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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

2919 - Relativamente


 

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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5169                          Data:  15 de agosto de 2015

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NO  SABADOIDO

 

Entrei na cozinha do Sabadoido e encontrei meu sobrinho já refestelado nas almofadas no pequeno sofá de alvenaria. Ele estava com a bomba atômica de Nagasaki na cabeça.

-Carlão, se atirassem uma bomba atômica na sede da prefeitura idêntica à bomba de Nagasaki, pegava do Aterro do Flamengo ao Maracanã.

-Isso quer dizer que todo o Centro seria varrido do mapa?

Enquanto ele meneava afirmativamente a cabeça, eu prosseguia no meu cálculo da devastação:

-Todo o bairro de São Cristóvão também seria derretido.

E emendei uma pergunta:

-Por que aventaram a hipótese de a bomba ser atirada justamente na sede da prefeitura?

-Carlão, quem imaginou isso deve ter muita bronca do Eduardo Paes.

-Parece que ele só anda pela Barra da Tijuca acompanhando as obras do centro olímpico e, pelo que você falou, ele escaparia vivo.

-Carlão, seria bem melhor que o Eduardo Paes fosse igualzinho ao Sérgio Cabral quando era governador, assim, jogariam a bomba em Paris.

-Logo em Paris, Daniel!... É verdade que muitos companheiros do PT não escapariam, mas ainda assim, seria uma tragédia pavorosa.

-Isso quase aconteceu, Carlão, pois o Hitler ordenou que os nazistas se retirassem de Paris incendiando a cidade toda.

-“Paris está em chamas?” – até fizeram um filme sobre esse caso.

Essas palavras foram do meu irmão que acabara de engraxar mais uma vez a sua bicicleta ergométrica que ainda cismava de incomodar os vizinhos com seus rangidos de funkeiro rouco.

Depois, o seu antiamericanismo, cacoete que acomete muita gente, aflorou:

-O que os americanos fizeram foi uma barbaridade.

-Cláudio nós temos que analisar esse fato em perspectiva. Os japoneses endeusavam o imperador, se ele não se rendesse, os seus soldados lutariam até a morte.

-Que lutassem, mas não jogar uma bomba atômica em Hiroshima e outra em Nagasaki.

-Cálculos conservadores estimaram que, prosseguindo a guerra com a invasão do Japão, seriam mais de um milhão os mortos.

-Com as bombas, foram 200 mil. – interveio o Daniel.

-A guerra é tão cruel que temos de fazer estatísticas macabras. – afirmei.

-O Holocausto não matou 6 milhões? Foram, então, 30 bombas de Hiroshima e Nagasaki que caíram sobre os judeus. - calculou o Daniel.

-Ainda bem que os americanos chegaram à bomba atômica primeiro que os alemães, se não... Cientistas, eles tinham, mas faltavam recursos, eles até escassearam para a fabricação das bombas do Werner von Braun. (*)

-O Einstein foi um dos cabeças da bomba atômica.

-Claro, ele era o maior cientista que existia. - seguiram-se as palavras do meu sobrinho às do pai.

-Einstein formulou aquela equação E=MC², a energia é igual à massa vezes a velocidade da luz elevada ao quadrado. Ele, no entanto, julgou que não trabalhariam sobre ele fórmula para chegar a uma quantidade tão absurda de energia. Quando soube que os alemães poderiam chegar à bomba atômica, escreveu uma carta de alerta para o Presidente Roosevelt.

-Eu sei, os americanos criaram o Projeto Manhattan com cientistas alemães, inclusive, trabalhando com os aliados.

-Hitler tomou como inimigos os judeus e eles, que são inteligentes ao extremo, naturalmente, fariam de tudo para derrota-lo. – comentei.

Sem se desconectar da conversa, meu sobrinho acessou o seu smartphone e leu:

-Einstein disse, dois pontos, abre aspas: “Se a minha Teoria da Relatividade estiver correta, a Alemanha dirá que sou alemão e a França me declarará cidadão do mundo. Mas se não estiver, a França dirá que sou alemão e os alemães dirão que sou judeu”. Fecha aspas.

Em seguida, tirou as vistas do smartphone e se voltou para nós.

-A Teoria da Relatividade está correta e, no entanto, os alemães consideraram Einstein judeu.

-Ele nunca imaginaria que o povo alemão se tornaria presa dos instintos mais primitivos sob a liderança do lunático do Hitler. - disse-lhe.

-Eu conhecia essa frase do Einstein, mas não sabia dizer de cor, palavra por palavra, também porque me parece que ele também falou da hipótese de a Teoria estiver incorreta, que os franceses diriam, então, que ele era suíço.

-Velho, o Google está à mão para tirar essas dúvidas.

-O Google é ótimo, mas não deve ser seguido como uma bíblia infalível.  Já topei com inúmeros erros, entre eles, atribuir uma frase de Pascal a Voltaire. A Rosa Grieco, que tem 80 anos de leitora, deu a Pascal o que era de Pascal e a Voltaire o que era de Voltaire.

O assunto do nosso diálogo começou a se desgarrar.

-Falando em Google, eu assisti, num desses canais abertos, a uma palestra muito interessante do João Ubaldo Ribeiro em que ele alude ao Google.

-Nas crônicas deles de domingo no Globo, ele escrevia que não se entendia com os computadores que, em matéria de tecnologia, ele nunca foi além do liquidificador de duas rotações. - lembrou meu irmão.

-Com o convívio diário com o computador, eles foram se entendendo.

-Sim, o computador é diferente da esposa. - fustigou o Claudio.

-Nessa palestra, ele diz que suava para descobrir, nos livros, nomes de peixes de rio de que ele não se lembrava mais, no entanto, com o Google, ele vê a sua frente uma relação enorme de peixes fluviais.

-O que ele disse de interessante, Carlão? – indagou-me o Daniel que não estava muito interessado em nomes de peixes de rio ou de mar.

-Ele falou que não acredita em inspiração, nesse negócio de esperar pelas musas. Villa Lobos era assim, dizia que se sentava e se punha a compor como se fosse uma obrigação. Beethoven despejava uma jarra d’ água na cabeça, sacudia as melenas, como os cachorros que saíram do banho, e escrevia nos pentagramas.

-E o João Ubaldo Ribeiro, Carlinhos?- quis saber o Claudio.

-Ele disse que é disciplinado, que se impunha escrever mais do que um G.G. por dia, menos do que uma VW. Sua meta era um J.C.

-G.G. é o que, Carlão?  Modelo de roupa para gordo?

-É claro que ele explicou o significado dessas letras. – deduziu meu irmão.

-Ele esclareceu que um G.G. significa Graham Greene, que escrevia 600 palavras por dia; um J.C, Joseph Conrad, que redigia 900 palavras; uma V.W, Virgínia Wolf, que chegava a 1200 palavras diárias.

-Ele escrevia, então, 900 palavras diariamente. – disse o Claudio.

-Você acha muito, Carlão?

-Daniel, o N.R. , Nélson Rodrigues, deveria escrever umas 2000 palavras diariamente, pois a sua obra é extensa, só as peças de teatro são 17. “A Vida Como Ela É”, mais 1500, por aí vai, e ele morreu com apenas 68 anos de idade.

-Você lê esses articulistas de jornal escrevendo que ficarão fora um mês por causa das férias, e o Nélson Rodrigues, que eu saiba, nunca tirou férias; os seus textos jornalísticos só não saíram quando ele morreu. – observou meu irmão.

-Os escritores de hoje vão a feiras de literatura na Alemanha, na França, sei lá aonde mais, às expensas do governo. Isso não acontecia com o Nélson, com o Millôr. – assinalei.

-Você viu agora, Carlinhos, a Lillian Witte Fibe metendo o pau na política econômica do governo Dilma no programa do Jô Soares? Ele tratou de interrompê-la para pedir os comerciais? – indagou-me o Claudio.

-Carlão, ele tem o rabo gordo preso.

-Concordo, Daniel.

 

(*) O von Braun era especialista em foguetes, não em bombas, fossem atômicas, ou polvorentas. Não que isto seja uma atenuante, pois aos habitantes de Londres pouco interessaria saber se as V-1 e V-2 eram devidas a especialistas em explosivos, ou em balística, trata-se apenas de colocar o pingo no i certo. Ou, como diria o próprio redator do seu O BISCOITO MOLHADO, a Pascal o que era de Pascal e a Voltaire o que era de Voltaire.

 

 

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