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terça-feira, 22 de setembro de 2015

2942 - o ônibus errado


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5192                                   Data:  18  de setembro de 2015

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209ª  CONVERSA  COM OS TAXISTAS

 

Eu não sabia que o brocardo popular “muita esmola o santo desconfia” também se aplicava nos ônibus. Mas eu tenho uma atenuante, fiquei mais de dez anos sem ir ao Centro da cidade por esse meio de transporte; deslocava-me para o trabalho unicamente de metrô, com pouquíssimas caronas, táxis e Van como exceções. Assim, quando entrei, nessa última sexta-feira no 265 e pude escolher o lugar para me sentar, pois só havia quatro passageiros, bendisse a minha sorte e, em vez de saltar no ponto próximo à estação do metrô de Maria da Graça, resolvi seguir para a cidade e sair na proximidade da rua México como fizera dias atrás. Na verdade, foi essa viagem que reiniciou a minha ida de ônibus para o trabalho depois de mais de dez anos, como eu já disse. O estranho é que, daquela vez, existiam apenas três lugares vazios e o horário era o mesmo 5h 30min.  Agora, porém, eu não estranhava nada. Lembrei-me do Sérgio Britto, no seu programa televisivo “Arte”, dizendo que, quando visitou a Grécia e foi ao teatro, deparou-se com a Irene Pappás interpretando “Medeia”, de Eurípedes, presenciou tudo deslumbrado e concluiu: “Eu mereço”. Eu merecia me esparramar numa condução indo para o batente após décadas de aperto,

Saquei da minha mochila a revista de palavras cruzadas, porque a luminosidade não era das piores, porém, o ônibus sacolejava tanto devido à idade da lataria e pedal do acelerador premido pelo pé pesado do motorista, que julguei mais saudável recolocar a revista no lugar de onde eu a tirara. O General Golbery, no conforto do seu carro com motorista, sofreu um deslocamento de retina lendo. Eu não iria correr esse risco. Considerei mais seguro pegar um papel com testes de inteligência com questões que exigiriam, cada uma delas, mais ou menos um minuto para serem lidas, e minutos, talvez horas de reflexão para serem resolvidas, ou seja, a retina ficaria sossegada, apenas os neurônios seriam postos em ação. O primeiro problema a que me submeti foi esse: “Quando João estava passeando com seu cachorro, encontrou o filho do marido da filha única de sua sogra. Qual é o parentesco dele com João?”

Eu pensava naquela família complicada em que só o cão não tinha nada a ver com aquele imbróglio, quando notei que o ônibus virava todas as esquinas de São Cristóvão, fato que não ocorreu na minha viagem anterior no 265. Levantei-me, preocupado, fui até ao banco em que uma senhora dormitava e lhe indaguei se passaríamos pela Avenida Brasil, ela disse que sim. Respirei aliviado, mas por poucos segundos, pois passávamos agora, por uma rua por onde já estivemos, em cujo ponto entraram uns cinco passageiros.

-Estamos indo para o Centro? - perguntei a um deles.

-Não; para Marechal Hermes.

-Cacete! Nem o Botafogo, com a venda da sede, transferindo-se do Mourisco para esse bairro, me deixou mais abalado.

-Volte até Benfica e pegue um ônibus lá. - aconselhou-me o tal passageiro.

Eu não confiava mais em ônibus algum; saltei ali mesmo com a intenção de pegar um táxi. Todos passavam com passageiros e, para piorar, a rua (ou será avenida?) era muito larga, e muitos deles passavam por fora. Reparei, enquanto sinalizava, que, no posto de gasolina da esquina, um taxista espanava o seu carro; fui até ele e emendei duas perguntas, se ele ia sair e se podia me levar ao Centro. Depois de me informar que teria de apanhar a filha, apontou-me um táxi que estava parado no sinal. Corri até ele; disse-me que teria de dar um alô na oficina. Mal murchei pela segunda vez, ele me perguntou se eu poderia perder 10 minutos. Com a minha resposta afirmativa, franqueou a porta de trás do táxi, mas entrei pela frente.

Rapidamente, ele rumou para um rua empinada de São Cristóvão, no topo dela parou diante de uma oficina, me pediu para aguardar 5 minutos, mas reapareceu bem antes.

-Para onde vamos?

-Para a Rua da Assembleia quase esquina da Rio Branco saindo da Primeiro de Março.

Com as minhas informações, ele acessou o GPS.

-Ora viva! Já peguei táxi, ali por Maria da Graça, Cachambi, Meier em que tive de fazer o papel de GPS. – disse-lhe.

Depois da subida, o declive, até que entramos em uma rua que ladeava uma parte do estádio do Vasco.

Ele se revelou um flamenguista sem fanatismo (aquele dia estava sendo, mesmo, bem diferente para mim). Falei-lhe que via a estátua do almirante, quando ia, menino, à casa da minha avó na Rua General Padilha sem aludir a uma lenda da família, que o Ary Barroso, proibido de entrar no estádio de São Januário, transmitiu uma partida sobre o telhado do galinheiro da casa de uma das minhas tias-avós.

Agora, ele passava por dentro da Quinta da Boa Vista. Nos anos 70 e 80, eu vinha todos os sábados, com os amigos da Rua Chaves Pinheiro, jogar pelada, mas, ficou longe aquele frescor esverdeado do gramado, o que eu via era uma cor amarronzada de capim queimado. 

Eu estava entregue aos meus pensamentos, quando ele me apontou o GPS.

-Vou fazer uma pequena mudança na rota, por causa de uma retenção no trânsito mais adiante.

-Nessa hora, os carros estão todos na rua. – comentei.

-Eu trabalho mais da zona sul para o centro, lá, encontro mais passageiros.

E se pôs a matraquear sobre o Rio de Janeiro, que tem belezas naturais, apenas, que é feia, a arquitetura não é bonita.

Falei-lhe de algumas obras reconhecidas até internacionalmente.

-Eu quero dizer que, na parte urbana, não é bonita. O que o senhor acha?

-Bem, no início do século XX, o prefeito Pereira Passos criou a Avenida Rio Branco, influenciado pela Paris da Belle Époque.

-O senhor achou que foi bom?

-Sim; foram abaixo muitos cortiços que eram uma cultura de doenças, como a peste bubônica, para que a Rio Branco, na época, Avenida Central, saísse do papel.

-E a Avenida Presidente Vargas?

-Essa já foi no tempo do Getúlio Vargas, década de 40; até igrejas não escaparam da demolição.

-Mas não mexeram na Igreja da Candelária.

-Essa é do tempo em que o Brasil era colônia de Portugal, embora as outras devessem ser também.

-O que o senhor acha de os portugueses terem colonizado o Brasil? Sem esperar a minha resposta prosseguiu:

-Eu tenho um passageiro advogado, que afirma que a desgraça do Brasil foram os portugueses, que vieram para o Brasil só pelo ouro.

-Ora, em perigos e guerras esforçados, eles tinham de ter uma motivação para atravessar um oceano, arriscando a vida em toscas embarcações. Nos Estados Unidos não foi assim porque os puritanos fugiam das guerras religiosas na Inglaterra. Depois, foram para a América mais europeus com o objetivo de enriquecer. A natureza humana é esta.

-Mas você não acha, como esse advogado, que a nossa desgraça foram os portugueses.

-Não; falar mal deles é como falar mal dos nossos antepassados, que são os colonizadores que se estabeleceram no Brasil. Além do mais, eles levaram muito ouro, mas trouxeram, em troca, um idioma rico, uma bela arquitetura, as artes, enfim. Eles não pensaram duas vezes, e se misturaram com as índias, com as negras. Antes, de partirem para as grandes navegações, já havia sangue de árabes e judeus nas veias dos lusitanos.

-Por que, então, o Brasil não prospera, é por causa da corrupção?

-Corrupção existe em todos os países, embora tenham extrapolado, aqui, nos últimos anos. O Brasil não prospera por causa da impunidade.

-Mas estão punindo.

-Estão; é um grande avanço pôr os milionários na cadeia, mas faltam os políticos, aqueles que têm foro privilegiado.

 Percebi que ele parecia entusiasmado, até feliz; como se eu lhe tirasse o peso de pertencer a uma raça inferior que o tal advogado lhe pusera nas costas.

-São 34 reais, mas me dê 30. – disse-me quando chegamos.

-Dei-lhe os 30, afinal, quando saímos da rua da oficina, o taxímetro marcava 7 reais.

-Um ótimo dia.

-Um ótimo dia. - devolvi;

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

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