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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

2921 - Armários e balangandãs


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O BISCOITO MOLHADO
Edição 5171                        Data:  18 de agosto de 2015
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SABADOIDO

-A Gina não está?
Dei pela sua falta.
-Foi ao supermercado.- respondeu o Claudio na sua cadeira de chupar laranja, enquanto eu me acomodava na sua cadeira de ler jornal. Conosco, Daniel se punha no meio das almofadas do pequeno sofá de alvenaria.
-As compras aos sábados tinham saído da rotina dela.- observei.
-Ela foi fazer companhia a irmã, Carlão.
-E a Jura está bem?
-Quem não esteve bem esta semana foi o Daniel.
-O que houve? - voltei-me para o meu sobrinho.
-Tive um negócio aí...
Depois que o mal foi identificado, identificou-o com desdém:
-Gastroenterite.
-Poxa, Daniel, você tem de tomar mais cuidado com a alimentação. Parar com refrigerantes...
-Eu não bebo refrigerante.
-Não bebe, mas na visita `a mamãe, no aniversário dela, você levou uma garrafa de Coca Cola para casa.
-Foi uma exceção que confirma a regra.- justificou-se.
-Tem ido `a academia de ginástica? Você anda meio barrigudo.
-Falto, às vezes. Tenho de perder uns 8 quilos para chegar a 25 de índice de massa corporal.
-Você sabe calcular o IMC?
-Não só o IMC, como o MMC e o MDC.
-Falando sério, Daniel.
-Peso dividido pela altura elevado ao quadrado.
-A Gina levou o Daniel para a emergência do Prontonorte.- manifestou-se meu irmão que, pacientemente, descascava uma laranja seleta.
-Lá, a Gininha ficou pior do que eu porque, na sala de espera, ela teve de assistir ao programa da Ana Maria Braga e ao “Bem-Estar”.
-Quanto ao programa da Ana Maria Braga, eu tenho as minhas erisipelas assistindo, mas quanto ao “Bem-Estar”...
-Críticas candentes, Carlão, críticas candentes.
-Eu vejo o “Bem-Estar” no Canal Viva, depois da minha janta, e gosto. É um programa com médicos especialistas e com conhecedores das várias modalidades de exercícios físicos. Você, Daniel, até deveria seguir umas dicas deles sobre alimentação, principalmente.
-Aproveite que ela não chegou ainda do supermercado, pois ela vai arrasar com tudo isso que você disse agora. - alertou-me meu irmão.
-E você, Carlão, tem ido na Academia da Terceira Idade da Praça Mané Garrincha? - indagou-me em tom zombeteiro.
-A Praça Manet?... Vou duas ou três vezes da semana, umas 4 horas da tarde e fico por lá uns 40 minutos. Não encontro idosos, apenas crianças, algumas de 10 anos. Como aqueles exercícios, ao contrário da caminhada, são enfadonhos, puxo conversa com os garotos mais educados para o tempo correr mais rápido, enquanto me exercito.
-Cuidado para não ficar com a fama de pedófilo.
-O velho tem razão; como a criançada me adorava, eu era chamado de Michael Jackson.
-O problema é a erotização extremada que a Mídia despeja sobre nós de umas décadas para cá. Se o Charles Chaplin filmasse “O Garoto”, hoje, seria acusado de pedófilo. Se o romance “Os Miseráveis” fosse escrito na  nossa realidade, Jean Valjean seria procurado pela Inspetor Javert por pedofilia, porque levou Cosette, ainda menina, para morar com ele. - comentei.
-E com essa exaltação ao LGTB, estamos voltando à Grécia Antiga, sem a filosofia, é claro, e ao Império Romano. - seguiram-se as palavras do Claudio às minhas.
-É verdade – concordei. Segundo alguns estudiosos, o primeiro imperador romano heterossexual foi Claudio.
-Júlio César não era macho?- surpreendeu-se meu sobrinho.
-Júlio César disse que era homem de todas as mulheres e  mulher de todos os homens.
-O Júlio César?!...
-Daniel, você parece o Olavo quando lhe disseram que o Mazaropi era viado: “O Jeca Tatu?!...” - tentei reproduzir o desencanto do Olavo.
-A diferença é que a decepção do Daniel é fingida, a do Olavo não, foi sincera, ele era fã do Mazaropi.- disse meu irmão.
-Tibério, o terceiro imperador de Roma, colocava seus peixinhos na piscina...
-Peixinhos na piscina, Carlão?
-Meninos. Ele metia alguns peixinhos na sua piscina e os sodomizava. Calígula, que viria a ser imperador, foi um peixinho do Tibério.
E prossegui:
-Era tudo extremamente erotizado, na Roma dos césares, e parece que estamos regredindo. Hoje, as crianças, com a erotização por todos os lados, não vivem o ciclo completo da infância e se tornam adultos mal resolvidos.
-O Tibério era malucão.
-Malucão, Daniel, nomeou o cavalo dele Incitatus imperador.
-Calígula não era tão maluco assim, Carlinhos; pelo menos, o cavalo não roubava.
-O velho tem razão; o cavalo do Calígula não estaria envolvido na operação Lava-Jato.
-Falando sério, eu não sou homofóbico. Tenho grande admiração por Marcel Proust, Keynes, Tchaikovsky, Leonard Bernstein, Oscar Wilde, André Gide, Alan Turing, e muitos outros. Todos discretos, não se portavam como caricaturas de mulheres, não soltavam a franga.
Daniel, depois de me ouvir, interveio:
-Carlão, eu assisti ao filme “O Jogo da Imitação”.  O cientista inglês Alan Turing salvou centenas de milhares de vidas decifrando o código dos planos nazistas, no entanto, após a guerra, foi perseguido no Reino Unido por sodomia e acabou se matando.
-O Tchaikovsky bebeu água da bica, numa epidemia de cólera, ou seja, suicidou-se, porque tinha de reprimir a sua sexualidade. - foi o Claudio ao encontro das ideias do seu filho.
-Eles mais Oscar Wilde e muitos outros foram vítimas de homofóbicos e, como eu disse, não cultivo a homofobia, pelo contrário, acho desprezível. Eu tive dois grandes amigos que também gostavam de homens, mas não apregoavam isso; nós nos tratávamos com respeito. Um desses dois se insinuou discretamente, cantando “Menino do Rio”, com trejeitos afeminados, mas quando viu a minha cara de paisagem, voltou para dentro do armário.
-Já que o assunto é esse, vou para o teclado tocar “We Are The Champions”, imitando o Freddie Mercury. - disse o Daniel levantando-se e indo em direção ao seu quarto.
-Claudio, parece que o Aldyr Blanc não escreve mais aos domingos no Globo.
-O artigo dele não é mensal?
-Mas já passaram mais de 30 dias.
-Eu não reparei.
-Eis uma pessoa que entra na velhice de uma maneira lamentável. Quanta rabugem, amargura, ódio, humor raivoso naqueles artigos políticos! Nem me sinto bem quando leio aquilo, às vezes, evito.
-Como letrista, ele é, talvez, um dos três maiores da música popular brasileira nos últimos 50 anos.
-Pois é, Claudio, ele escreveu aquela inspirada letra “Resposta ao tempo”, mas, na realidade, ele foi derrotado fragorosamente pelo tempo. Eu gostava dele. Assisti duas vezes, no Teatro Glauce Rocha, em 1998, ao espetáculo do Claudio Tovar e Lucinha Lins “ Aldyr Blanc, um cara bacana.”
 -E o Luís Fernando Veríssimo, Carlinhos?
-Quando o filho do Érico escreve sobre economia e política, ele é a mescla da erudição com a falta de lucidez.
-É isso aí.- disse meu irmão.




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