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terça-feira, 8 de setembro de 2015

2932 - pensando bem


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5182                                Data:  05  de setembro de 2015

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SABADOIDO

 

Com uma má distribuição capilar na cabeça, ou seja, fartura de cabelos nos lados, carência deles no cocuruto, resolvi entrar na barbearia quando seguia caminho para mais uma sessão do Sabadoido. Lá, fui informado pelo Fonseca, que conduz os trabalhos por 44 anos, que o seu irmão Paulo, o podador das minhas madeixas, se encontrava em casa, porque passara por uma cirurgia, e que só retornaria às barbas, aos cabelos e aos bigodes na seguinte terça-feira. Percebi que ele, ao me comunicar essa notícia, julgou que eu fosse embora; se assim pensou, errou, pois eu me encontrava como o Ministro da Fazenda Joaquim Levy: quanto mais cedo fosse o corte, melhor.

Não passava das 7h 30min da manhã e só estávamos nós dois lá.

Fonseca não possui o repertório de novidades – eufemismo para fofocas – do Paulo, mas como tivemos um amigo comum, que vinha do trabalho, na PREVI, do Centro, para cortar o cabelo com ele, em 1977, trazendo-me na carona do seu carro, puxei conversa sobre ele.

-Geraldo morreu.

-Morreu?!... Pois é, o Wagner morreu.

-Mais um surdo. - pensei na minha mãe.

Bem, agora, o Geraldo tinha de esperar.

-Vagner tinha, Fonseca, uma epilepsia de uma agressividade nunca sabida, pelo menos por mim, que não sou versado no assunto.

-Não era doença. – afirmou com segurança.

-Bem, a Gina me disse que os exames de tomografia computadorizada, a que se submeteu, não indicaram nada.

-Não indicaram nada, porque aquilo era carma. Eu avisava, mas o pai dele era turrão e o tratamento correto não foi feito.

-Hoje, seria o dia de ele se reunir com a gente na casa da Gina. Nós nos juntávamos todos os sábados lá. A Celma, viúva dele, disse que esses encontros eram uma das suas poucas alegrias. Com essa friagem, ele, certamente, apareceria todo encapotado e com meias de lã.

-Muito turrão o pai dele. – insistiu.

Voltei ao assunto triste que o Fonseca não percebera.

-Sabe o Geraldo, aquele que estudou comigo na faculdade, e vinha de longe cortar o cabelo com você?... Morava na Rua Fadel Fadel no Leblon?...

-O Geraldo Maluco?...

Até alguns anos atrás, Fonseca me perguntava pelo meu amigo com esse epíteto; como ele desaparecera da sua barbearia, a sua curiosidade se esvaiu com o tempo.

-Era maluco mesmo, pois, sofrendo de diabetes, não largava as tulipas de chope. Nunca mais o vi, soube do seu falecimento pela página fúnebre do Globo.

-Geraldo Maluco... – escandiu bem as sílabas com o semblante de quem carregava boas lembranças para o presente.

-O Geraldo me contava que o conheceu quando a sua barbearia era no Jacaré.

-A minha barbearia era na Tijuca. – reagiu indignado.

Aqui um parêntese: a Rosa Grieco, vez ou outra se refere à sua “combalida memória”, puro jogo de cena para quem – não seria surpresa para mim - inspirou Jorge Luís Borges na elaboração do personagem Funes, o Memorioso. Quanto a mim, não tenho a memória “combalida” da Rosa, mas garanto que o Geraldo, quando trabalhava na agência do Banco do Brasil, no Jacaré, descobriu a perícia do Fonseca em matéria capilar e o seguiu, apesar das mudanças de endereço, durante um bom tempo. Desconfio, neste momento, que a indignação do Fonseca se deve ao fato de ele ter julgado que eu aludia ao Jacarezinho, que muitos não tratam pelo diminutivo. Eu deveria ter falado na Rua Lino Teixeira para que dúvidas não fossem suscitadas, mas, agora, era tarde.

Fonseca que, comumente, trabalha em 33 RPM, enquanto o seu irmão, em 78 RPM, cortava meu cabelo com certo vagar; com certeza, a ausência de fregueses, naquela hora, o deixava relaxado. Minutos depois, quando me apresentou a conta, calculei que a pouca frequência era em todas as horas.

E pensar que, no auge do Plano Real, ele manteve o preço de R$ 9,00, durante uns 10 anos, pelo corte do cabelo. – dizia comigo mesmo quando saí de lá rumo à casa do meu irmão. Depois, converti os valores em dólares e constatei que, aquele preço, representaria, hoje, 36 reais. Dentro dessa perspectiva, os 26 reais que ele me cobrou saíram mais barato.

Minutos depois, encontrei minha cunhada e meu sobrinho vestidos para sair.

-Vamos ver a exposição do Picasso no Centro Cultural Banco do Brasil.- informou-me a Gina.

-Mandem lembranças minhas às Madames de Avignon. - não perdi a piada.

-Parece que elas não vieram, Carlão,

-Eu lhes contei sobre aquele garoto com a mãe na exposição do Monet, em 1997, no Museu Nacional de Belas Artes?

-Umas duzentas vezes, Carlinhos.

-O garoto olhou uma tela de Monet e disse: “Mãe, está tudo borrado.” – seguiram-se as palavras do Daniel às da Gina.

-Tratem, então, de ficar perto das crianças nessa exposição, pois elas falam o que os adultos calam para não perder a pose de entendidos em Artes Plásticas. – aconselhei.

-Estarei perto da criançada, Carlão.

-Preparem-se para ficar horas esperando com esse frio de polo sul. – alertei-os.

-Vamos encontrar até pinguim na fila da exposição. - mostrou-se a Gina preparada para o programa cultural.

-É a Roberta. - anunciou o Daniel quando soou a buzina de um carro.

Saíram e o Claudio continuou calado, ainda absorvido na resolução de uma palavra cruzada.

-Alguma notícia que não seja trágica no jornal de hoje? – perguntei-lhe quando vi O Globo sobre a mesa da cozinha.

-Notícias amenas só no caderno ELA. - respondeu-me.

Meus olhos bateram numa nota que anunciava uma entrevista do Fernando Henrique Cardoso na página 6; folheei o jornal e me pus a lê-la.

Mal li o primeiro parágrafo, não me contive e comentei:

-O FHC diz, agora, que o Lula era um mito que se quebrou. Quando estourou o escândalo do mensalão, em 2005 e a oposição queria pegar o chefão, ele disse que o Lula era um símbolo. Não faz muito tempo, assim, ele repetia essa balela que o Lula era um símbolo. Ora, símbolo é o Mandela, o Lech Walesa, para ficar nos atuais e não recuar até Gandhi. Agora, Lula!... Pelo amor de Deus.

-Você não é um grande admirador do Fernando Henrique Cardoso?

-Sou, considero-o um estadista, mas tenho cérebro para pensar; não aceito tudo como se a minha mente fosse um papel carbono. 

-Esse negócio de símbolo é coisa de sociólogo; masturbação sociológica, como dizia o Serjão, que o adorava, mas também o criticava. - manifestou-se.

-O FHC foi tachado de neoliberal pelos petistas, mas ainda guarda uns cacoetes da esquerda. Eu me lembro de que, no meio daquelas agitações estudantis, na França, em 1968, quando os operários da Renault entraram de greve, um daqueles líderes estudantis discursou com um megafone na mão.

-E o que ele disse? – interrompeu-me.

-Dirigiu-se aos operários e, com a cabeça prenhe de ideologias, disse que lutava, junto com os seus colegas, por um mundo muito melhor para o operariado. Bem, aumentaram os salários e todos retornaram ao trabalho. A ideologia é dinheiro no bolso.

-Mas o Lula, como operário, só se contenta com milhões no bolso.

-Que símbolo é este, Claudio?

Ele retornou às palavras cruzadas e eu retomei a leitura da entrevista do único estadista vivo do Brasil que, nem por isso, está livre das escorregadelas.

 

    

 

 

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