAS (O5) - Superado o supletivo, parti para o vestibular. O tempo para tentar uma universidade particular já havia passado, tudo bem; eu requentaria o concurso que fiz para o Colégio Militar, em 1960, quando mal saíra da Escola 9-10 Manoel Bonfim, ou seja, eu não estava apto. Em poucos meses, eu não ficaria afiado para resolver as intrincadas questões de Química, Física e Matemática, da Fundação Cesgranrio, principalmente Física, em que a nota média era menor que 3, considerando candidatos que, além de se prepararem em cursinhos durante um ano, cursaram os três anos completos do 2º grau. Quanto às faculdades pagas, que aguardavam os reprovados do vestibular unificado, as minhas chances eram maiores.

Já narrei, centenas de páginas atrás, que escolhi a Faculdade de Economia e Finanças do Rio de Janeiro, que o Simonsen mudara para Faculdade de Economia e Finanças da Universidade do Brasil (vergonha de quê, Simonsen, você foi o maior economista brasileiro?), porque ficava próxima à estação de trem da Central do Brasil.

Inscrevi-me para as 200 vagas em Economia, na própria faculdade, depois de desconsiderar Administração de Empresas, Ciências Contábeis e Atuariais. Era um casarão que deveria remontar às primeiras décadas do século XX, como o da minha avó em São Cristóvão, tão rememorado por mim, mas sem as baratas, pelo menos as cascudas que nunca vi por lá nos quatro anos em que lá estudei.

Voltei às apostilas do meu irmão e, muito mais do que isso, aos fascículos Abril Vestibular, do grupo Victor Civita, que me foi emprestado pela Sandra, irmã do Vagner, vizinhos da Rua Chaves Pinheiro.

Eram 50 fascículos, se não me engano e, em cada um, se encontravam as matérias a que os vestibulandos seriam submetidos.

A parte da História se lia como se fosse um romance, exemplo: a Revolução Industrial e os operários, incluindo as crianças, trabalhando mais de 12 horas nas minas de carvão. Parecia que eu relia “Germinal”, sem o estilo de Zola, evidentemente. Tomava conhecimento da importância do café com leite para o sustento daqueles trabalhadores vitimados pelo capitalismo selvagem. Como ilustração, o fascículo reproduzia a antológica página de Balzac sobre a rubiácea, o quanto ele devia ao café por mantê-lo com a mente acesa da meia-noite ao meio-dia, período em que escreveu seus 88 romances, embora só vivesse até os 51 anos de idade.

Obviamente que, na Revolução Industrial, a função precípua do café, que inspirou uma cantata de Bach, era manter os músculos mais ágeis do que os cérebros.

Para mim, preparando-me para as provas, o perigo era fruir a parte romanceada da matéria sem me deter em pinçar os pontos que poderiam ser transformados em questões de um teste, uma coisa sacal, mas que eu teria de considerar.

Enfim, gostei tanto desses fascículos que imaginei a irmã do Vagner, não vendo mais serventia neles, não os pedisse de volta, mas ela pediu, infelizmente. Caso a minha esperança se concretizasse, eu não me mostraria tão impreciso, no início desse texto, quanto ao número exato de fascículos e páginas. Eu os teria encadernado, como costumava fazer o meu pai com seus gibis favoritos, transformando-os em volumes.  Se eu não pude fazer isso, alguém, com certeza, pôde. Aguarde uns minutos, leitor, que vou procura-lo no Google.

 

Encontrei-o: um fascinado por essas publicações do Victor Civita, como eu, elaborou 3 volumes encadernados de 2 kg cada. Aqui vão os números exatos, 30 fascículos; o Curso Abril Cultural contemplava as seguintes matérias: Gramática, Literatura, História Geral, História do Brasil, Geografia Geral, Inglês e Matemática, além de apresentar inúmeros testes e questões de vestibular simulado. 

Como se depreende, pela falta de três matérias, Biologia e, principalmente, Química e Física, importavam apenas as Ciências Humanas. A Matemática, embora constasse, não era aquela que exigia cálculos complexos em álgebra e trigonometria, desta parte eu me recordo bem. Enfim, se a Abril Vestibular não dava régua e compasso a um candidato ao curso de Engenharia na USP ou na UFRJ, provavelmente, quem se debruçasse sobre ela teria êxito numa faculdade menos demandada.

                 Eu exagerei e meu irmão, vendo-me estudando com poucas pausas de descanso, perguntou-me se eu pretendia passar em primeiro lugar. Ele sabia do que falava. Realizara o temível exame da Fundação Cesgranrio, presidida pelo Prof, Carlos Alberto Serpa, na área de Direito, e logrou um lugar na Universidade Católica de Petrópolis; o custo da matrícula, de uma pousada e mais a distância dos amigos de chope o levaram a um plano B. Tentou a Universidade Cândido Mendes, um mês depois e foi aprovado. Não estudou alucinadamente, por que eu o fazia? – estranhava ele.

Os exames, tanto do vestibular quanto os do madureza, trouxeram-me o vício da competição, o que era lamentável, pois o estudo deixava de ser inteiramente prazeroso para mim como no tempo do Visconde de Cairu. Eu me cobrava a ponto de me tornar um ansioso. Uma das minhas ansiedades, nos dias que antecederam as provas era saber qual era a relação candidato por vaga. Vicente, um amigo que morava numa vila da Rua Chaves Pinheiro e tinha acesso ao telefone, ficou encarregado, a meu pedido, de me informar.

No primeiro telefonema que o Vicente deu, disseram-lhe que não havia ainda esses dados; no segundo, falou-me que uma voz irritadiça lhe disse a mesma coisa. Coitado do Vicente, por causa da minha insistência, telefonou pela terceira vez, em menos de uma semana e levou um esporro. Estudei, então, como se fossem 10 vagas por candidato, estatística de doido.

As provas seriam no Maracanã e durariam 4 horas cada uma delas. Meu pai me deu as coordenadas para chegar lá: ônibus 622 Ramos-Praça da Bandeira – via Saens Peña. Lá fui eu.

Até o meado dos anos 60, eu assistia, com alguma assiduidade, jogos no Maracanã, sempre na geral, agora, como candidato, eu me instalava nas cadeiras, sob a vigilância dos examinadores, que colocavam entre um e outro postulante à faculdade, um espaço de três cadeiras vazias, ou seja, não éramos muitos.

Sentei-me e o gramado verde se estendeu à minha frente. Não pensei, naquele momento, nos craques que ali deslumbraram multidões, nem nos que decepcionaram. Eu queria que começasse logo aquilo. Dado o aviso que os papéis seriam recolhidos impreterivelmente ao meio-dia, foi dada a partida às 8 horas em ponto.

Nada ali foi tão assustador quanto às provas de geografia e matemática dos exames do supletivo que eu prestara uns dois meses antes; nem mesmo inglês que, pelo contrário, foi, para mim, o que se chama coloquialmente de “baba”. Além de eu ter estudado inglês, no Visconde de Cairu, nos Books One, Two, Three, Four, eu havia lido, quando fora do colégio, “Summer of '42”, que redundou no filme “Houve Uma Vez Um Verão”, e, falo sério, “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (nesse livro, até as receitas culinárias da Dona Flor estavam na língua inglesa).

Bem, não era para eu me preocupar com o resultado, mas, tantos anos afastados das lides escolares, eu não sosseguei. O resultado saiu, no jornal, por ordem de classificação dos 200 aprovados. Com os meus pais à minha volta, passei a vista pelos nomes e não vi o meu; mais aflito, olhei uma segunda vez, nada. Informei que não passara e a minha mãe me garantiu que não havia problema algum, que ficaria para a próxima. Nesse momento, meus olhos bateram no meu nome. Fiz a contagem e constatei que passara em 14º lugar. Como eu era inocente!...  Com aquela página do jornal guardada como relíquia, e, já estudando alguns meses com aqueles que, agora, não eram mais nomes impressos para mim, concluí que a desfaçatez correu solta nesse vestibular, pois entre os dez primeiros colocados, no mínimo, havia parentes de primeiro grau de professores, amizades de longa data, compadrio, enfim, tudo o que leva aos favorecimentos mais deploráveis. Mas isso são bagatelas.

Importa que, tudo correndo bem, eu me formaria com 32 anos de idade, como Helmut Schmidt.

Antes tarde do que nunca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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