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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

2914 - bordos e aeroplanos


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5164                          Data:  07 de agosto de 2015

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SABADOIDO

3ª PARTE

 

-Como foi a batida do “Titanic” no “iceberg”?

-Ele foi rasgado pelo “iceberg”.

Fiz a pergunta ao Daniel, mas foi a sua mãe, que vinha entrando na cozinha, que respondeu.

-Foi de proa a popa. -respondeu agora meu sobrinho.

-Confesso que, apesar dos meus muitos anos na Marinha Mercante, trocava, às vezes, estibordo por bombordo. Então, um colega, numa palestra, mostrou uma técnica mnemônica que acaba de vez com a confusão. Disse ele: bombordo lembra bomba, que lembra coração que bombeia o sangue e que fica do lado esquerdo, logo, estibordo é o lado direito do navio. (*)

-À esquerda... À direita... Ainda estou perdida no navio. -queixou-se a Gina.

-À esquerda ou à direita de quem está voltado para a proa. - expliquei.

-Já estou me situando.

-Proa é a parte da frente e popa a parte de trás; não há como errar, é só pensar na popa da Viviane Araújo. - foi ainda mais explicativo do que eu o Daniel.

-Mas, Gina, é melhor ficar perdido no navio do que entrar de gaiato nele.

-”Entrei de gaiato no navio.” - cantarolou a Gina.

-O rock dos “Paralamas do Sucesso”?...

-Pois é, Daniel. Diziam os engraçadinhos, quando o Estaleiro Verolme quebrou, que aqueles que tinham ações na bolsa dessa empresa estavam cantando: “Entrei de gaiato no navio”.

-Você entrou, Carlão?

-Claro que não; construção naval é alto risco. Veja agora o Lula, que incentivou a construção naval sacrificando a Petrobras; com os problemas desta empresa, o desemprego nos estaleiros chega a dezenas de milhares.

Voltei-me para a Gina:

-Já se achou no navio?

-Quero meus pés no chão, nada de navio ou de avião. - afirmou ela.

-Eu assisti, nesta semana, aos “Deuses Vencidos”, no Telecine Cult, e me identifiquei com o personagem do Montgomery Clift quando ele conduz a futura namorada para casa.

-Eu vi também, leva um fora. - antecipou-se a Gina.

-Pois é; ele, então, bate no vidro da janela da casa para chamá-la porque estava perdido.

-Para chegar lá, eles pegaram metrô, depois ônibus e ainda andaram um bom trecho de  rua, era para ele se perder mesmo. - disse a minha cunhada.

  -O DVD do filme “O Barão Vermelho”, que comprei nas Lojas Americanas do Norte Shopping, eu vi ontem.

-Gostou, Carlão?

-Daniel, meteram uma história de amor hollywoodiano no meio da história que não tinha nada a ver.

-Eu prefiro os desenhos em que o Barão Vermelho tem de se confrontar com o Snoopy nos céus.

-Eu também, Daniel. O Snoopy se veste de aviador, caminha com gestos aristocráticos, sobe na casa dele, que decola feito um avião e entra em combate com o Barão Vermelho.

-E fica furioso quando os tiros do Barão atingem a carenagem do avião dele. - acrescentou o Daniel.

-Faltou, então, o Snoopy nesse filme que você comprou? - disse a Gina em tom de brincadeira.

-O drama sentimental desvirtuou tudo. Eu, então, acessei o Google em busca de dados da biografia do Manfred von Richthofen.

-Mas a internet mente muito. - expressou a Gina o seu ceticismo.

-Por isso, eu não me detenho numa página, mas em várias, quando todas, ou quase todas, dizem a mesma coisa, eu tomo como correta.

-E o que falam sobre o rival do Snoopy nos céus? - interessou-se meu sobrinho.

-Ele, quando era garoto, caçava animais com tiros precisos. Como piloto, segundo alguns biógrafos, tratava os aviadores inimigos como caça a ser abatida. Dizem que, no livro de memórias do Barão Vermelho, não há poesia alguma, como no de outros pilotos, destacando-se Saint-Exupéry.

-Saint Exupérie?!... É querer muito, Carlinhos. - prestou a Gina.

-Depois do livro, quando ele já era um herói nacional e a Alemanha queria mantê-lo vivo, visitou – o verbo é este – as trincheiras e hospitais e teve contato com a realidade da guerra, ficando emocionalmente abalado. Sim, porque, até então, a guerra parecia um esporte com risco de vida entre aristocratas, foi isto que o filme mostrou.

-Então, alguma coisa se aproveita dessa fita. - concluiu minha cunhada.

-Eu deduzi que o Barão Vermelho, se fosse um caçador frio e calculista, dentro do seu avião pintado de vermelho, não receberia enterro com honras militares dos aliados.

-Por que ele pintava o avião de vermelho, Carlão? Não seria melhor ele surgir de surpresa?

-Ele preferia ser temido, por isso anunciava a sua presença.

-Certo, mas ele se arriscava a ser alvo de uma formação de esquadrilha inimiga. - conjeturou o Daniel.

Em seguida, a Gina retornou ao nome do autor de “O Pequeno Príncipe”, e pronunciou o xis de “Exupérie” diferentemente de mim.

-O seu professor de francês do Visconde de Cairu, Pedro Vicente, lhe ensinou essa pronúncia?

-Pierre Vincent, Carlinhos, Pierre Vincent.

-Nos meus quatro anos de francês, no Visconde de Cairu, eu não peguei o Pierre Vincent como professor. Talvez, houvesse uma palavra com “x”, quando eu recitei de cor a poesia “Réveil” de Madame De Pressensé, pois até hoje não entendo por que tirei 8, e não 10.

-Você decorou bem a poesia?

-Tão bem que tenho ela na memória ainda hoje. “C' est le matin... Un rayon rose/ glisse de la persienne close/ Jusqu'au lit blanc. Un rayon rose/ Dans les cheveux/ e sur la joue/ Du petit Jean...”Parei a declamação e disse rindo:

-Só não prossigo porque esqueci o restante da poesia.

E concluí, agora, sério:

-Mas é fácil memorizar tudo de novo porque as palavras entram como música.

-Pena, Carlinhos, que você não conheceu o Pierre Vincent. Era uma figura e tanto.

-Também tive professores de francês que eram uma figura e tanto. Um deles, com gestos afeminados, dizia que não se conformava de exército em francês ser uma palavra feminina. “Logo o glorioso exército francês das conquistas napoleônicas- esbravejava.”

 -E como é exército em francês, Carlão?

-”L'armée”. Ele deveria estar revoltado com vagina, em francês, ser uma palavra masculina: “le vagina (acentuando no a)”.

Meu sobrinho soltou uma gostosa gargalhada.

-Daniel, vá se vestir que está na hora. - ordenou-lhe a mãe.

Enquanto ele ia para o seu quarto, Claudio retornou à cozinha ainda mais sujo de graxa.

-A bicicleta está mais silenciosa agora? - perguntei-lhe.

-Parece que sim.

-Tem de estar, porque estava fazendo mais barulho do que as pedaladas da Dilma e do Guido Mantega. - bradou a Gina.

 

(*) Não se conhece a origem do conhecimento náutico do redator do seu O BISCOITO MOLHADO. Deve tratar-se de algo extremamente erudito, pois o termo estibordo foi abolido após a Guerra do Paraguai, conforme informação obtida na internet: O uso dos termos Bombordo e Estibordo pode levar a confusões tão prejudiciais que fez a Marinha Brasileira redesenhar uma palavra tradicional para evitar problemas em suas operações; isso se deu por volta da Guerra do Paraguai. A antiga distinção entre bombordo (o lado esquerdo da embarcação) e estibordo (o lado direito) mostrou-se inoperante em situações de batalha, uma vez que as ordens gritadas no meio da fuzilaria e da canhonada deixavam ouvir apenas a tônica, que é BOR em ambos os casos. Considerando a importância de que os maquinistas e timoneiros entendessem as ordens dadas, nossa Marinha sabiamente inovou: pegou estibordo, reordenou seus elementos e saiu-se com um boreste, agora funcional, porque as duas tônicas se bastam para distingui-las.

Como o texto declara a desconfiança nas informações da internet, o Distribuidor vem a público esclarecer que, pelo menos há 50 anos, não se usa mais o termo estibordo, corroborando parte da informação.

 

 

 

 

 

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