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terça-feira, 25 de agosto de 2015

2924 - ao pó voltarás


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5174                                    Data:  24 de agosto de 2015

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SABADOIDO

 

-E isso de Democracia Corinthiana, Claudio?

-Não havia democracia alguma, eram uns poucos que decidiam.

-É como a democracia petista de hoje: 90% dos eleitores querem a maioridade penal aos 16 anos e os 10% do PT decidem o contrário. Não quero dizer com isso que baixar a maioridade penal resolva alguma coisa sobre a violência, mas acho a comparação válida.

-Quem decidia na chamada Democracia Corinthiana?

Era uma pergunta retórica, pois ele mesmo respondeu:

-Sócrates, Casagrande, Vladimir, Zé Maria e o diretor Adílson Monteiro Alves decidiam e os demais jogadores seguiam atrás.

-O Adílson Moreira Alves chamou o publicitário Washington Olivetto, que criou a expressão e o Juca Kfouri, como jornalista corinthiano e esquerdista, foi o seu maior divulgador.

-Desses detalhes eu não sabia. - confessou meu irmão.

-Sei porque terminei há dias de ler um livro sobre o Casagrande, que até mereceu a leitura pois cheguei à última página.

-Mas não foi ele que escreveu?

-Não; o Casagrande forneceu o material sobre a vida dele e o jornalista Gilvan Ribeiro transformou em livro; aliás, os artigos do jogador para um jornal de São Paulo eram copydeskados, aperfeiçoados pelo Gilvan Ribeiro.

-Outra coisa, Carlinhos, falar em democracia em 1982, quando entrou o Figueiredo com a missão de atenuar a ditadura era fácil, eu queria ver antes.

-O livro conta que o Casagrande não admitia a contratação do Leão para o campeonato de 1983, queria que permanecesse no gol o Solito, goleiro campeão paulista pelo Corinthians no ano anterior.

-Por que essa bronca toda dele com o Leão? – estranhou o Claudio.

-Porque o Leão era a sua antítese; disciplinado, cumpridor de horários, seguidor de uma vida regrada.

-Era, então, a antítese do Sócrates também. – concluiu.

-Mas o Sócrates aceitou, prontamente, a decisão do Adílson Monteiro Alves; creio que eles já se entendiam bem na seleção brasileira; O Casagrande só iria para o escrete alguns anos depois.

-O que se dizia era que o Sócrates se entendia bem mesmo era com o Casagrande.

-Eu também imaginava isso, mas depois da leitura desse livro, vi que não foi bem assim.

-Eles não eram almas gêmeas?... petistas, viciados, atraídos pelo mundo artístico...

-O Sócrates colocou o nome do filho de Fidel, o Casagrande pretendia fazer a mesma coisa quando nasceu o seu primogênito. Acontece que a mulher dele, Mônica, ex-jogadora de vôlei, protestou com veemência. O menino se chamou, então, Victor Hugo. Casagrande se resignou porque era o escritor de “Os Miseráveis”.

-A mulher dele ganhou a parada.

-A diferença de Victor Hugo para Fidel Castro é do vinho para o vinagre. – comparei.

-Mas os dois eram amigos, ou o livro não diz isso?

-Claudio, quando o Casagrande foi detido portando drogas, com 19 anos de idade, no início de carreira, levou uma reprimenda de pai para filho do Sócrates.

-Logo ele?!...

-Anos depois, os papéis se invertiam: o Casagrande ralhou com o Sócrates, porque ele, possuindo um grande potencial, não concluía nada. Como jogador de futebol, não despontou no futebol europeu; como médico, não seguiu a carreira; como técnico, não se dedicava; como um político cheio de ideias, chegou a ser secretário de esporte e não foi além disso.

-Era o álcool.

-Claudio, você deve saber que, em Ribeirão Preto, ele investiu 300 mil dólares, em 1992, e criou a Medicine Socrates Center, uma clínica para atender profissionais da área esportiva e pacientes comuns. Mas o alcoolismo impediu que ele carregasse esse projeto, mais um, até o fim.

-O Casagrande era outro viciado, então, um passando sermão no outro seria cômico se não fosse trágico.

-Eu dizia antes que eles não se entendiam tão bem, soube por esse livro. Quando o Casagrande foi trabalhar na Globo, o Sócrates comentou que ele se vendera ao sistema. Casagrande, quando soube, não deu um pio, mas evitou o Sócrates, não quis mais saber dele.

-É o patrulhamento ideológico.

-O patrulhamento ideológico é asqueroso e vai ao encontro daquela frase em que o Nélson Rodrigues dizia que a mais desprezível das paixões é a paixão política. – manifestei-me.

-Parece-me, Carlinhos, que eles se reconciliaram.

-Esse jornalista, Gilvan Ribeiro, amicíssimo dos dois, procurou restaurar a amizade deles e a oportunidade surgiu com um programa de televisão do Paulo César Caju. O Casagrande se fez presente e nada de aparecer o Sócrates, preocupando todos.

-Devia estar curtindo uma carraspana. – imaginou meu irmão.

-O Casagrande lembrou que, no seu casamento, quando o escolheu para padrinho, todos esperaram muito tempo por ele, inclusive a noiva...

-A Mônica, a ex-jogadora de vôlei?

-Isso. Eles tiveram, então, de substituir o padrinho para que o casamento se realizasse. Sócrates apareceu bem depois como o diabo gosta.

-E nesse programa do Paulo César Caju?

-Apareceu quase que no apagar das luzes. Os desafetos se abraçaram, deram tapinhas nas costas, quase que fizeram juras de eterno amor...

-Era tudo jogada para a plateia.

-Sim. O escritor conta no seu livro que a sua desilusão veio na carona que deu ao Casagrande; ele disse que só fizera aquilo pelo Paulo César Caju, porque o Sócrates continuava a não respeitar ninguém.

-Mas eles não se reconciliaram? – voltou meu irmão com a pergunta.

-Quando o Sócrates estava no leito do hospital, com poucas chances de sobreviver, eles se abraçaram, choraram. Quando o Sócrates morreu, Casagrande redigiu um texto para o Diário de São Paulo que intitulou “Confesso que Te Amei.”

-Inspirou-se nas memórias do Pablo Neruda. – lembrou.

-O grande problema do Sócrates, diz esse livro, é que ele não se conscientizava que era um alcoólatra, que se tornara um joguete da bebida, assim sendo, não se tratou como deveria.

-E ele era médico.

-O Casagrande, viciado em cocaína e, em heroína, bem mais em cocaína, sofreu três overdoses em que não morreu porque o coração dele era de atleta. Não tinha como ele não saber que era escravo do vício. Ficou um ano numa clínica de reabilitação sob um tratamento pra lá de severo, não podia nem ter contato com os familiares. E o sistema, ou seja, a Globo, não deixou de pagar seu salário em momento algum o que foi uma ajuda e tanto para ele.

-A Globo tem seus altos e baixos.

-O Sócrates não teve essa chance.

Uma longa pausa representou o esgotamento desse assunto para nós.

-E quando o Daniel e a Gina vão retornar de Petrópolis?

-Só à noite, Carlinhos. 

 

 

 

 

 

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