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sexta-feira, 7 de agosto de 2015

2912 - sabadoido ruidoso


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O BISCOITO MOLHADO

Edição 5162                      Data:  03 de agosto de 2015

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SABADOIDO

1ª PARTE

 

-O Claudio me abriu o portão, meio esbaforido e disse que eu seguisse em frente porque ele estava engraxando. Nem parei, vim direto para a cozinha do Sabadoido. O que ele engraxa, não vi sapato algum?

-Carlão, ele engraxa a bicicleta ergométrica.

-Ele não passou, antes, óleo?

-Passou, mas não deu resultado.

-Os vizinhos estão reclamando do barulho que ele faz quando pedala? Deveriam reclamar das pedaladas da Dilma. O da casa ao lado faz sessões de macumba que atravessam a noite. Basta o Claudio levar a bicicleta para o muro que separa as duas casas e fazer também a sua barulheira.

-Carlão, o vizinho macumbeiro se mudou para outro lugar há algum tempo.

-Esqueci, mas tudo bem. O Claudio havia me dito, no sábado passado, que ficou uma hora na bicicleta, suando em bicas, com muito barulho e nem quis saber dos vizinhos.

-Carlão, hoje ele extrapolou. Eu me entendia maravilhosamente com Morfeu quando, às quatro horas da manhã, fui acordado com o rangido da bicicleta. Gritei do meu quarto: “Velho, assim não dá.”

-Daniel, mesmo quando eu estava no melhor da minha carreira, vinte, quinze anos atrás e corria antes de sair para o trabalho, eu não me exercitava a essa hora da madrugada.

-É vero. - limitou-se a dizer.

-Será que despertou tão cedo para ver a lua azul?

-Nada, Carlão. Ele disse que lua azul para ele é Blue Moon de Henry Mancini.

 -Para ele, para o Simon Khoury do Rádio Memória e, enfim, para todos os que têm bom gosto, porque o Henry Mancini foi um ótimo compositor, arranjador, etc.- comentei.

-Então, Carlão, não foi por causa da lua azul que ele madrugou.

-O Dieckmann contou que andou 10 mil passos para ver a lua azul.

-Para os sedentários, seria melhor ouvir apenas Blue Moon de Henry Mancini. - comentou.

-Ele saiu de Santa Teresa, foi à Praia Vermelha e, daí, à Urca com a companheira dele.

-Tudo isso a pé?... Dá uns 100 mil passos!

-Uma parte do percurso, eles fizeram de carro, evidentemente.

-Ah, bom.

-Nas minhas caminhadas de uma hora aos sábados, domingos e feriados, eu calculo 7200 passos, porque a minha média são dois passos por segundo.

-Você não teve um pedômetro, Carlão?   

-Tive dois; eles eram doidos; contavam passos quando eu estava parado, e, muitas vezes, não contaram quando eu andava.

-Made in China. - diagnosticou.

-Isso há alguns anos, mais recentemente, soube de um colega de trabalho, glutão e gordinho, que usava um pedômetro ajustado no cinto, porque a sua pretensão diária era dar dez mil passos.

-Como o Dieckmann. - interferiu.

-Certa vez, fomos eu e ele fiscalizar uma empresa na Torre Rio-Sul, às 10h. Quando percebi, ele já havia dito para o nosso motorista retornar às 2h da tarde.

-Muito tempo, Carlão?

-Claro; nós veríamos apenas documentação; no mais tardar, 11 horas o trabalho já esta feito.

-Então, vocês almoçaram lá?

-Almoçamos, mas, antes, andamos; depois do almoço, andamos de novo. Foi quando ele me revelou que portava um pedômetro e que entrara para a meta dos dez mil passos por dia.

-Ele fez com você o mesmo que o Dieckmann com a companheira dele quando saíram para ver a lua azul.

-Mais ou menos, Daniel.

-Carlão, por que reclamar?... Você também se exercitou.

-Daniel, eu já havia caminhado um hora antes de ir para o trabalho.

-E o pedômetro desse seu amigo era made in China como os seus?

-Daniel, eu nem quis saber. Interessei-me, isso sim, com o dispositivo no celular que registra todos os passos que ele dá, até quando vai para o chuveiro.

-Ele toma banho de celular, Carlão?

-Bem, nunca o vi sem um celular desde que o Fernando Henrique Cardoso privatizou a Telebrás, mas creio que, na hora do banho, ele deve se separar do dito cujo.

-Eu tenho umas amigas que só faltam mergulhar na piscina de celular, se fosse à prova d' água, mergulhavam.

-Daniel, é difícil ter um aplicativo como o do Dieckmann no celular?

-Carlão, se você mudar de celular, não.

-Na verdade, o aplicativo que me deixa de olho gordo é um que mostra, numa linha tracejada, o percurso que você fez numa caminhada ou numa corrida.

-Por que olho gordo?

-Bem, quando íamos a trabalho ver empresas, terminais e porto, no caso o de Forno, em Cabo Frio e Arraial do Cabo, eu caminhava pela calçadão da Praia do Forte.

-Esse era o trabalho? - gracejou.

-Havia horas para dormir e para o lazer; você, que já viajou pelos Correios, sabe. Como eu dizia, terminava o meu exercício sem saber se caminhei cinco, seis, ou até pouco mais de 4 quilômetros. Então, um dia, o rapaz que trabalhava como motorista me mostrou o celular dele com todo o caminho que ele caminhara, os quilômetros e não sei mais o quê.

-E você fez um lance para comprar o celular dele?

-Não fiz, Daniel, porque era caríssimo: no celular estava o número de telefone de todas as periguetes da Região dos Lagos.

-Ora, basta tirar o chip.

-Diz ele que tem quatro chips para evitar que a mulher descubra os seus pulos de cerca.

Nesse instante, meu irmão entrou na cozinha com as mãos sujas de graxa.

-A sua bicicleta ergométrica já está tão silenciosa quanto o Congresso Nacional às sextas-feiras?- perguntei.

-Com mais alguma graxa, ficará.

-A vizinhança reclamou dos rangidos dela às 4 horas da manhã?

-O único que reclamou foi o Daniel, mas estou pensando em despejá-lo e alugar o seu quarto.

-Qual é, velho, eu dormi tarde.

-O Daniel estava na farra? - foi a minha terceira pergunta em menos de dois minutos.

-Se ele estivesse na farra chegaria depois do amanhecer, hora que eu chegava quando saía às sextas-feiras.

-E levava o papai à loucura. Certa vez, o pai parou o carro do Luís Valente, umas 7 horas da manhã e pediu que o levasse até o necrotério: queria ver se você estava lá.- lembrei.

-E estava? - não perdeu o Daniel a piada.

-Papai era muito paranoico; sabia muito bem que todas as sextas-feiras eu me reunia como a minha turma da Cândido Mendes para tomar chope.

-E você, por que dormiu tão cedo? - voltei-me para meu sobrinho.

-Porque os filmes que levavam na televisão ou eram ruins, ou eu já havia assistido.

 

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